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Para uma liturgia bolsonariana

11 de Setembro de 2019, por Fernando Chaves

Submetam-nos à geopolítica norte-americana e mandem o restante do mundo às favas. Leiloem as melhores universidades públicas brasileiras, apoiem a flexibilização irresponsável da legislação ambiental e o uso irrestrito de substâncias agrotóxicas nas lavouras brasileiras. Reivindiquem a privatização da matriz energética nacional e dos bancos públicos, entreguem aos EUA os setores e projetos nos quais temos tecnologia de ponta, como na venda da Embraer à Boeing. Elogiem a tortura e zombem das instituições democráticas. Apoiem a violência institucionalizada contra as periferias. Defendam o uso da força como solução dos conflitos sociais e ignorem a desigualdade como uma das principais fontes desses conflitos. Rezem a cartilha liberal, dando aval à política obstinada de abertura da economia nacional ao capital estrangeiro. Definam-se como nacionalistas e não-ideológicos. Simultaneamente, instalem o governo mais ideológico e antinacional dos últimos 30 ou 40 anos. 

Estimulem o ressentimento entre povos brasileiros (índios, negros, nordestinos). Naturalizem o preconceito e a intolerância contra LGBTs e outras minorias. Minimizem a importância da legislação sobre o trabalho infantil. Tratem história, sociologia e filosofia como disciplinas de doutrinação comunista e a liberdade de cátedra como ameaça à ordem pública. Com isso, sintam-se no direito de reinterpretar os fatos históricos de forma que eles justifiquem as medidas de exceção do atual governo. Mandem os conceitos clássicos da ciência política às favas e repitam arbitrariamente que o Brasil acaba de sair de um regime comunista. Definam-se como liberais moderados (centro-direita), mas personifiquem ao extremo o exercício do poder e cultuem a autoridade pessoal e arbitrária em detrimento do Estado de Direito e das instituições republicanas. 

Externamente, insultem países, povos e chefes de Estado que se mostrem críticos às crenças da seita de vocês. Insultem utilizando ataques pessoais perversos, às vezes sexistas. Não se esqueçam de ressaltar que isso tudo é em prol de uma política externa e diplomática “não-ideológica” (risos). Internamente, imputem aos que pensam diferente a culpa por todas as dificuldades enfrentadas pelo Estado e pela sociedade brasileira. Orgulhem-se de terem um líder que declara não entender nada de Economia Política e que coloca a culpa da crise econômica nos economistas de formação (essa é brilhante!). Acredite piamente que megacorporações e grandes empresários abrirão novos postos de trabalho e melhorarão salários se houver diminuição radical dos direitos trabalhistas (tenham fé, irmãos!).

Naturalizem o familismo e o nepotismo. Questionem e ataquem qualquer órgão, entidade ou dado científico que não corroboram a visão de mundo de vocês. Justifiquem suas ações e pensamentos políticos com argumentos religiosos e moralistas, ainda que hipocritamente. Defendam o discurso meritocrático culpando o pobre pela pobreza, a mulher violentada pela violência sofrida, o negro favelado e sem instrução por não ter subido na vida, o indígena por não ter se integrado ao capitalismo, os professores pela “disseminação da homossexualidade” nos dias atuais. Taxem todos os grupos minoritários como fracos e vitimistas.

Encontrem sempre um bode expiatório como solução dos problemas e impasses políticos. Façam da política uma arte de jogar a culpa nos outros. Desabonem de modo generalista o trabalho de associações, ONGs e conselhos de participação popular. Generalizações vagas e dogmáticas são sempre bem-vindas, mas façam-nas com vigor e sangue nos olhos.

Comemorem futebolisticamente as bravatas do seu mito e entrem para a história por terem construído um líder nacional que figurará no seleto grupo de governantes considerados a escória da civilização.

Por último e, solenemente, ignorem todas as nuances e complexidades da identidade política de um cidadão e acusem o autor deste artigo como sendo um “comunista doutrinado”, “defensor de bandido”, “propagador de ideologia de gênero” e “desagregador da família”, da moral e dos bons costumes.

Amém.

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