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Repudiar toda violência política, não só contra poderosos

22 de Julho de 2024, por Fernando Chaves

Fotografia icônica da disputa presidencial americana de 2024. Retrata atentado sofrido pelo candidato e ex- presidente, D. Trump, na Pensilvânia, no sábado (13/07). A imagem capturada pelo fotógrafo Evan Vucci da Agência Associated Press ganhou o mundo gerando grande repercussão política.

“Não há espaço algum para a violência política nesta nação, discursou Biden, o presidente de um país forjado, historicamente, na violência política externa e interna.

“A violência política é absolutamente inaceitável”, disseram em coro os políticos ricos em um país de fronteiras militarizadas, violência policial, armamentismo, xenofobia, política de encarceramento e deportação...

“Não há lugar para a violência política”, afirmaram ex-presidentes responsáveis por interferências políticas externas com ataques militares a diversas nações e enorme número de civis mortos.

O repúdio à violência política sempre vem quando um presidente ou político poderoso é atingido. Sim, devemos repudiar a violência contra políticos e candidatos, independente de partidos. Ainda que a vítima seja alvo daquilo que ela mesma propaga...

Mas e as outras formas institucionalizadas e cotidianas de violência política, quem repudia?

Aceitar sem questionamentos falas como “Não há lugar algum para violência política na América”, é deixar-se apagar a verdade sobre uma sociedade que é historicamente forjada pela violência política, conforme aponta a colunista Natasha Lennard, em artigo publicado no The Intercept. É aceitar a normalização da violência cotidiana e repudiar seletivamente a violência contra poderosos, brancos ou ocidentais. É validar o monopólio da violência pelo Estado e pelo sistema econômico.

A fotografia de Evan Vucci é icônica porque, em termos de disputa política e eleitoral, agiganta Trump em vários sentidos, favorecendo a percepção de um heroísmo do personagem político ao vencer o seu algoz, o seu assassino. Há marcas de sangue no rosto do candidato, que teve uma orelha atingida de raspão. O enquadramento de baixo pra cima feito pelo fotógrafo, com a bandeira americana ao fundo e Trump rodeado de seguranças, mas se levantando com o punho cerrado e erguido, compõe a cena e o sentido de uma nação forte e vitoriosa representada por um líder resiliente. Por outro lado, o atentado ao ex-presidente americano traz à tona as ambiguidades da “maior democracia ocidental” e as limitações do discurso liberal e republicano estadunidense. Além de Trump, foram nove os presidentes que foram atingidos por atentados a tiro na história do país, com quatro casos fatais. 

A violência é um componente estrutural do Estado, da sociedade e da disputa política nos Estados Unidos, ora mais ora menos aflorada, ainda que o verniz da ideologia liberal a apresente como uma anormalidade ou como uma exceção disruptiva. Como a cultura norte-americana exerce grande influência sobre a política brasileira, nosso repúdio também é conveniente e deve ir muito além do clamor por uma democracia formal com eleições limpas e pautadas no diálogo e na argumentação. Nosso protesto deve se levantar, cotidianamente, contra todas as formas de violência e segregação veladas e institucionalizadas pelos Estados Nacionais e pelo mercado!

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