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Relações históricas entre mídia e política

12 de Fevereiro de 2019, por Fernando Chaves

O jornalismo como campo social dedicado a produzir e distribuir notícias com regularidade tem origem no século XVII, quando surgem na Europa os primeiros impressos com periodicidade fixa. Desde então, o campo da comunicação e as plataformas de veiculação jornalística mudaram enormemente, assim como a relação do campo político com as tecnologias da comunicação. Algo essencial, no entanto, não mudou. Mídia e política são esferas da vida social que se entrelaçam e mantêm relações intensas, desde os primórdios da imprensa moderna até os dias atuais: a política está sempre tentando instrumentalizar as plataformas de comunicação social em seu proveito, especialmente as novas plataformas, quando elas emergem como novidade tecnológica ao longo da história.

No século XVIII, a relação dos primeiros periódicos com o campo político era de dependência. Muitos dos impressos da Europa setecentista assumiram papel de instrumentos políticos. Sua razão de ser era panfletária e suas fontes de financiamento partidárias, o que lhes conferia um caráter predominantemente opinativo, muitas vezes virulento.  A disseminação dos ideais da Revolução Francesa e a agitação popular que caracterizou esse movimento foram corroboradas pela afixação e circulação de periódicos impressos, à época uma nova tecnologia e instrumento precioso de ativismo político.

Ao longo do século XIX, a imprensa se transformou. Caminhou gradativamente para se tornar, no início do século XX, um empreendimento capitalista voltado para o lucro. Se muitos dos jornais europeus do século XVIII tinham finalidade e financiamento oriundosde grupos políticos, na virada para o século XX o contexto é radicalmente diferente: os jornais se tornam empresas com grandes tiragens e circulação nacional. A publicidade surge como principal fonte de receita e o jornalismo desenvolve os ideais de objetividade e imparcialidade. A profissionalização dos jornalistas avança e, por volta de 1920, surgem os primeiros cursos superiores de comunicação. A mídia, nessa fase, se torna mais independente do campo político no aspecto financeiro e é convertida em uma espécie de palco simbólico, onde é gerada a visibilidade social. A imprensa do século XX assume a função de gestora da visibilidade. Os agentes políticos buscam chamar a atenção da cobertura midiática para suas ações e projetos, a fim de ocupar o palco da comunicação de massa, obtendo visibilidade e gerando credibilidade junto à população. Em meados do século passado, rádio e TV se consolidavam como novas plataformas de comunicação e ampliavam o alcance das notícias para as camadas mais pobres e sem instrução.

O campo jornalístico e a indústria da mídia construíram certa independência em relação à esfera política no século XX. Mas isso não quer dizer que nesse período a política não tenha lançado mão de expedientes para instrumentalizar meios e plataformas de comunicação com finalidade político-ideológica. A ascensão do rádio, por exemplo, como nova mídia na década de 1930, foi amplamente utilizada por Adolf Hitler para disseminar os ideais do Nazismo. 

No iníciodo século XXI, assistimos a uma nova reconfiguração das relações entre o campo político e a comunicação social. Intensificou-se a midiatização da vida cotidiana e das relações entre as pessoas. A mídia é muito mais que um palco gestor da visibilidade social. Ela passa a se estruturar como uma grande rede que permeia toda a sociedade. A digitalização das mídias, os dispositivos móveis de acesso e a emergência das novas mídias digitais permitem o surgimento de novos atores comunicacionais. Em paralelo com a mídia tradicional, que ainda exerce forte poder, outras vozes ecoam no cenário comunicacional. 

Conforme ilustra a instrumentalização da imprensa durante as disputas políticas dos séculos XVIII e XIX e a utilização do rádio como um dos principais meios de propaganda nazista no século XX, as novas mídias contemporâneas (digitais, horizontais e em rede) têm o seu uso amplamente orquestrado por grupos de poder com finalidades político-ideológicas, como toda nova tecnologia que emerge na história humana. O uso político do que se tem chamado de fake news e outras estratégias de manipulação ou administração da informação é algo tão velho quanto as notícias.

O estudo das relações históricas entre os campos da comunicação e da política revela que é nos momentos de surgimento e expansão de novas tecnologias da comunicação (imprensa, rádio, televisão, internet) que estamos mais vulneráveis à manipulação da informação! Isso explica a grande onda de fake news com efeitos observáveis sobre a última eleição brasileira. É como se a sociedade ainda não possuísse os antídotos para as novas tecnologias e suas implicações e aplicações políticas, como se ainda precisasse ser alfabetizada para as ferramentas de que já dispõe.

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