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Nem governo nem sociedade demonstram preparo para enfrentar a crise

29 de Marco de 2020, por Fernando Chaves

Na última terça-feira (24), o presidente da República fez pronunciamento em que critica as medidas de quarentena e defende que o isolamento social deve ser aplicado apenas para os grupos de risco (idosos, pessoas com enfermidades ou doenças crônicas). É o chamado isolamento vertical, que ignora a realidade brasileira e contraria expressamente as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Críticos ressaltam que existe um número significativo de pessoas com menos de 60 anos que possuem doenças crônicas sem diagnóstico no Brasil (diabetes, hipertensão, por exemplo). Além disso, grande parte do grupo de risco não pode se isolar com eficiência se os outros grupos estiverem expostos. Até mesmo para as classes médias, nosso perfil habitacional não permite eficiência no isolamento vertical, quem dirá para as classes menos favorecidas. Aqueles que se expõem podem levar o vírus para casa e infectar os familiares do grupo de risco.

Defensores do isolamento vertical apontam que a letalidade da COVID-19 para jovens saudáveis que manifestam os sintomas é baixa, em torno de 0,8%. Isso justificaria o retorno dessas pessoas às atividades econômicas. Mas outros questionamentos podem ser levantados. Ainda que o número de mortes seja pequeno para esse perfil de pessoas, o seu retorno às atividades aumentaria o número de infectados. Como uma parte deles vai precisar de assistência médica para se recuperar, o colapso do sistema de saúde não seria minimizado na mesma proporção que se espera por meio do isolamento geral da população. Isso não aumentaria a letalidade da doença para todos os grupos, se faltasse assistência médica para um número maior de infectados simultaneamente?    

As recomendações e as práticas internacionais são de garantir um auxílio financeiro básico à população mais vulnerável e implementar políticas estatais anticíclicas, minimizando a crise econômica, para que o máximo de pessoas possam permanecer em casa, sendo ou não do grupo de risco. O Brasil não é um país exatamente pobre, mas sim desigual. Há margem para políticas estatais de transferência de renda e de socorro à economia e aos mais pobres. A prática de várias nações tem sido manter o funcionamento apenas das atividades econômicas essenciais, como comércio de alimentos, farmácias, dentre outros. Isso não significa que estamos protegendo algumas classes profissionais e expondo outras de modo irresponsável. Os serviços essenciais devem funcionar com novas normas sanitárias de prevenção, para garantir o máximo de segurança aos trabalhadores. Essa medida de manutenção da população em casa busca conter a velocidade da propagação do vírus, minimizando o colapso do sistema de saúde previsto para o mês de abril pelos infectologistas. Com o tempo, a tendência é que grande parte das pessoas trave contato com o vírus. O que se busca com a quarentena é que isso não ocorra de forma muito acelerada e simultânea, para que o sistema de saúde consiga absorver melhor as demandas e para que o grupo de risco seja preservado ao máximo até que se tenha tratamentos mais efetivos ou uma vacina para a COVID-19. É uma estratégia de preservação coletiva. A melhor segundo os epidemiologistas. Mas precisa de comprometimento social. É necessário nos comportarmos como uma sociedade integrada, não como amontoado de indivíduos num esforço de preservação egoísta. É nesse ponto que estamos tendo dificuldade, pois a autoridade máxima que deveria ajudar a criar esse clima de união, joga politicamente para dividir as opiniões e a população.

Alguns dias após o pronunciamento defendendo o fim da quarentena, parece que Bolsonaro está ganhando terreno, mesmo com todo o alerta da maioria dos especialistas. Apesar de uma adesão significativa ao isolamento nos primeiros dias, parte crescente do empresariado e também de trabalhadores começa agora a reivindicar a retomada das atividades econômicas e alguns estados já começam a reabrir o comércio, após cerca de 10 dias tomando medidas para a contenção das pessoas em casa. Muitas pessoas estão flexibilizando seu isolamento. É uma demonstração do poder que tem uma declaração presidencial, mesmo vinda de um presidente notadamente despreparado e em queda de popularidade.  

Bolsonaro realmente representa bem o seu eleitor ao “liderar” um governo absolutamente errante, incompetente, insensível e sem planejamento. O país parou cerca de 10 dias durante o mês de março, seguindo recomendações do próprio Ministério da Saúde. Agora, cogita fortemente voltar às atividades logo na virada para o mês de abril, quando os epidemiologistas preveem o pico da doença. Por que paramos então? Muda-se de estratégia como troca-se de roupa? A posição de um ministério precisa ser mais firme e assertiva, eles têm informação e assessoria para isso. Tiveram tempo e outros países para observar.

A principal reflexão que proponho neste momento é a seguinte. Independentemente de quem esteja certo, o presidente ou a OMS, fica evidente a enorme falta de planejamento do governo federal. Se não iríamos até o fim, se a economia não aguenta, porque o Ministério da Saúde recomendou o isolamento num primeiro momento? Estados e prefeituras seguiram as recomendações, gastaram recursos e se desdobraram para isso, para depois serem atacados pelo próprio governo que os orientou? As idas e vindas são típicas desse governo imoral e amador. Fica muito claro o quanto estamos à deriva, tanto na economia quanto na saúde pública.

Resta ao cidadão no Brasil, sobretudo os mais pobres, acreditar que Deus realmente seja brasileiro e interceda por este país. Porque nosso comportamento como governo e como sociedade diante da maior crise mundial após a segunda guerra tem-se mostrado absolutamente imaturo. Tende a nos jogar no caos econômico e social, com ou sem quarentena.

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