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Sr. Floriano Sampaio em Resende Costa

11 de Outubro de 2010, por Rosalvo Pinto

É sempre interessante ler a história de uma cidade através do olhar de alguém que, não sendo nela nascido e criado, nela viveu por algum tempo.

Tempos atrás, o JL nos proporcionou a agradável oportunidade de descobrir, na cidade de Lagoa da Prata, a família Sampaio, que viveu em nossa cidade entre 1951 e 1956. Na edição 86 (junho/2010) do JL descobrimos e relembramos a figura de dona Guiomar Sampaio, através das informações de sua filha, Consolação, e de nossas próprias lembranças daqueles tempos. A lembrança de dona Guiomar estreitou nossos contactos com a família. Em maio, pescando lá pelas bandas da Barra do São Francisco (Bahia), o Dr. Luiz e o João do Galo, por um simples acaso, conheceram o Antônio de Pádua Sampaio, o Toninho, irmão da Consolação. Dois meses atrás, outra surpresa: a Consolação me envia três livros: um de autoria do seu pai, o Sr. Floriano (“Reminiscências”) e dois de dona Guiomar, sua mãe, de poemas (Marcas do Tempo e Retrato Abstrato). Li, com prazer, os três. Coisas muito bonitas.

O livro do Sr. Floriano Geraldo Sampaio foi lido em um fôlego só. Mais que um livro de contos, é uma lição de vida. Muito bem escrito, num estilo leve, agradável, cheio de humor, relata as peripécias de sua vida. E que vida! Ele se revela um homem lutador, empreendedor, solidário (era vicentino convicto e atuante), cheio de gratidão para com as pessoas que o ajudaram a crescer na vida, culto, enfim, homem do trabalho, do respeito, da honestidade. Tudo isso, sem deixar nunca de ser um exímio e apaixonado pescador. Em seus contos transita com desenvoltura pela geografia, astronomia, saúde, história e, claro, a pescaria. Com uma prodigiosa memória, descreve e mapeia gostosamente, com amor e perfeição, a cidade-menina Belo Horizonte, onde ele viveu, melhor, batalhou, menino e jovem. Uma delícia as referências à memória de BH, sobretudo do centro, onde trabalhou e dos bairros de Santa. Tereza, Floresta e Barro Preto.

Antes de “Reminiscências” ele havia escrito “Coisas, fatos pessoas”. “Reminiscências” foi escrito em 1998, aos seus 91 anos de idade. Com sua impressionante memória, no capítulo “Confidências” (p.79-99), ele se lembra de pessoas com nome e sobrenome e de casos curiosos da fase de sua vida e da sua família em Resende Costa.

O “Caroco” foi um deles. Dona Aurora e dona Maroca eram duas irmãs solteiras (tias da Dinha e da Dora Lara), vizinhas do cômodo alugado para a Coletoria Estadual na qual trabalhava o Sr. Floriano. Ele conta que, num dia de muito frio, elas acolheram em sua casa o Caroco e colocaram um colchão no chão da sala para ele dormir. De noite ele se levantou e urinou no outro canto da sala. Nas noites seguintes, o hóspede voltou e ... a sala foi ficando impregnada com o cheiro da urina. Sr. Floriano mudou de Resende Costa e o Caroco morreu. Mas ele veio a saber que, “no canto da morrinha do xixi, brotou um perfume estranho, suave, agradável, de coisa diferente das coisas da terra. Se a casa ainda existir, existirá o perfume. Perfume do Caroco”, conta ele (p.89-91).

Um dia o Sr. Barbosinha o atendeu numa situação drástica de doença. “Barbosinha era um farmacêutico extraordinário e sua casa ficava a um quarteirão da Coletoria. Que Deus o tenha na sua glória”. O Sr. Alberico Roman era um vendedor de bilhetes da loteria mineira com o qual ele fazia as suas “fezinhas’.

Pe. Nélson rifou uma máquina de costura Singer, novinha. Para ajudar e como dona Guiomar, sua mulher, estava de olho nela, ele comprou um bilhete. Feito o sorteio, ninguém apareceu. Depois de três meses de aviso no sermão dominical, o Pe. Nélson fez novo sorteio. Saiu para sua vizinha, a Adiles do Sr. Zé do Ciro (Irmã Savéria, camiliana, irmã da Marlene e da Dorinha Silva). Passados vários dias, remexendo sua gaveta na coletoria, ele achou o bilhete premiado no primeiro sorteio. E conta que, mesmo tristonha, Da. Guiomar foi visitar a Adiles e ensinar a ela costurar. É lembrado também, de passagem, o Elmo Daher, que lhe sugeriu pedir uma remoção para a cidade de Rio Preto, na divisa entre Minas e São Paulo, para atender aos estudos de seus filhos.

Do período da vida de sua família em Resende Costa o Sr. Floriano deixou registrado em seu livro os comentários seguintes sobre nossa cidade:

“Havia quatro anos morando em Resende Costa, tínhamos relacionamento com quase todo o povo da cidade e com Padre Nélson, depois Monsenhor Nélson, José Pio, filho do Sr. Sérgio Procópio, dona Odete, nossa comadre, o Pinto, meu companheiro de pesca [provavelmente o Chico Daniel, pescador e vizinho], o Sr. Peluzzo e mais outros, aliás, muitos outros” (p.86).

“A cidade foi uma espécie de paraíso que os meninos desejavam: tinham liberdade para brincar, companheirada boa e amiga, escola ao sabor, enfim, viviam alegres. Guiomar, num ambiente artístico, onde todo mundo entendia e gostava de teatro, também vivia feliz” (p.97).

“Era uma cidade pequena, de gente simples, religiosa e boa, onde se vive bem e em harmonia, terra de minha filha – Mariazita” (99).

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