Quando menino, final da década de 40, corria um versinho na boca do povo: “Resende Costa, / Cidade que seduz. / De dia falta água, / De noite falta luz”. E era mesmo verdade. A água vinha nas latas de 20 litros, sobre uma “rodilha” de pano, nas cabeças das mulheres, proveniente das 5 fontes que nasciam no perímetro da cidade. No início da noitinha, chegava a “luz do Azevedo”. A gente acendia uma lâmpada fraquinha, que era apagada às 10 da noite. No mais, era lamparina e vela. E a gente era feliz.
Pois é, passados os quase 70 anos, podemos dizer que temos água e luz durante o dia e a noite. E parece que não somos lá tão felizes assim. Basta abrir jornais e revistas, ligar rádios, televisões, telefones, computadores e toda esta parafernália eletro-eletrônica que invadiu o mundo. É quase só notícia ruim. E o pior, estamos correndo o risco de não termos nem água e nem luz. E o “mais pior” ainda: não é só Resende Costa, é o Brasil todo. Está acabando aquele Brasil que até parecia que seduzia, “deitado eternamente em berço esplêndido...”. E agora vem à tona a famosa pergunta: “Que País é este?”.
Por incrível que pareça, quem por primeiro “cunhou” esta pergunta foi o senhor Francelino Pereira dos Santos, ex-governador de Minas. Francelino nasceu em Angical do Piauí em 1921. Ainda menino, sua família mudou-se para Minas, fixando-se em Belo Horizonte. Formou-se em Direito, foi vereador em Belo Horizonte, deputado federal, governador de Minas e senador. Aderiu de corpo e alma ao regime da ditadura. Foi deputado pela Arena, partido da ditadura, do qual foi presidente. Foi nesse período, 1976, que ele teria cunhado a tal da frase. O presidente Geisel assumiu a presidência acenando com a “abertura” da ditadura. Foi criticando os opositores da ditadura, descrentes das promessas, que o Francelino proferiu o “Que País é este?”. Mas o tiro saiu pela culatra. Geisel, através do famoso “pacote de abril de 1977”, fechou o Congresso, criou os senadores “biônicos”, passou para 6 anos o período da presidência da República e impôs outras medidas, geradas no que se chamou na época de “A Constituinte do Alvorada”. Tempos depois Geisel presenteou o presidente da Arena nomeando-o como governador-biônico de Minas (1979/1983).
Mas a história do “Que País é este?” não ficou por aqui. Em 1980, o escritor e poeta Affonso Romano de Sant’Anna saiu com mais uma obra poética, dando-lhe como título a famosa pergunta. Como coordenador da área de Língua portuguesa no vestibular da universidade de Governador Valadares naquele ano, lembro-me de ter escolhido essa pergunta como tema de redação.
Em 1987 a pergunta do Francelino chegou à área musical em forma de rock. Foi quando o músico e compositor Renato Russo, ao lançar o terceiro álbum de sua banda, a Legião Urbana, deu-lhe o nome de “Que País é este?”.
Ao longo do século 20 e nessas duas décadas, o Brasil vem capengando com uma pseudo-democracia. De uns tempos para cá voltamos novamente ao “Que País é este?”. Em 2013, o povo brasileiro saiu nas ruas fazendo essa pergunta, à vista dos problemas do país, culminando com o julgamento do mensalão. Em 2014, perguntou-se “que País é este?”, ao se ousar, aos trancos e barrancos, sediar uma Copa do Mundo, em meio a confusões e atrasos, culminando com um fiascão. Voltaremos à essa pergunta quando, daqui a pouco, estaremos assistindo ao julgamento do petrolão.
Olhando para trás em nossa história, infelizmente nos damos conta de que tivemos, em sua maioria, governantes e legisladores incompetentes, populistas, interesseiros e desonestos. Faltam-nos brasileiros estadistas que, enxergando a longo prazo, possam convencer o povo a sair pelas ruas para defender um grande projeto de educação e de uma reforma radical da estrutura política. Só assim poderemos trocar a fatídica pergunta para afirmar que somos um país sério, democrata, com uma sociedade igualitária, mais sadia e livre dessa insegurança que hoje nos sufoca.