O poeta paraibano de Campina Grande, Jessier Quirino, plagiando o título e o tema do poema “Vou-me embora pra Pasárgada”, do Manuel Bandeira, compôs um outro, longo, criativo e engraçado. Que me perdoe o Quirino, mas tomei a liberdade de apropriar-me do título plagiado do seu poema.
Não tem jeito: quanto mais a gente vai percebendo que a caminhada está chegando ao fim, mais a gente tenta se agarrar ao passado. Talvez seja um mecanismo psicológico que nos dá a sensação de que estamos rejuvenecendo. Somos taxados de saudosistas. E os saudosistas reclamam que os jovens de hoje não dão valor e não se interessam pelo passado. Então tento me lembrar do que passava em minha cabeça quando criança e jovem. E me lembro vagamente de que a gente pensava apenas no presente e no futuro. Ainda não havia um passado para nós.
O vilão de toda essa história chama-se “tempo”. É o “ser” mais justo do mundo, ele é igual para todos, sem exceção. Já diziam os romanos: “fugit inexorabile tempus”. Nem é preciso traduzir.
Tudo isso é para justificar o trabalho que dei para a diretora Luzia, ao procurá-la no Assis Resende em busca de coisas do meu passado. Com seu expediente já encerrado, ela, atenciosa, insistiu em me atender, revirando livros e registros antigos. Deu de cara com o livro de matrícula dos alunos do “primeiro ano primário” de 1949. Exatamente o que eu procurava.
Tinha vontade de voltar aos meus tempos de “grupo escolar” e rever, ainda que no papel ou nas vagas e enfumaçadas lembranças, meus coleguinhas e minhas coleguinhas. Queria ter o gostinho de rever aqueles dias, ainda que apenas nos nomes.
O livro, manuscrito com caneta de pena molhada no tinteiro, continha os nomes dos alunos matriculados, a idade, o nome do pai e sua profissão, a data do nascimento A maioria absoluta tinha sete anos, alguns poucos 8, 9,10 e um 12 anos.
Reconhecer os nomes dos pais é uma tarefa difícil, pois a maioria era conhecida por apelidos. Quem saberia, por exemplo, que Francisco Valeriano dos Santos seria o “Cadico”, que o Hercílio Valeriano Santos seria o “Djôjô” (e seu filho, o Zezito do Djôjô, já falecido), que o Antônio Valeriano dos Santos seria o “Colório” (e seu filho, também Antônio Valeriano dos Santos, o “Niquinho”) ou que o Antônio Rodrigues Reis seria o Antônio do Marisco (pai da Antônia do Sacramento)?
Outra curiosidade são as profissões dos pais. Dos 61 nomes das duas páginas iniciais, são as seguintes as profissões anotadas: lavrador - 24, comerciante - 7, fazendeiro e pedreiro - 5, alfaiate, serrador – 3, carpinteiro, tabelião, funcionário municipal – 2 , barbeiro, sapateiro, “chaufeur” (!), oficial de justiça, “mantegueiro”, folheiro, “copeiro”, soldado e carcereiro – 1.
Esfolando a memória e com alguma ajuda, consegui me lembrar dos colegas seguintes:
Meninas: Antônia do Sacramento (do Antônio do Marisco) – Geralda Coelho Resende (do Alípio, a Dica do Zito Coelho) – Maria da Penha da Silva (do Zé Pio Silva) – Maria de Lourdes Peluzi (mãe do Taquinho) – Maria da Conceição Pinto (a Lilia do Tio Alfredo) – Maria José de Assis (do Ademar Coelho) – Maria da Penha de Assis Pinto (filha do Sebastião Pinto, a nossa querida professora e música) – Maria de Lourdes Reis e Silva (a Lourdinha do Nico Barbeiro) – Maria de Lourdes Resende (senhor Alcino e dona Vera Resende) – Marlene Resende (do Odilon Resende) – Maria do Carmo de Almeida (A Carminha do seu Álvaro Mendes, inteligente, estudiosa, sempre com um laço colorido no cabelo, de saudosa memória) – Sudária Alves de Andrade (nome que eu achava bonito, filha do Valter Andrade) – Vera Lúcia de Souza Melo (nossa vizinha e amiga, filha do seu Jesus de Melo).
Meninos: Antônio de Assis Santos (Totonho do Cadico) – Francisco de Assis Resende (da Sá Cristina, ex-sacerdote camiliano) – Gonçalo de Resende Lara (irmão da dona Teresinha) – Inácio Sacramento Silva (do senhor Sílvio da Adelaide, irmão do Zé do Rosário) – José do Rosário Santos (Zezito do Djôjô, já falecido) – Luiz Ferreira de Andrade (Luizinho, filho do Zé Pio da Silva) – Mário Jesus de Resende (Mário do Sérgio Procópio, tragicamente falecido) – Murilo Fonseca Chaves (filho da professora dona Marta Fonseca) – José Célio Alves de Andrade (do Valdemar Alves) – Antônio Valeriano dos Santos (o Niquinho do Colório: toda vez que vem a Resende Costa me procura e se lembra de que éramos colegas no “Grupo”) – Antônio Justino (do Zé Duque) – um tal de Odali, que nuca mais vi! – o Mozart Resende (isso mesmo, Mozart?)
Parodiando o Adoniran Barbosa (“onde andará o Joca e o Mato Grosso”?): onde andarão as outras meninas e os outros meninos? “Que saudade da professorinha – Que me ensinou o bê-a-bá”: saudades da dona Tenga (quem de vocês aí acima se lembra do nome dela?), da dona Judite e da dona Teresinha!
Vou-me embora pro passado
14 de Marco de 2011, por Rosalvo Pinto