Desde seus inícios, o Arraial da Lage (voltando ao “g” do passado...) tinha quatro entradas. É sobre essa laje e o acesso a ela que vamos conversar. Sempre intrigou-me imaginar como teria sido a vista, de longe, dessa portentosa laje, quando era inabitada. Será que índios ousaram viver no topo dela? Desde quando e até quando? Depois teriam sido os portugueses desbravadores, a partir do século 17, talvez mesmo do 16. Provavelmente já no início do século 18, portugueses, ou mesmo brasileiros, sobretudo paulistas (época da “guerra dos emboabas”.), já teriam subido, tal como lagartos, esse imenso bloco de pedra.
Os estudiosos que tentam perscrutar como se deu o início do povoado começam a partir da construção da primeira capela em 1749, quando o primeiro bispo de Mariana (sede da diocese da Comarca do Rio das Mortes), dom frei Manuel da Cruz, autorizou a construção. Outros opinam que por essa época chegaram as famílias Malta (fazenda da Lage), Marques Monteiro, Resende Costa (fazenda dos Campos Gerais), Alves Preto, Pedrosa de Morais (fazenda do Pinhão) e Pinto de Góes e Lara (fazendas na região dos povoados do Ribeirão e dos Pintos). Bem, são conjecturas. Com certeza mesmo sabemos que o José de Rezende Costa (filho) nasceu no arraial em 1765.
Entre esses estudiosos que andam pesquisando essa história, alguns dizem que no centro do arraial cruzavam-se dois caminhos, um que vinha de Goiás em direção ao Rio de Janeiro e outro que descia do norte até o sul da Capitania das Minas Gerais. Isso seria lá pelos meados do século 18. Mas, como explicar o motivo pelo qual esses caminhantes teriam que subir e descer uma monstruosa pedra, a 1140 metros de altura, tocando tropas carregadas de mercadorias? Talvez tenha sentido essa opção, por se tratar de um posto de parada estratégico e seguro, justamente pelo fato de sua altura.
De uma coisa eu estou certo: desde menino, perambulando pelas ruas da cidade, eu dava notícia desses caminhos de acesso à mesma. Eram quatro: o Tejuco (Tijuco), o Beira-muro (Beramuro), o Pau-de-canela, e o caminho supostamente chamado de “Terra caída”.
O primeiro era o acesso aos povoados do Ribeirão de Santo Antônio, Cajuru, Jacarandira (antiga Salva Terra), aos 3 Curralinhos, a Desterro de Entre Rios e a Entre Rios de Minas; o segundo dava acesso à Restinga, Santa Rita do Rio Abaixo (Ritápolis), Boa Vista e São Tiago; a terceira era o acesso ao arraial do Mosquito (depois São Francisco Xavier, Coroas e finalmente, Coronel Xavier Chaves), Ponta do Morro (Prados), São José del-Rei (Tiradentes) e São João del-Rei e o quarto dava acesso aos povoados do Barracão, do Brumado, dos Campos Gerais e à vila de Lagoa Dourada. Esse caminho tinha um grande barranco, na chegada da vila, daí o nome de “Terra caída”.
Esses caminhos, que convergiam para o topo da laje onde nasceu a capelinha, transformada mais tarde em igreja Matriz, seriam as quatro porteiras de acesso à laje.
O arraial - e no início do século 20, a Vila da Laje -, começou a crescer a partir de sua emancipação, ocorrida em 1911/12. Vieram novas ruas, novas estradas, novos acessos e, curiosamente, novos nomes. De repente, desapareceram os belos nomes que norteavam as entradas e as saídas da cidade.
Não se fala mais em “Tijuco”: agora a referência é “Vargem”. Curiosamente, os dicionários ensinam que várzea, várgea, varge, vargem e varja são variações de uma mesma palavra. Até meados do século passado a gente falava Tijuco ou Vargem do Tijuco (Onde você mora? – Lá no Tijuco, ou lá na Vargem do Tijuco). O nome “Tejuco” (ou Tijuco) é intrigante: dizem os dicionários que é uma palavra oriunda da língua indígena tupi e significa “água podre, lama, pântano, atoleiro”.
Quando menino, eu achava que era nome usado só na minha terra. Depois descobri que São João del-Rei tinha também seu Tejuco e, posteriormente, vim a saber do nome “Tijuca”, aplicado a dois bairros do Rio de Janeiro: Bairro da Tijuca e Barra da Tijuca. Outra Tejuco importante foi a atual Diamantina: “Arraial do Tejuco”. Imagino que o significado do nome indígena se refere a alguma região pantanosa, ao lado da taba de alguma tribo, nome que continuou na medida em que os desbravadores foram desalojando os índios de suas terras.
O “Beramuro” sumiu do mapa. Mais perto do centro, parece que deixou de ser bairro. O “Pau-de-Canela” também sumiu, até porque a árvore “pau-de-canela”, que dava nome ao local, terá também sumido. Alguns mais antigos ainda usam esse nome.
Com o quarto acesso aconteceu o pior. Até a década de 70 se falava “Vavaso” (nome derivado de Gervásio: “moro lá pelo lado do Vavaso”). Depois, por causa da pavimentação asfáltica do acesso à rodovia Belo Horizonte/São João del-Rei, aquela região passou simplesmente a ser conhecida como “Asfalto” (Onde fica o restaurante Xegamais? – Lá no Asfalto!). E o asfalto da rodovia ganhou até um status de nome próprio, com direito à letra maiúscula. Por enquanto permanece o “Asfalto”. Que pena!