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Ser de direita, ser de esquerda

07 de Dezembro de 2008, por Rosalvo Pinto

Parodiando Shakespeare, ‘ser de direita, ser de esquerda, eis a questão’. Questão que há anos muito me intriga. Afinal, o que significa realmente ser de direita ou ser de esquerda? Questão complicada. Para tratar dela, no mínimo um livro. No espaço limitado deste texto rabisco apenas algumas considerações.

Começo por uma pitada de história. Até onde eu consigo saber, quem primeiro falou em direita e esquerda pode ter sido a Bíblia. Mais precisamente, o evangelista Mateus, ao descrever a cena do juízo final. ‘... (Jesus) sentar-se-á no seu trono de glória e reunir-se-ão em sua presença todas as nações e ele separará uns dos outros (...) e porá as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda’ (25, 31-33). Observe-se que o evangelho já diz que os ‘bons’ (as ovelhas) ficam à direita e os ‘maus’ (os cabritos), à esquerda. Muitos séculos depois, lá por 1789, ao final vitorioso da Revolução Francesa, houve uma grande assembléia para se discutirem os rumos do movimento. À direita estavam os conservadores, a burguesia, o clero, a elite, enfim; à esquerda, a turma do Robespièrre e cia., os que queriam mudanças mais profundas, os mais pobres, o povão. Teria sido daí que se começou a falar em direita, para se referir à elite, tendencialmente conservadora, e esquerda, para os adeptos de mudanças sociais mais radicais, tendencialmente menos privilegiados. Curiosamente, a direita costuma sempre ser citada antes da esquerda. Até no título deste texto, lá em cima. E os canhotos costumam ser discriminados, por vezes forçados pela família e pela escola a passar para a direita, ou seja, a virar destros.

Quem mais costuma usar o par ‘direita x esquerda’ são os intelectuais (geralmente os analistas sociais) e os políticos. Os primeiros, na elaboração de seus estudos e pesquisas. Com os segundos, os políticos, a coisa fica um pouco mais complicada: alguns gostam de se dizer ‘de esquerda’, mesmo quando claramente não o são e aqueles que parecem ser ‘de direita’ têm horror a serem assim chamados. Isso acontece na política de países com grandes diferenças de classes sociais, como o nosso. E o motivo é óbvio: o político está sempre de olho nos votos que podem, em sua maioria, vir das classes menos privilegiadas, que são maioria esmagadora entre nós. Digo ‘podem’, porque nem sempre isso acontece. O problema crucial está nos nossos partidos políticos que podem, por exemplo, ter uma suposta ideologia de esquerda e ter em seus quadros políticos interesseiros, de notório perfil de direita. Estão ali apenas para atender aos seus interesses individuais. E vice e versa, mas em menor escala, políticos filiados a partidos considerados de direita podem não ter, às vezes, um perfil de pessoas de direita.

Aprofundo um pouco mais essa questão. Quanto ao ‘ser de direita’ não há muito a se discutir: os que lá estão ‘são’ e, sobretudo, ‘agem’ como de direita. Ser de esquerda, por outro lado, significa ter uma clara ideologia de esquerda, ou seja, uma ideologia que defenda mudanças no quadro socialmente injusto de uma sociedade. Mas ‘dizer’ e ‘defender’ em si nada resolve. O fundamental, para quem se diz de esquerda, é ‘ser’ e, conseqüentemente, ‘agir’, ‘fazer’. E isso significa compartilhar e efetivamente dividir o que você possui com os outros seres humanos, sobretudo aqueles que vivem ao seu redor. Significa, se você for patrão, pagar salários condignos aos seus empregados, lembrando-se de que salário mínimo não é salário condigno. Significa não discriminar os que têm menos que você, não esbanjar e desperdiçar bens e riquezas, enquanto outros, ao seu lado, vivem na miséria. Quem pensa (e diz) que é de esquerda e não age como tal, é como aqueles que se dizem católicos, por exemplo, mas não seguem os preceitos, as normas, os sacramentos e os ritos do catolicismo. Tal como o ensinava o apóstolo Tiago: ‘Assim também a fé, se não tem obras, por si é morta (2, 17).

Ironicamente, os jornais do mundo inteiro publicaram por esses dias uma curiosa (e preocupante) entrevista com o Abdullah Muntazir, líder do grupo terrorista paquistanês Jama’t-ud-Da’wah. Suposto responsável pela chacina de 195 seres humanos inocentes em Mumbai, na Índia, ele dizia que ‘é preciso melhorar não apenas a crença do indivíduo, mas também suas ações e atitudes. Somente assim um indivíduo pode se tornar um verdadeiro cidadão bom’. Ele confirma o que venho dizendo acima, ou seja, não bastar crer em alguma coisa, o importante é agir segundo essa crença. Mas Muntazir se esquece de que não é pelo uso da violência contra inocentes que se vão resgatar os seres humanos.

Emerson, famoso filósofo americano, ensinava que é inútil dizermos o que não somos, pois a verdade do que somos está o tempo todo trovejando diante de nós, de tal modo que os outros não podem escutar o que nós tentamos dizer ser o contrário. É isso aí, concluo: o de direita diz que não o é e o de esquerda pensa e diz que é, sem o ser. E termino com o mesmo Emerson: o dizer é inócuo sem o agir.

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