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Tião Melo

21 de Janeiro de 2020, por Evaldo Balbino

5ª série e mudanças temerosas. Professores diferentes para cada matéria, o que estranhei, pois até a 4ª tínhamos basicamente um professor por turma. Antes entrava um ou outro (para Educação Física sempre, para Ensino Religioso às vezes), mas no geral um só tutor,referência à qual nós crianças nos apegávamos. E eu achando agora, na 5ª série, que tudo eram novidades, quando o que estava ocorrendo eram divisões do que já vínhamos estudando desde o início, porém de modo mais aprofundado. Os Estudos Sociais desdobrando-se em Geografia, História, OSPB e EMC. A partir da 7ª série vieram também o Inglês e a Educação Artística. Português, Matemática, Ciências, Ensino Religioso e Educação Física. Tudo continuava ali, não intacto, porque exigindo de nós mais mergulhos em profundidades que, ao longo da vida, vão aumentando cada vez.

Foi nas aulas de Matemática que tive a oportunidade de conhecer o professor Tião Melo, e por quatro anos fui seu aluno. Entre a 5ª e a 8ª séries, eu labutava com as “paralelas” do Tião, apostilas que ele elaborava a partir de autores diversos para complementar o livro didático, o qual era assinado por Benedito Castrucci, Ronaldo G. Peretti e José Ruy Giovanni. O professor usava em suas apostilas alguns clássicos e outros contemporâneos àquela época: Alcides Boscolo, Ary Quintella, Eduardo Parente, Antônio Sardella, Edison da Matta e Osvaldo Sangiorgi. As “paralelas” vinham com teoria e exercícios; a parte teórica tinha muitas lacunas, várias sublinhas que o professor ia discutindo e preenchendo com a gente; e depois as atividades de modelo, as deduções das fórmulas; e eu lá, tão amante de letras sem ser inimigo dos números. Minha paixão era pelas incógnitas. Eu amava a Álgebra e as equações que me desafiavam.

Eu tinha muita dificuldade com a letra do professor naquelas apostilas. Muitas vezes não entendia essa ou aquela palavra e, confesso, também me perdia no labirinto de tantos exercícios, contas que tomavam páginas inteiras do meu caderno. E eu ali suando, exercitando, dando voltas e mais voltas, porém chegando ao fim com as respostas que geralmente conferiam com o gabarito ao final, para meu alento. E foi esse meu jeito analítico, prolixo, que fez com que, no Ensino Médio, a professora Maria da Penha, também de Matemática, me dissesse que meu lema era: “Se eu posso complicar, para que simplificar?”. E dizia isso, arrematando depois: “Os caminhos do raciocínio são vários, e você segue os mais sinuosos, mas corretos e também possíveis.”

Além de matemática, o Tião conversava conosco sobre assuntos variadíssimos. Lembro que certa feita eu estava às voltas comigo mesmo, com alguns livros e com o Divino Espírito Santo para fazer um trabalho sobre o Oriente Médio e suas tensões geopolíticas. Lembrem-se: naquela época não havia internet, essas coisas de “Dr. Google & Cia.”, e o que tínhamos eram livros, enciclopédias, almanaques.Vendo-me às voltas, no horário do recreio, perdido nas paragens leste e sul do mar Mediterrâneo e quase sendo engolfado pelo Golfo Pérsico, o Tião se aproximou de mim e me deu uma verdadeira aula sobre as questões geopolíticas daquela região e acabou, juntamente com o Espírito Santo e os livros, por me salvar dum naufrágio.

Anteontem, 07/01/2020, tive a triste notícia de que ele acabara de falecer. Isso me foi um espanto. Mas a tristeza amainou-se, porque se foi apenas a materialidade daquele homem que muito me ensinou, que chegava à sala de aula, botava a cadeira do professor sobre a mesa (também do professor), abria ali o seu diário de classe, fazia a chamada e sobre a mesma cadeira ia completando conosco as “paralelas”, dirigindo-se à lousa quando necessário para deduzir fórmulas e fazer outras explicações congêneres. Nos dias de prova, as avaliações distribuídas, e ele de novo colocava sobre a mesa a cadeira, sentava-se nela e ficava nos olhando por sobre os óculos, olhos bem arregalados, para que ninguém, nenhum atrevido, colasse nas suas provas.

Foi o corpo do Tião, mas o espírito permanece. A memória fica. E a alma também. Afinal era ele mesmo que nos dava lições espíritas de linha kardecista quanto à permanência de todos nós.

E você, meu caro Tião, é infindável, porque, citando Adélia Prado, “O que a memória ama / fica eterno”. Seja perene, então, meu mestre, nestas linhas que escrevo e pela vida afora!

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