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Trem do desejo pela noite escura

08 de Agosto de 2016, por Evaldo Balbino

Foto: Divulgação (internet)

Para Vander Lee, uma estrela a mais no céu

 

As 08 horas da manhã do dia 05 de agosto de 2016 surpreenderam-se e nos surpreenderam com uma nova estrela no céu. Uma estrela que aqui já brilhava, nas terras mineiras, do Brasil e do mundo. A capital mineira e a música brasileira perderam Vander Lee. Ou, o que é mais verdade, o ganharam em beleza e vida.

Esse cantautor de cruezas, e principalmente de belezas da vida, deixa-nos um legado nada desprezível. Começando sua carreira em bares locais de Belo Horizonte em meados da década de 1980, Vander, em 1987, já fazia shows com seu próprio repertório. Partindo desde o romântico, passando pelo samba até a balada e o rock mineiro, suas letras poetizam com maestria acontecimentos da vida cotidiana, num canto romântico, suave e às vezes humorístico. Em termos de humor e romantismo, basta ouvirmos o delicioso samba “Galo e Cruzeiro”, numa mineiridade de dar gosto e vontade de dançar.

As coisas tristes da vida, que peneira nenhuma dá conta de tampar o sol, aparecem em suas canções. Muitos exemplos aqui surgiriam, mas podemos citar a belíssima “Onde Deus possa me ouvir”, em que o compositor/poeta/cantor diz: “Mas a vida anda louca / As pessoas andam tristes / Meus amigos são amigos de ninguém // Sabe o que eu mais quero agora, meu amor? / Morar no interior do meu interior / Pra entender por que se agridem / Se empurram pro abismo, / Se debatem, se combatem sem saber”. Querem verdade mais funda e dolorida do que essa?

Apesar de olhos tão atentos às cruezas da vida, a poesia de Vander Lee nos salva, como toda poesia, pela beleza das palavras agrupadas e pela musicalidade para ouvidos de fino trato como gosta de dizer o nosso querido Tutti Maravilha. Assim é a música “Românticos”, que mesmo reconhecendo a ilusão de que os amantes são tomados, não deixa de nos aliciar nas doçuras do amor, que este é doce e nos alimenta a vida: “Românticos são poucos / Românticos são loucos desvairados / Que querem ser o outro / Que pensam que o outro é o paraíso”. O outro não é o paraíso, como nós também não somos, mas em estado de amor temos visões de oásis, de árvores plantadas no Jardim do Éden; e ali, entre frutos diversos de amar, queremos nos fundir no outro, ser ambos um só corpo, uma só carne.

A “Alma nua” (outra canção de encantar), que Vander imprimiu em nossa música, é a do artista que vive para a arte, o que é o mesmo que viver para a vida. Falando sempre da vida, a arte nos toca, nos faz apaixonados. Somente uma alma nua que pede a Deus o dom, a persistência no dom da composição e do canto, é que pode ser eternamente menina e poeta: “Dá-me leveza nas mãos / Faze de mim um nobre domador / Laçando acordes e versos / Dispersos no tempo / Pro templo do amor // Dá-me o silêncio da noite / Pra ouvir o sapo namorando a lua / Dá-me direito ao açoite / Ao ócio, ao cio / À vadiagem pela rua / Deixa-me perder a hora / Pra ter tempo de encontrar a rima // Viver menino, morrer poeta”.

E Vander Lee não apenas morreu poeta. Nasceu também trovador para a eternidade. Quantas pessoas já vi sendo apaziguadas pelas canções desse artista? Perdi a conta. Rindo, chorando, cantando, meditando... essas pessoas tiveram e têm momentos de salvação, de paraíso. A arte que faz isso não morre, pois cumpre a função de nos ajudar a fabular as coisas difíceis e lindas da vida.

E como a vida é plena de desejos, pois esses são os motores de nossa existência, a voz e o violão de Vander Lee continuarão ecoando em nós. Como o trem do desejo de que fala a sua música “Estrela”, suas composições continuarão atravessando os nossos ouvidos, as nossas almas atentas e desejosas.

O menino sempre poeta, pois, penetrou agora na noite escura. Mas o orvalho que desce (as lágrimas que rolam num lampejo de dor) vale o brilho que se adensa pela escuridão. Vander Lee virou estrela, e os astros todos não cessarão de dizer desse brilho: “Veio a manhã, eu parti / Mas como cheguei aqui / Os astros podem contar / No dia em que me perdi / Foi que aprendi a brilhar”.

 

 

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