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Valcides e a imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem na rodoviária de Belo Horizonte

11 de Fevereiro de 2010, por Rosalvo Pinto

Tempos atrás, ao falar aos meus alunos da UFMG sobre Resende Costa, contava-lhes que existia, na rodoviária de Belo Horizonte, uma imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem, obra de um artista de minha cidade. E aí me vieram as dúvidas: será que ainda está lá? Seria dele mesmo? Então resolvi confirmar isso pessoalmente.

Fui à rodoviária. No guichê de informações perguntei pela imagem. Lá ao fundo, me indicaram. De longe vi um grande nicho de vidro, na lateral do terminal rodoviário, à esquerda de quem entra pela sua porta central, no nível do seu saguão principal. Fui lá conferir.

Há anos sempre ouço falar dessa imagem, como sendo obra de arte de nosso artesão e artista plástico maior, o saudoso Valcides (1926/2008). Talvez poucos resende-costenses saibam disso ou, os que sabem, talvez não tiveram a curiosidade de ir vê-la de perto.

Lá estava ela, no interior de um nicho de vidro. Realmente uma bela imagem, com aproximadamente 1,20m de altura. O nicho é arredondado, com vidros ligeiramente coloridos no fundo arqueado e, na frente, transparentes e retos. Tem uns 2,75 m de altura e de largura, grande, portanto. A imagem está sobre um pedestal de mármore branco, com 1,20m de altura. Tem uma coroa dourada, o braço direito no peito e o esquerdo levantado, sustentando um grande terço, de contas de cristal. Uma veste até os pés, cor amarelada e detalhes dourados, ligeiramente marchetada de flores, além de um manto de tamanho médio, azul, com barras douradas. Aos pés os bustos de três anjinhos, estilo meio barroco, ligeiramente sorridentes. Saindo dos pés da imagem à sua direita, uma peça que, ao que tudo indica, seria parte de uma lua minguante.

Ao pé do pedestal, uma placa de alumínio com os dizeres: “Nossa Senhora da Boa Viagem - Entronizada em 12 de outubro de 1981 pela Legião do Terço - Homenagem de Belo Horizonte à sua padroeira”. Mais abaixo, no vidro e em letras jateadas, garrafais, nome e telefones da empresa fornecedora dos vidros.

Fazendo rápida pesquisa sobre essa imagem, constatei que existem outras maneiras de se expressar esse título ou essa ideia de “boa viagem”. Mas o formato da imagem da rodoviária é igual ao da padroeira oficial de Belo Horizonte, que fica na Catedral da Boa Viagem. Constatei também que, nesse formato, não existe um terço pendente de sua mão esquerda, como se vê na imagem da rodoviária. O terço deve ter sido colocado pelos devotos da Legião do Terço, acima mencionada. O braço esquerdo levantado me parece simbolizar um gesto de estar mostrando um caminho, uma direção.

Olhei pedestal e imagem por todos os lados e ângulos possíveis. Esperava encontrar o nome de quem a havia esculpido. Não o vi. Descuido dos entronizadores da imagem ou modéstia do artista? Seguramente, a segunda opção. Era uma característica do Valcides, a modéstia. Era discreto e não gostava de divulgar suas obras, nas quais não assinava seu nome.Naquele nicho-altar só constam palavras referentes à Legião do Terço e à fornecedora do vidro blindex, essa última apenas fazendo sua publicidade, às custas no nosso artista. Isso causou-me estranheza e tristeza.

A imagem foi buscada em Resende Costa em 12 de outubro de 1981 e levada diretamente para o saguão nobre da Prefeitura Municipal de BH. Às 15 horas desse mesmo dia, foi levada pela guarda de honra do corpo de bombeiros, em carro aberto, para seu local de destino, a rodoviária. Diante de uma recepção popular, foi saudada pelo Dr. João Luiz de Sousa Dias, presidente de um órgão importante da prefeitura à época, a Metrobel. Seguiram-se a bênção da imagem e a exaltação à Virgem. Essas informações foram dadas pela Ana Rita Arvelos, irmã do Valcides.

Desde décadas, falar de “cultura” em Resende Costa significa necessariamente se lembrar do Valcides. Entre poucos outros, talvez ele tenha sido único a obter grande reconhecimento público, até mesmo nacional. Já fora reconhecido pela Revista Veja, em 1972, como “gênio de arte sacra”, mereceu reportagem no Estado de Minas, quando da entronização da sua obra no terminal rodoviário da capital mineira e tem outra imagem no museu do Vaticano. Além de muitas outras referências.

Fica aqui um convite para os resende-costenses, de passagem pela rodoviária de BH: não deixem de apreciar a obra do nosso conterrâneo.

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