2014, ano que vai marcar época. Infelizmente, copa do mundo à vista. Mas veio atrelada, propositadamente, ao que seria muito mais importante: as eleições. O país se desintegrando em pedaços. Se dissermos que somos uma democracia, só as eleições poderiam nos salvar da agonia proveniente da falência múltipla de órgãos. As “manifestações” que se espalham pelo país talvez pudessem salvar-nos, mas nas condições atuais tornou-se impossível “manifestar”, sem badernas, prisões, depredações e mortes. E fica a dúvida: quem seriam esses brasileiros escondidos atrás de uma máscara? Saudade da campanha das “diretas já”, quando um milhão de brasileiros se manifestaram sem sequer danificar uma única cabine de telefone.
Na década de 80, morando em Brasília, eu e mais dois outros colegas do Senado criamos uma associação de pais para defesa da ganância das escolas particulares, ao mesmo tempo em que levantamos uma bandeira de luta pela escola pública, gratuita e de boa qualidade para todos os brasileiros. Com muito trabalho a associação cresceu e deu alguns frutos. Conseguimos algumas vitórias. Mas fomos vencidos. Lembro-me de que meus dois filhos estudavam no Colégio das Irmãs Salesianas. Foram literalmente expulsos, pelo envolvimento de seus pais naquela luta. Já naquela época um dos colegas profetizava: a sociedade brasileira estava se tornando uma guerra civil. Se há 25 anos atrás meu colega tinha essa percepção, eu diria que hoje estamos em plena guerra. O movimento de junho do ano passado já foi um prenúncio de dias piores. Até porque nada se fez até agora para atender aos clamores da sociedade.
No horizonte das próximas eleições não consigo vislumbrar alguém que poderia começar a encarar, enfrentar e estancar com coragem essa guerra. Esse alguém deveria ser um cidadão acima de todas as suspeitas, líder clarividente, cidadão que saiba separar o político da politicagem vergonhosa que floresceu no país no pós-ditadura, enfim, um estadista. Isso do lado do executivo. Talvez pior seja o legislativo, pois só ele tem poderes para promover uma reforma radical na estrutura política do país. Seria a tábua de salvação. Mas está na cara que esses senadores e deputados que se perpetuam no poder jamais farão isso. FHC e Lula em 16 anos de poder tiveram a faca e o queijo nas mãos para realizar este sonho e cederam diante de um legislativo interesseiro, despreparado e corrupto.
Os brasileiros na década de 80 tiveram coragem e souberam livrar a sociedade brasileira da guerra em que se tornara a ditadura. Mas não conseguiram levar avante um projeto de cidadania, a começar por entregar o poder executivo a um crápula e incompetente presidente. O pós-ditadura exigia, obviamente, uma nova constituinte. A incompetência e as malandragens (lembram-se da CPI da Corrupção, em 1989, que durou um ano?) desse presidente levaram o povo a apelar para outro despreparado, corrupto e falastrão. Com o impeachment, assumiu o “pulador de partidos” (imaginem: passou para o partido do Collor, precisa dizer mais alguma coisa?), cidadão que no máximo daria um prefeito de interior e que depois teve uma desastrada passagem pelo governo de Minas. Pobre povo brasileiro! Seria o caso de parafrasear: “diga-me quem nos governa, e diremos quem são os brasileiros”.
Depois vieram os dois mandatos de 8 anos, um do PSDB, partido criado assim que terminou a Constituinte e um do PT. A maior aspiração do político brasileiro é a permanência no poder. Até parece que nos esquecemos do período da ditadura. O PSDB logo armou seu golpe de permanência: através de aconchavos, alterou a constituição aprovada quase no dia anterior, e permaneceu mais quatro anos. Teve o mérito de “arrumar” a combalida economia brasileira, que estava à beira da falência. Aí entrou em cena o PT, com um sonhado projeto de 20 anos no poder. Teve o mérito de dar continuidade ao plano de estabilidade da economia, mas deu início aos seus aconchavos para se manter no poder, aliando-se ao que havia de mais espúrio na política partidária, que antes combatia ferozmente. Teve o mérito de tentar atacar os vergonhosos bolsões de pobreza do país mas logo descobriu que podia tirar proveito dessa situação para continuar no poder.
O problema crucial é que nenhum dos dois governos soube olhar o Brasil a longo prazo. Matar a fome do dia, sim, é preciso, mas é preciso pensar no futuro. E o futuro se constrói, entre outros mecanismos, por um grande projeto de educação, o que ainda não foi feito neste país. Conclusão: sem educação, entram em colapso economia, saúde, infraestrutura, justiça, segurança, energia etc., pondo-se a nação em pânico. O povo entende que é preciso sair às ruas. E o Brasil torna-se uma guerra civil.