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Por que COM POLÍTICA?

13 de Novembro de 2018, por Fernando Chaves

O sociólogo francês Pierre Bourdieu ensina que a sociedade é constituída por diversos espaços simbólicos nos quais as atividades humanas são ordenadas e ganham sentido. Como exemplo desses campos sociais, temos a religião, a ciência, a economia (o mercado), a política, a mídia. Cada um desses domínios opera segundo uma lógica própria e impõe a seus membros e interlocutores normas de conduta, valores, visões de mundo.

No Brasil recente, o campo político sofre um esvaziamento acentuado de prestígio e credibilidade. Declina-se o capital simbólico atribuído ao campo da política e seus elementos tradicionais: instituições partidárias, políticos, o próprio regime democrático. Com o avanço do discurso “antipolítica”, estamos elegendo um grande número de outsiders para postos estratégicos do Estado, desde as eleições municipais de 2016.

Os outsiders são novatos na política, que, às vezes, conseguem obter rápida ascensão político-eleitoral a partir do simbolismo ou da visibilidade que agregaram em outros domínios sociais, como na mídia (Wilson Lima, João Dória, Carlos Viana), na religião (Marcelo Crivella), no campo jurídico (Wilson Witzel, Reinaldo Azambuja), no esporte (Alexandre Kalil), no mercado empresarial (Romeu Zema, Antônio Denarium), no campo militar (Coronel Marcos Rocha, General Hamilton Mourão). Sobretudo nos momentos de crise de legitimidade no campo político, os outsiders ganham mais espaço. Junto com eles, emergem novos partidos com promessas de renovação: o Novo e o PSL, por exemplo.   

Bolsonaro é parte desse processo apolítico. Apesar dos 28 anos como deputado, pesquisas mostram que o eleitor vê nele um elemento novo na política, representante de uma demanda por transformação. Em discursos de campanha, o presidente eleito sugeriu soluções militares para questões de natureza política, criticou a democracia e elogiou a ditadura abertamente. Sua candidatura trouxe, na figura do seu vice, a representação direta do campo militar. Além disso, sua campanha acionou também o campo religioso. Como se vê, Bolsonaro busca legitimidade a partir de outros campos sociais distintos da política. Assim, consegue que o eleitor o interprete como um agente anti-establishment. Ou como ficou comum ouvir: alguém que é “contra tudo isso que está aí”. Assumindo essa narrativa em que o candidato se opõe ao sistema político vigente, Bolsonaro recusou-se, por exemplo, a executar um dos ritos mais simbólicos da democracia brasileira: a participação nos debates de TV. Pela primeira vez, não houve debate televisivo entre os candidatos à presidência no segundo turno.

Todos os campos sociais têm suas particularidades e sua participação no equilíbrio sistêmico da sociedade: o campo religioso, o militar, o mercadológico, o artístico/cultural, o científico, o político. Por outro lado, a colonização do campo político por outros campos sociais remete ao passado. A política submissa às perspectivas do campo religioso, econômico ou militar remonta à política pré-moderna, pré-democracia. Aliás, uma das características da modernidade é justamente a autonomia dos diversos campos sociais.

Para entender a lógica interna de funcionamento do campo político, podemos simplificar à visão clássica de Aristóteles, para o qual política significa tudo aquilo que está ligado à cidade, ao urbano, ao civil, ao público. A política é um campo de disputas e de conflitos entre ideias e sistemas de pensamento, sendo marcada por uma lógica racional de debate argumentativo. Relacionando o conceito aristotélico à democracia moderna de massa, o professor Venício de Lima argumenta que a política contemporânea é o regime do poder visível sobre a coisa pública. A política atual está relacionada a algo público, em oposição ao que é privado, e a algo visível, em contraponto ao que é secreto. Sendo assim, a democracia moderna é um regime de visibilidade, sobretudo midiática, no qual a racionalidade argumentativa e a transparência do poder são atributos essenciais para que o campo político preserve autonomia, legitimidade e eficácia.

Esvaziar a disputa eleitoral de todo o debate racional-argumentativo e desprezar as habilidades próprias da política e da gestão pública, ocupando o campo político a partir de perspectivas religiosas e de sentimentos antipolítica, nos braços de magnatas do mercado privado neófitos da vida pública, pelas vias da judicialização ou sugerindo soluções militares para problemas políticos, não nos parece, nenhum desses, um projeto moderno de gestão do Estado.  A construção do bem-estar social precisa acontecer pelos mecanismos próprios do fazer político:  o debate racional, o confronto de sistemas de ideias, a preservação e o fortalecimento das instituições democráticas, a separação dos poderes, a reforma do sistema político-partidário, com o resgate e a reconstrução dos partidos, o acesso à informação pública, a transparência e a fiscalização popular no exercício da gestão do Estado e da representação parlamentar, a alfabetização política, a maior emancipação e participação popular dos cidadãos e entidades civis, o associativismo, o ativismo democrático. Precisamos de mais política, mais democracia. Não de menos. Com política, sempre! 

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