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As cores do Natal brasileiro - 2019

18 de Dezembro de 2019, por Evaldo Balbino

O Natal se aproxima e atravessará mais uma vez os céus do Brasil, não com trenó e renas comandadas pelo Papai Noel, mas com dúvidas e opressões coagindo o anil e suas 27 estrelas.

De origem pagã (mesmo que muitos cristãos não o saibam ou não o aceitem), a festa natalina é tudo hoje, menos a comemoração do nascimento do deus encarnado, o homem Jesus. Em sua natureza divina, Jesus de Nazaré é o Cristo, palavra grega Khristós, significando “ungido” e traduzida do hebraico Māšîaḥ que, transliterada ao português, chegou-nos como Messias.

E esses nomes greco-judaicos foram apropriados, nos dois últimos anos, por alguns a dizerem que hoje temos um “messias” no controle do nosso país. Isso é dupla parvoíce sem limites. “Parvoíce”, porque a crença paternalista de que um homem governa sozinho um país é erro dos piores; o governo de uma nação republicana e democrática como a nossa é feito também por umCongressoonde existe de tudo um pouco: tensões, seriedades e, infelizmente, leviandades. E também “parvoíce”, porque vivemos num momento em que leituras fanáticas ede um messianismo vazio já não mais procedem. Para nossa desgraça, no entanto, os fanatismos religiosos não cessam de aumentar; e são frutos, na maioria dos casos, de uma ignorância de muitos manipulada por mestres em fazer lavagens cerebrais. Desinformação e passividade grassam como ervas daninhas nas terras brasis.

As vestes do bom velhinho são brancas e vermelhas. E bem antes de essa vestimenta estar a serviço de uma grande empresa de bebidas, o presenteador sobre chaminés já fazia uso dessa roupagem entre outras representações. Mas a face comercial do senhor de barbas brancas ficou de fato cada vez mais evidente. E ainda que Noel apareça constantemente em propagandas e ofusque a imagem de Cristo, nem um nem outro prevalecem. O que conta é vender e comprar. É fazer do gesto de dar presente, não um rito de sociabilidade amável, mas sim uma demonstração de que nossa alma é produto industrial.

Entre comércios e indústrias nestes tempos natalinos, fico a pensar em algumas cores, no que elas dizem e no que desejo queme digam: verde, amarelo, azul, branco e vermelho. E a bandeira e o hino do meu país e o bom velhinho se conjugam no meu ruminar que não cessa.

Eu poderia sonhar com a personagem voando os céus, aquela construída pelo escritor Clement Clarke Moore em seu poema “Uma visita de São Nicolau”. E meus olhos de sonho veriam “A lua no peito da recém-caída neve” que “Dava luz de meio-dia a tudo o que tocava”. Veriam ainda, para sua surpresa idealista, “Um trenó miniatura, e oito renas pequeninas, / Com um velhinho motorista, tão alerta e ágil”.

Também em devaneios eu veria nossa bandeira e o nosso Hino dizendo de um raio vívido de esperança, de lindos e risonhos campos com muitas flores, de bosques plenos de vida, de nossa vida no seio do Brasil com mais amores, de um sol da liberdade no céu da pátria, de um céu formoso e risonho e límpido, da imagem resplandecente do Cruzeiro, do lábaro estrelado ao som do mar e à luz do céu profundo.

Eu poderia sonhar com tudo isso, mas não sonho.

De tudome resta o branco sem inscrições positivistas e anunciador de placidez. Porque meus olhos desejam uma grande paz (não num futuro, mas agora), e não acredito nas glórias dum passado cheio de equívocos e explorações.

Resta-me também o vermelho. Não o vermelho do velhinho a serviço do comércio entre pessoas. Não o vermelho comunista, esta assombração reinante nos discursos elitistas do Brasil e contra a qual golpes se instalam e ferem de morte os processos democráticos. Muito menos o vermelho do sangue dos explorados e assassinados. Mas sim o vermelho da vida pulsando em nós.

Ninguémme conforta. Nem Clement em seu tenro poema, nem Joaquim Osório Duque-Estrada com o Hino Nacional, nem Gonçalves Dias no seu “Canção do exílio”. E olhem que não deixo de amar e apreciar a beleza desses textos! Mas ufanismos não me fisgam; antes me fazem ficar atento e forte diante de perigos que voam pelos nossos céus. Não adianta me falarem em nome de Deus e de uma Pátria amada. Não aceito palavras tomadas em vão.

No antepenúltimo verso do poema de Clement, cria-se uma imagem do Noel e das renas que permanece em mim, “And away they all flew like the down of a thistle”, que assim traduzo: “E voaram longe, como pétalas de um cardo”. Vejo pétalas voando, perdendo-se nos ares até ficarem sem cor. E assimexperimento exílio no meu próprio país.

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