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Penha do Jair

19 de Maio de 2021, por Evaldo Balbino

O casal Penha e Jair (foto arquivo familiar)

Numa foto, seus olhos atrás dos óculos estão atentos como todo o seu corpo e suas mãos segurando o violino. No meio de um coral, ela brilha como brilham os corais da música, os corais do mar ecoando nas profundas águas da vida. Entre silêncio e som, seu instrumento trabalhando para Deus e para a humanidade. O violino e a vibrante voz de contralto cantam em nossos ouvidos, essas conchas que amam as pérolas da música e as guardam como relíquia que se ama. A mesma elegância com que ela andava no seu salto discreto, na beleza dos vestidos e das blusas e saias. Os brincos escolhidos, dois colares bem apostos no colo de musicista, os lábios na beleza da cor vital. Ainda na foto, uma blusa de poá preta com bolinhas brancas a brilharem como estrelas no céu escuro.

Eu a vi pela última vez em 2012, um ano antes do seu falecimento em dezembro de 2013 aos 67 anos. Nosso encontro foi quando a Câmara Municipal de Resende Costa concedeu diplomas e medalhas de Honra ao Mérito a cidadãos resende-costenses. Tive a honra de estar juntamente a ela, a dona Penha do Jair, nós dois entre outros queridos recebendo a homenagem. Me senti pequeno, pois no meio de pessoas de longa estrada, vastíssima experiência e inconteste dedicação à cultura resende-costense. Pequeno entre essas pessoas louváveis, me senti também honrado. E não me esqueço, entre tantos abraços, dos braços regentes da dona Penha.

Em maio de 2013, quando meu livro de contos Amores oblíquos foi premiado e publicado pela Academia de Letras da Bahia, fui para Resende Costa promover o 3º lançamento da obra, que já houvera sido lançada em Salvador e Belo Horizonte. O evento ocorreria (como de fato ocorreu) no Teatro Municipal da cidade. Dei de cara com o recinto todo por limpar e organizar, pois ocorrera ali uma apresentação teatral e ninguém havia feito a limpeza do espaço ao depois. Até um caixão, que compusera o cenário da peça apresentada, tive que retirar do centro do palco. Fiz tudo isso com a ajuda de irmãs e sobrinhos. Posteriormente chegou ao meu conhecimentoque dona Penha achara um absurdo eu ter encontrado o teatro daquele jeito. Recebi com carinho a notícia dessa indignação.

Seu nome ecoa o da padroeira de Resende Costa, Nossa Senhora da Penha, e ao longo de sua vida ela se fez devota da Santa, para quem cantava e vivia. Como somos do mundo e da eternidade, ela soube bem dividir-se sem espantos entre os dois lados, que na verdade são apenas um. Com dedicada vida para a Igreja e para a Música, não deixou de lado os quefazeres também importantíssimos do cotidiano. Viver é isto: é sermos tudo o que somos, nos desdobramentos da nossa existência.

Violinista, musicista e regente, a Penha do Jair foi também coralista. Nas sendas musicais desde criança, louvou a Deus e deliciou os ouvidos de fino trato. E isso na música sacra e na excelente canção secular. Desde a adolescência fez parte do Coro Paroquial e da Orquestra Mater Dei. Desta, assumiu oficialmente a regência no dia 29 de março de 2013; e daquele, do mesmo modo, chegou a ser maestra. Dirigiu o Coral Nossa Senhora da Penha, fundado pela também saudosa Lilia Lara. Zelosa na regência dos ensaios, montava os repertórios, entregava as partituras e cantava a alegria para com os convivas na lauta festa do som em arte esculpido.

Dona Penha atuou ativamente na organização de serestas na cidade. Eu mesmo tive a oportunidade de participar de alguns desses eventos nas Lajes de Cima, quando podíamos ouvir cantores, violeiros e sanfoneiros numa só voz. E me marcaram, nesses encontros, as vozes da Penha do Jair e da Maria da Penha (à época nossa professora de Matemática). Luar do sertão, Índia, Yolanda, Flor do cafezal, Meu primeiro amor e tantas outras canções embalavam os ares mais altos de Resende Costa.

À vida religiosa e musical, soma-se o cotidiano de esposa, de mãe de família e de mulher que viveu com todos nós – em sua casa, no seu trabalho na Prefeitura Municipale pelas ruas da cidade. Seus braços carregavam inúmeros cadernos e partituras. Os mesmos braços arrumavam um jeito de nos abraçar, bem como sua boca se abria num bom dia sorridente, a doçura amanhecendo a vida. Dona Penha ainda vive. Viveu e vive, porque somos todos eternos.

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