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Canto de louvor à minha mãe

22 de Junho de 2022, por Evaldo Balbino

O casal Laura e Didi (foto arquivo familiar)

Para Laura Antônia da Silva
★ 08 10 1945
† 23 05 2022

 

Mãe é tempo sem hora, já dizia o poeta Drummond. E na tua eternidade, minha querida mãe, o tempo não se atreve a me saquear o amor. O teu abraço derretendo-se sobre mim nunca cessa, as tuas mãos de veludo e pele enrugada continuam me dando força na vida que segue. Tua presença é inabalável como inabaláveis são as montanhas das paragens de Deus. Os caminhos sagrados são ininteligíveis. Nos prados divinos pascem ovelhas que nada entendem, mas que são guardadas (de um modo que desconhecemos) por um pastor amoroso.

Deus é o teu pastor, minha mãe! Deus é o nosso pastor, e nada nos falta!

Para cantar a completude em ti, não quero oboé nem harpa desconhecidas por teus olhos e ouvidos. Quero o que era do teu mundo: a viola antiga nos teus cantos sertanejos; o sino na igreja embalando o “Angelus”; o órgão no seio da congregação iniciando os cânticos de louvor a Deus; os violinos chorando e cantando alegres a vida eterna; a orquestra unida com seus pistons, saxofones, bombardões, flautas transversais e clarinetes. Antes de tudo, as vozes humanas, a irmandade em coro. Antes mesmo do antes de tudo, a tua voz cantando na igreja, na labuta rural, nos afazeres da casa, na tessitura ao tear.

Desejo cantar-te, pois teus ouvidos me ouvem. Para sempre amados.

Teus olhos fechados agora, minha dona Laura eterna, são sempre abertos. São e não estão, porque “ser” é infinitamente mais forte do que “estar”.

Somos, tu e eu, os mesmos pés caminhando pelas dolorosas alamedas. Porém vamos seguindo alegres, colhendo flores pelos caminhos. As mesmas flores que em tua vida cultivaste com tanto esmero. Teus canteiros existem aqui comigo, permanentemente inteiros. As mãos do teu esposo Didi, as que te deram carinho e afeto durante mais de sessenta anos, regam agora as flores sempre-vivas. E estas mãos que escrevem ajudam o pai nesse ato amoroso. Meus dedos roçam roseiras que me sorriem, margaridas (estas de minha predileção), violetas, cristas de galo, crisântemos, flores-da-fortuna, orquídeas, alocásias e palmas-de-Santa-Rita me trazendo recordações. As ramas várias me dizendo que a vida nunca termina, que a vida se ramifica para todos os lados, os rizomas plantados na terra, esta nossa mãe dadivosa.

Sei que nem só de flores vivemos, mas também não desconheço que elas enfeitam nossa existência, mesmo ausentes do nosso corpo e apenas refeitas em imagens que nos atravessam. A beleza de cada uma delas, com pompa ou simplicidade, enfeita nossos olhos e ameniza nossas mãos. E a tua existência, agora, é mais do que antes cheia de flores, aromas de núpcias eternamente exalando.

O teu cheiro, os cabelos brancos penteados para trás e arrematados num coque perfeito, as pernas espertas fazendo caminhadas e cumprimentando alegres Deus e o mundo, o olhar de curiosidade afável para os mínimos detalhes ao redor, as tuas mãos sempre pegando a bolsa de moedas e comprando guloseimas na padaria próxima à nossa casa. “Esse biscoito de polvilho com queijo, eu sei que você gosta.” – tua boca eternamente me dizendo do meu gosto.

E o que dizer de tuas saias anáguas, das quais nunca abrias mão? De vestido ou de saia (não usavas calças compridas), mesmo sendo opaco o tecido, não deixavas de demandar o uso dessa camada outra num desejo de recato que te foi ensinado desde cedo, lá no anos de 1950.

Não esquecerei teus olhos lacrimejando pelas dores e necessidades alheias e tua vida toda trabalhando em prol das necessidades das pessoas. A caridade se perfazendo em teu coração e nos teus gestos de entrega sem exigências. Esse doar-se é lição inapagável para todos nós. Sei, minha mãe, que, refazendo esses teus atos de amor, permaneço abraçando a senhora e por teus braços sendo apaziguado.

Tudo o que eu te falo não servirá para dizer plenamente o que sinto tempo afora. Uma saudade roxa e apertada, o coração dorido e cansado, o desejo de ver-te e de abraçar teu corpo e sentir o calor de tua vida aquecendo minha vida. Nada que eu disser terá serventia. Palavra alguma me serve nesta hora.

Mas com palavras prossigo. Até mesmo no silêncio mais verdadeiro e profundo. Nem tempestade nem névoa densa. Nem bruma fria nem noite espessa. Nem oceanos nem águas do esquecimento. Nem distâncias nem morte vinda e vindoura. Nada me afasta de ti, porque o que se ama é imperecível. Te amo, dona Laura!!! Te amo e te canto sempiternamente.

Comentários

  • Author

    "O homem morre tantas vezes, quantas vezes perde os seus...", disse Publílio Siro em uma de suas "sentenças" no século Ia.C. Sobreviver à morte é presenciá-la em nós a cada vez que perdemos uma pessoa querida. Rogo e peço a Deus por sua mãe, meu amigo. E não se faça de forte, não, Evaldo. Sinta o que precisar sentir. A dor que lhe atravessa hoje lhe dará mais resistência e solidez para enfrentar outras que virão. A vida é isso mesmo. A gente vai deixando esse mundo a cada dia que passa. Perdemos pessoas queridas, mas não podemos nos perder. "A vida foge e não se detém uma hora..." A sua mãe viverá enquanto estiver viva em nós. No canteiro de flores, em nossos corações e no abraço de seu pai. A poesia, meu querido, faz morada em nós. Forte e grande abraço, meu amigo e amiRCo, Evaldo Balbino.


  • Author

    Dona Laura brilhou e ainda brilha. É uma luz que segue seu caminho e ilumina a todos nós. Sua poesia, Evaldo, é o canto de sua mãe sendo entoado agora em outras paragens. É o abraço sendo ofertado a outros seres carentes de mãe tão amorosa quanto ela foi e seguirá sempre sendo. Sua poesia, poeta mineiro e resende-costense, é pedra em altar erigido para a sua mãezinha que se fez gigante nas caridades distribuídas com alegria. O olhar de Dona Laura estará presente em todos nós como se estivesse a nos guiar, a nos ensinar, a nos embalar bondosamente. Muita luz, poeta!


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