Entre as ruas da Resende Costa de antigamente, apenas uma era conhecida como “avenida”. Aliás, nem era uma avenida, era simplesmente a rua Gonçalves Pinto, como o é até hoje. Mas a “avenida” era só o trecho que começava na confluência com a rua Moreira da Rocha e terminava nos “Quatro Cantos”. Era onde os casais (casados e namorados) e amigos faziam, nos fins de semana, o tradicional “passeio na avenida” (nem se sonhava, então, com o termo footing, do inglês). “Vamos dar uma volta na avenida?”, era o convite de sempre. Ali também, ao entardecer, as crianças costumavam brincar despreocupas, “naquelas tardes fagueiras”, como dizia o poeta Casimiro de Abreu.
Aos nossos olhos era uma avenida bonita, com seus casarões, sobrados e suas casas singelas. As janelas se abriam diretamente sobre a rua e a gente nelas se acotovelava para conversar com os transeuntes e amigos. Poucos pontos comerciais, no térreo dos sobrados: o botequim do Tonico Chalé, a farmácia do Barbozinha, a padaria do Aurélio, a barbearia do Zé do Nico, o “negócio” do Zé Augusto, os botequins do Dico e do Neném, as lojas do Miguel Turco e do Osório, também dono do sobrado onde funcionava a única pensão da cidade. Até aqui um retrato de saudades.
A saudade é um mecanismo psicológico pelo qual sentimos prazer e ao mesmo tempo uma certa dorzinha, quando nos lembramos de acontecimentos e experiências prazerosas do passado. Uma relação amorosa, uma fase feliz da vida, um convívio gostoso. Quanto mais se aproximam do fim da vida, os seres humanos sentem a experiência da saudade. É a sensação de prazer de reviver o passado, ante a perspectiva do fim que se aproxima. Por essa razão, as gerações mais velhas são mais saudosistas. Para as gerações novas, o saudosismo é algo estranho, tido como coisa de velhos. Mas os jovens de hoje fatalmente se tornarão os saudosistas de amanhã. Apenas uma questão de tempo.
A saudade é mais doída quando o objeto do prazer do passado se transforma radicalmente no presente. Ainda que se tenha que aceitar esse presente. Onde está a nossa avenida dos passeios, dos encontros, das conversas, dos brinquedos, da tranquilidade, da segurança, do respeito?
Quem te viu, quem te vê. A avenida do passado virou a rua desfigurada do presente. Feia em sua arquitetura, entulhada de carros, por vezes pista de corrida, poluída pelo barulho desrespeitoso da música de bares e de carros, brigas e lixo espalhado nas noites dos fins de semana. Um caos, que pena! Infelizmente, por várias razões, a cidade não soube se adaptar aos tempos modernos sem perder os encantos da velha avenida, como outras cidades o fizeram. Casarões, sobrados e casas singelas foram substituídos por construções de gosto duvidoso, disformes e inacabadas. Uma meia dúzia de casas do passado teima heroicamente em dar o tom de cidade de antigamente.
Dói ouvir dizer que a avenida de outrora parece hoje periferia de cidade grande. É a realidade. Ao trazer amigos ou turistas para conhecer a cidade, alguns preferem evitar entrar por ela. Dão a volta lá por cima, pela Matriz, passando primeiro pelas Lajes de Cima. Mesmo assim, lá chegando, não se escapa da visão do mostrengo da caixa d’água da Copasa. Foram-se com o tempo o convívio na avenida e a vista das lajes, o nosso cartão-postal.
É possível tentar salvar o que resta da avenida. Além da vigilância do Conselho do Patrimônio Histórico e Cultural, a cidade necessita, com urgência, da criação de um código municipal de controle do uso do solo urbano. Sem isso, prevalece a ganância e o individualismo, para construir e para destruir. Veja-se o caso de uma obra inacabada, totalmente fora dos padrões da avenida, implorando por uma solução. Entretanto, a mais importante ação de preservação dos espaços públicos tem um nome bem curto: “educação”. Só pela educação, na família e na escola, é possível desenvolver atitudes de respeito e de carinho com os espaços públicos de nossa cidade.
É óbvio que não podemos viver de saudosismo. As mudanças nas cidades são inevitáveis e irreversíveis. Não se trata simplesmente de voltar ao passado. Mas podemos recuperar os valores de convivência de antigamente. Meu amigo e colunista do JL (o Prof. José Antônio, da coluna “A teia do mundo”) escreveu um texto que, de tão bonito, se espalhou pelo Brasil e pelo mundo, evocando o valor e a beleza da convivência que se cultivava no passado (“O café está na mesa”, publicado na Folha das Vertentes, de São João del-Rei). Dá até vontade de transcrevê-lo aqui. Seu texto é um gostoso café da manhã, no qual se comem e se bebem delicadezas e saudades.
Ainda a saudade. Parafraseando a valsinha popular “Baile da saudade”, dá vontade de cantar: “ai que saudades tenho da ... nossa avenida ...”. Porque ela, na verdade, não existe mais. Restam apenas as saudades.
Saudades de nossa avenida...
13 de Julho de 2010, por Rosalvo Pinto