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País vai mal e liberais não podem lavar as mãos

10 de Maio de 2020, por Fernando Chaves

Alguns abandonam o barco, outros são atirados para fora pelo capitão. Mas e os ditos “liberais” brasileiros, os “amoêdos”, a nova direita, os libertários? Alguns já desembarcam e se isentam do naufrágio vindouro. Eles, que ignoraram os princípios básicos do liberalismo político em troca de um feixe de (neo)liberalismo econômico. Que engoliram o conservadorismo hipócrita e o falso moralismo de Bolsonaro e da velha direita brasileira a troco de concessões neoliberais e “em nome da economia” (financeira). Que se aliaram a defensores de regime autoritário, naturalizaram apologia ao estupro e à tortura, que ignoraram os antecedentes históricos dos Bolsonaro. Eles não têm mais nada a ver com esse governo?

Não é de se surpreender. Nossos “novos” liberais também não têm mais nada a ver com Macri, na Argentina. Não têm mais nada a ver com Dória, o seu congênere paulista.  FHC, que implementou pautas econômicas liberais na década de 1990, virou “esquerdista”. Parece que o casamento com o bolsonarismo treinou nobres liberais na arte do negacionismo e na reinvenção da história. Eles admiram a Estônia. Mas aqui em Terra Brasilis, nesta horta de Tio Sam, eles defendem que nunca houve um liberal “de verdade” no poder. Entender que a Nova República Brasileira, passando por Collor, Itamar Franco, FHC, Lula, Dilma e Temer esteve mais próxima do socialismo do que do liberalismo econômico tem nome: revisionismo histórico.  

“Bolsonaro!? Nunca foi liberal”, lavam-se as mãos os mesmos que celebraram a aliança de Bolsonaro com o “Papa Guedes”, o que selou simbolicamente o compromisso do atual governo com o mercado financeiro. Aqueles que ajudaram a colocar Bolsonaro numa embalagem de razoabilidade e de eficiência econômica bancada por Paulo Guedes, o “Posto Ipiranga”. Muitos querem. Mas não podem lavar as mãos. 

O brilho do superministro da economia, Paulo Guedes, vem se apagando. Os resultados econômicos do primeiro ano do governo não foram positivos e o receituário liberal não serve para o momento de crise social e econômica que se atravessa. Desserve, para ser mais exato. O dogmatismo ideológico e a vassalagem ao capital financeiro impedem o Brasil de aprofundar as medidas keynesianas e anticíclicas que o mundo e a história aconselham para este momento atípico.

Num intervalo de quinze dias, o governo estremeceu com a saída dos ex-ministros Henrique Mandetta e Sérgio Moro. Chegou-se a cogitar também uma saída de Guedes. Mas o ministro reafirmou que permanece. Sem apresentar resultados, apagado diante da crise que não está habilitado a enfrentar efetivamente, representando um entrave ideológico para o desenvolvimento econômico e a soberania nacional, o “Garoto de Chicago” segue no cargo e integrado ao projeto Bolsonaro.

Como se vê, alguns liberais rompem com o governo, outros mantêm seu flerte com o bolsonarismo.  O neoliberalismo e o modelo de sociedade centrado no capital financeiro estão levando a democracia liberal a crises sociais e econômicas até nos países centrais. O coronavírus apenas acelera a bancarrota da hegemonia geopolítica ocidental e descortina a ineficiência social do neoliberalismo. Os EUA, maior potência econômica do mundo e defensora do liberalismo, figura como o epicentro da pandemia e demonstra a fragilidade social de um Estado que não provê serviços públicos básicos de saúde. Cenários de tragédia social, como uma pandemia, evidenciam que o Estado e os serviços públicos são necessários, principalmente para a superação de crises. 

O Brasil entra no mês de maio, provavelmente o mês de pico da pandemia, com projeções desanimadoras, tanto na questão de saúde quanto na economia.  Levantamento da BBC Brasil compara a situação brasileira com a de outros países no enfrentamento à Covid-19. Em 1º de maio, o Brasil apresentava a maior taxa de transmissão da doença, estava entre os países que menos testavam a população e registrava a oitava maior taxa de morte do mundo.

Economicamente, o país também tem más perspectivas. A economia brasileira deve ter uma queda cinco vezes maior que a média dos países emergentes, segundo previsões do FMI, que apontam um recuo de mais de 5% na economia brasileira em 2020, contra a média de 1% nas economias em desenvolvimento. A chamada Zona do Euro deve cair 7,5%. Para 2021, as previsões do órgão são de que o Brasil terá a segunda pior taxa de crescimento entre os países emergentes (2,9%), melhor apenas que a Nigéria (2,4%).

São muitos fatores jogando contra o Brasil. Um deles é o presidente da república. Quem ajudou a parir, que ajude a embalar. Que os liberais também paguem sua cota de responsabilidade pelo fracasso que é o atual governo brasileiro. Que tenhamos sempre memória para os Macris, Pinochets, Dórias, Bolsonaros.

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