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Sol e vida em Pintópolis

13 de Janeiro de 2016, por Evaldo Balbino

Viajei com alguns amigos neste fim de ano para o norte de Minas. Não fomos a um lugar muito conhecido. Nada de cidades assaz mencionadas, as que governam economicamente numa região cheia de mazelas, de abandono social e econômico. Fomos a uma pequeníssima cidade de nome curioso: Pintópolis.

Às mentes férteis de plantão vou logo explicando o nome da cidade. Há bem tempo, um fazendeiro do local, por nome Germano Pinto, cedeu parte de suas terras para a edificação do lugar. Daí o nome exótico dessa urbe, mais parecendo ela um povoado, de tão pequena que é. Não, não quiseram mesmo chamar a cidadela de Germanópolis. Preferiram o sobrenome ao nome do ilustre fazendeiro. Resultou dessa preferência a alcunha de Pintópolis, que aliás chama mais a atenção das pessoas à primeira vista.

Para quem vai até lá, no entanto, o que chama atenção mesmo é a hospitalidade dos pintopolenses. Gente de boa prosa, de diversão farta. O Sol é escaldante, agressivo, mas os rostos têm um calor que não queima, uma alegria que embala e refrigera a existência.

Ali, no nosso segundo dia de estada, dois amigos e eu fomos cruzar o rio São Francisco a barco movido a motor. Queríamos buscar peixe para o almoço. O barqueiro não tinha gasolina. Procuramos um senhor que não nos conhecia, o Seu Belo. Homem idoso, sem dentes, rugas que não acabavam mais. Cabelos brancos, na cabeça e pelo corpo. Sem camisa, ele consertava no braço uma bomba d’água, num esforço para puxar água do Velho Chico. Uma água barrenta, contudo importante para a vida. O Seu Belo nos atendeu prontamente, ofertando um litro e meio de sua gasolina. Sorriso largo, mão estendida com aperto camarada em nossas mãos, aquele senhor foi logo dizendo de alma verdadeira: “Nóis arruma pro ‘cês até o que num tem, minha gente!”. Quando voltamos do outro lado do rio, levamos para o novo amigo cinco litros de gasolina em ato de agradecimento.

Os pintopolenses nos recebem com doce de baru, farinha de macaxera, carne de sol, maxixe refogado, vinho de jenipapo, creme de pequi, feijão de corda e outras guloseimas. A dona Maria, senhora que me hospedou com amor de mãe, ofertava pela manhã um café bom (com açúcar), pão de queijo, peta (um biscoito de polvilho de dar água na boca), cinco pires (um biscoitinho maravilhoso composto por cinco ingredientes) e bolo de mandioca (de verdade, estupendo; não desses com aroma artificial que compramos nas grandes cidades, os quais nem gosto de mandioca têm).

Também nos recebem aqueles cidadãos com uma linguagem sui generis de dar gosto. Nunca ouvi tanto “aculá” como em Pintópolis. “Já vou aculá mais painho”. “Cumadre Teresa ficou aculá pra mode pilá o mio”. Para expressar a dúvida de uma ação futura, usam pouco o “talvez” consagrado em nossa língua. Falam quase sempre “Cumpoca”:

– ‘Cê vai na festa, Mariinha?

– Sei não. Cumpoca eu vou.

Me disseram tanto “Dê cá ‘qui o prato, moço!” e “Dexe de cerimônia e come mais um bucado”, que acabei perdendo a vergonha e me esbaldando na comeria que ofertavam. Haja academia depois disso para perder as calorias!! Um rapaz prosador da cidadezinha até chegou a brincar comigo que a língua que eles falam é do “estadinho de Pintópolis”. E que língua bela!

Nas festanças de noite, bailes regados a forró e cerveja madrugada afora. Festa do Mimoso, Virada de Ano na praça com bandas de forró e sertanejas. Tive até de ensaiar uns passos. Logo eu que não sei dançar, corpo duro que nem pedra, igualzinho a pau torto fincado na terra pra mode servir de moirão e de cerca. Pois arrisquei um gingado no meio dos terreiros batidos por pernas animadas de todas as idades. Arrisquei e não me arrependo do desengonço, que felicidade não tem preço.

Depois das saídas em Pintópolis, o jeito era chegar sonolento na casa da dona Maria e dormir. Fiquei hospedado no seu sítio, a uns 15 minutos de carro do centro da cidadezinha. Mas antes de dormir o certo era namorar, lá no canto do curral, o pé de flamboyant com sua copa frondosa e suas flores vermelho-alaranjadas.

 

Pela manhã, o Sol já despontava invasivo no céu. Mas os galos e os pássaros cantavam, anunciando um novo dia. E o flamboyant nos saudava alegre e forte, beijado por borboletas inquietas e multicores.

Comentários

  • Author

    Deu até vontade de visitar Pintópolis e me deliciar com aquela culinária, aquela língua, aquele local aprazível e especialmente aquela gente hospitaleira. "Cumpoca" eu vá, um dia... Mas enquanto não vou "aculá", já me sinto contente e satisfeito deliciando-me com essa prosa maravilhosa, assaz agradável e pitoresca.


  • Author

    Caro Oldney Lopes, tudo bem?? Pois vá aculá, que a experiência é boa, agradável. Enquanto isso, você pôde "conhecer" o lugar e as pessoas através do meu humilde texto que tenta recriar a beleza e a bondade das pessoas de Pintópolis. Grande e sempre abraço!!!


  • Author

    Mais menino terra boa por demais da conta ! O cafezinho e os biscoitos da tia Maria realmente e de encher a boca d'água! Seis credita que ainda não tinha visto essa prosa maravioasa da nossa querida Pintópolis. Agora meu coração encheu de orgulho meu povo, povo hospitaleiro, povo humilde. Inda mais qundo se trata dos personagens desse conto, meu sangue minha raça . Beijão pra vc escritor rsrs.


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