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Sabor das Vertentes

16 de Agosto de 2009, por Rosalvo Pinto

Deixo de lado os “causos” e, desta vez, vou dar uma de gourmet ou de culinarista. Estou criando e vou passar para meus leitores uma receita curiosa e, presumivelmente, gostosa. Trata-se de um prato exótico, o “Sabor das Vertentes”. De sabor único e inconfundível, é o “filezinho de sapo ao molho de gabiroba, com farofa de tatu e repolho gratinado com queijo“. Após ir à mesa, apesar de seu aroma abundante e convidativo, não é preciso se preocupar com os mosquitos ou outros bichinhos, pois as lagartixas que andam por aí se incumbem de comê-los. Para a sobremesa, “café com biscoito doce” mas, caso você abuse, tenha por perto sempre um penico, pois nunca se sabe...

“Lagartixas” ou “largatixas”, pouco importa, é assim que somos conhecidos na região do Campo das Vertentes. Talvez seja o apelido coletivo mais metaforicamente apropriado para os seres humanos que subimos e descemos sem parar nossas lajes. Apelido perfeito, apropriado, dispensa explicações. Nossas lajes são grandiosas e bonitas. Daí a inveja dos vizinhos, que nos aplicaram o apelido. Mas o tiro saiu pela culatra: o apelido nos dá orgulho. Somos lagartixas, e com muita honra!

Lá de cima das nossas lajes olhamos à esquerda, com desdém, para as bandas de São João del-Rei. Lá moram os “queijeiros”, nossos vizinhos da São João dos-Queijos. Se por acaso foram eles que nos chamaram de lagartixas, bem feito pra eles, não escaparam de um apelido. São João dos-Queijos, mas com todo o respeito, é a grande e charmosa São João del-Rei. Afinal, nós, por enquanto, ainda somos aquela cidade “perto de São João del-Rei” ...

Onde você mora? – Lá pras bandas do Mosquito, ouvia-se antigamente. À esquerda da terra dos queijeiros, muito “cundida”, pequenina como um mosquito, está a terra dos “mosquitos”. Isso mesmo. Quem nasce em Coronel Xavier Chaves (antiga Coroas) é mosquito. Lá até o riacho que corta a cidade é Mosquito. Seu nome remonta ao século 18, talvez ao 17. Depois o nome passou para uma antiga fazenda, a partir da qual surgiu o povoado. De Mosquito o povoado virou São Francisco. De São Francisco, passou a Coroas. Tornou-se município com o nome de Cel. Xavier Chaves. Vai gostar de mudar de nome! Na emancipação, que coincidiu com a época da “Jovem Guarda”, logo surgiu o sugestivo apelido: Cel. chá-chá-chá, o nome de um dos ritmos típicos daqueles tempos. Nossos vizinhos torceram o nariz, mas ... o antigo apelido de mosquito ficou, pelo menos para os mais velhos.

Virando o olhar um pouco para a direita de São João dos-Queijos, logo ali atrás da serra moram os “gabirobas”. A frutinha é uma delícia e o apelido, até engraçado. A gabiroba (guabiroba ou guavira) é uma fruta em extinção, pelo menos em nossa região. Os gabirobas de Ritápolis (antiga Santa Rita do Rio Abaixo) devem ter acabado com elas. De tanto comer gabirobas, sobrou para eles apenas o apelido. E olha que gabiroba significa, na língua guarani, “árvore de casca amarga”, sei lá ...

Virando-se para oeste, lá está a majestosa serra de São José, também conhecida como serra de Tiradentes. Ela é a confidente e guardiã de muitas histórias que rolaram de seus dois lados. Do lado de cá está o “piniquinho (peniquinho) de Minas”. Do lado de lá estão os comedores de “tatu com repolho”. Na ponta onde ela termina, conhecida nos anos setecentos como “Ponta do Morro”, está o famoso “Bichinho” (atual Vitoriano Veloso, nome do único inconfidente negro e escravo, ali nascido). Pois bem, o Bichinho está apertado entre seus dois vizinhos: a simpática Prados, dos belos e vetustos casarões, o “Piniquinho de Minas” e a charmosa Tiradentes, o “Tatu com repolho”. Piniquinho de Minas, um apelido até carinhoso, porque foi plantada num grande buraco, espremida entre montanhas e Tatu com repolho, por ser o prato preferido dos habitantes de sua cidade.

Bem, os “sapos”, todo mundo sabe quem são e onde moram. Logo ali, do outro lado do morro que circunda a cidade dos lagartixas. Quem não se lembra da antiga cantiga: “O sapo não lava o pé – não lava porque não qué (quer) – ele mora lá na lagoa – não lava o pé porque não qué”? Só que a lagoa deles é chique, é dourada e os sapos de lá são os ancestrais importantes de muita gente por esse Brasil afora, os famosos “resendes” ou “rezendes”, ou melhor, os “reszendes”, para evitar confusões.

Quem ainda não pôde ir a São Tiago de Compostela, console-se indo a São Tiago, ou “São Tiágua”, (como diz o povo da roça), nosso outro vizinho das Vertentes. Peregrinando até São Tiago, os “café com biscoito” vão receber você muito bem e você vai se cansar de tanto café com biscoito que vão lhe oferecer. É a marca da cortesia deles e vale a pena provar.

Esse é o prato dos sugestivos e folclóricos apelidos, marca da saudável rivalidade e da gostosa convivência do nosso povo no Campo das Vertentes. Prato que contém a cultura e os costumes típicos de uma região rica em histórias e em tradições gastronômicas.

Comentários

  • Author

    Muito legal... não sabia dessas brincadeiras. Sou belorizontino e neto de Resende Costa por parte de pai e mãe... desde criancinha estou vez ou outra aí com vcs, mas ainda não conhecia esse lado "brejeiro" e gozador do meu povo das Vertentes...!


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