O Berço do Rock’n’Roll: Sun Records
14 de Outubro de 2016, por Renato Ruas Pinto 0
No começo do ano escrevi sobre gravadoras lendárias, quando falei da Atlantic e da Chess, dois selos que escreveram seus nomes na história da música moderna por conta da qualidade de seu elenco e da sensibilidade de seus produtores na hora de garimpar artistas e músicas que poderiam render sucessos. E falando em contribuição para a música, não posso deixar de contar a história da Sun Records, a pequena gravadora que registrou as primeiras gravações e apresentou ao mundo artistas como Elvis Presley, Johnny Cash, BB King e outros ícones.
Sam Phillips, seu fundador, era um disc jockey e engenheiro de rádio. Branco, nascido no sul racista dos Estados Unidos, foi criado em uma fazenda de algodão onde trabalhou nos campos ao lado de trabalhadores negros, cuja música o impressionou desde pequeno. Após trabalhar em rádios, fundou um pequeno estúdio em Memphis, onde abria espaço para amadores. Fã de blues e rhythm & blues (R&B), logo promoveu gravações de jovens artistas como BB King, Howlin’ Wolf e Ike Turner. Inicialmente não tinha um selo próprio. Após registrar em estúdio, Phillips licenciava a gravação para outras gravadoras, como a Chess. Uma dessas gravações, em 1951, foi um R&B de ritmo mais agitado chamada “Rocket 88”, creditada a Jackie Brenston and His Delta Cats. Jackie na verdade era um instrumentista e vocalista da banda de Ike Turner, autor da música. O amplificador de guitarra usado na gravação havia sofrido uma queda e o som ficou distorcido, mas Phillips achou que ficaria bom. A música é considerada por vários historiadores como o primeiro rock gravado. Naturalmente, a primazia é disputada, pois outros artistas, de country e blues, na época já gravavam batidas mais aceleradas que poderiam ser consideradas rock. Lançada sob o selo da Chess, a música foi um sucesso absoluto, sendo executada até por rádios que tocavam somente artistas brancos (lembrem-se que o sul dos EUA ainda mantinha leis segregacionistas). Pouco depois, em 1952, Phillips fundou seu próprio selo, a Sun Records.
Em 1954 entrou pelo estúdio um jovem morador de Memphis, que sonhava em ganhar a vida com a música. Era fã de blues, R&B e country e se chamava Elvis Presley. Phillips não estava presente na gravação e inicialmente não se impressionou com o resultado, mas não negou depois a chance de Elvis gravar para valer com dois músicos de estúdio mais acostumados com música country. Após horas de estúdio sem um resultado satisfatório, Phillips estava desanimando. Em um intervalo, Elvis tentou um arranjo um pouco mais country para o R&B de Arthur “Big Boy” Crudup “That’s all right” e Phillips viu que aquele era o som que ele queria. O sucesso foi imediato e Elvis estava começando a escrever seu nome na história. A Sun ainda revelou grandes nomes como Carl Perkins, Johnny Cash, Roy Orbinson e Jerry Lee Lewis. Não é de graça que, ao visitar o estúdio da Sun em Memphis pela primeira vez, Bob Dylan se ajoelhou e beijou o chão onde pisaram aqueles que o precederam e deram forma ao estilo que revolucionou a música, costumes e deu voz à juventude. Ou que o U2 tenha feito questão de registrar, em 1988, algumas faixas do álbum “Rattle and Hum” em um gravador de fita de 12 canais no lendário estúdio.
Alguns anos depois, Sam Phillips passaria por dificuldades financeiras por conta de um processo de plágio e seria obrigado a vender os direitos de artistas como Elvis. Nos anos 60 o estúdio viu o volume de gravações diminuir até o selo ser vendido por Phillips em 1969. O espaço onde nasceu o rock deixou de ser um estúdio até ser reformado e reaberto para gravação e como um pequeno museu em 1987. A partir daí começou a atrair, além de músicos, turistas e fãs que querem conhecer esse lugar especial e cheio de histórias. Se há quem diga que o rock é quase uma religião, o estúdio da Sun talvez seja a sua “igreja da natividade”. Exageros a parte, não há como separar o pequeno estabelecimento localizado no número 706 da avenida Union em Memphis da história da música popular moderna.
A Cidade Música: Nashville
16 de Setembro de 2016, por Renato Ruas Pinto 0
Já escrevi sobre Conservatória, a cidade da seresta. Na ocasião eu disse que não sabia de um lugar que fosse tão dedicado à música até que pude conhecer aquela que se autodenomina “a cidade música”, Nashville. Localizada no sudeste dos EUA, é a capital do estado do Tennessee e também, com todos os méritos, a capital da música country, além de estar ligada intimamente a outros estilos musicais como o rock e blues. É também um importante centro da indústria fonográfica norte-americana, com grandes estúdios de gravação, e ainda é a sede da tradicional fabricante de guitarras Gibson.
A cultura country, maior do que a música em si, reflete um estilo de vida de uma região que foi importante no desbravamento do oeste americano e grande entreposto comercial. Ao se andar nas ruas e ver tanta gente com chapéu de cowboy e bota de couro, tem-se a sensação de estar em um rodeio todos os dias. Quanto à música country em si, ela é o coração que bate na cidade. É impossível entrar em um estabelecimento – seja loja, saguão de hotel ou restaurante – onde não esteja tocando. Porém, mais impressionante é andar pela principal avenida turística, a Broadway, e testemunhar as dezenas de bares com música ao vivo praticamente todo o dia. Com formações que vão desde o artista sozinho com seu violão até grandes bandas, a rua é uma amostra da riqueza e diversidade de estilos que compõem a música country.
A origem do country está ligada aos primeiros imigrantes europeus que levaram consigo para o interior dos EUA instrumentos como o violão, banjo, mandolin e a rabeca (o violino). Os primeiros registros fonográficos datam dos anos 20 e o nome de Nashville está ligado ao estilo desde então. Tendo o rádio como um dos principais divulgadores, data de 1925 o show “Grand Ole Opry”, um programa de auditório no qual desfilam vários artistas em um espetáculo de cerca de duas horas transmitido ao vivo de Nashville e que existe até hoje. É o programa de rádio mais longevo dos EUA e possivelmente do mundo, com transmissões às sextas, sábados e terças. A existência desse programa por quase um século ilustra a resistência da música country e sua capacidade de se transformar. Desde artistas e grupos tradicionais como Gene Autry, Hank Williams ou os fundadores do estilo Bluegrass Bill Monroe e Earl Scruggs, até o estilo ser declarado por críticos, no fim dos anos 80, como destinado ao esquecimento, ele se reinventou e teve um renascimento pop nos anos 90 e 2000, vendendo como nunca e arrastando multidões para ver artistas como Shania Twain, Garth Brooks e Blake Shelton.
A cidade paga vários tributos ao country, a começar pelo fabuloso museu do Country Music Hall of Fame, onde os grandes nomes são celebrados e se ensina sobre sua história, suas vertentes e a influência sobre a música pop moderna. Apesar de ser um ritmo associado principalmente aos brancos sulistas, o estilo exerceu forte influência sobre artistas negros ligados ao blues e gospel e dessa fusão vieram o rock e o soul. Não é de graça que nomes associados ao rock como Elvis e Johnny Cash têm suas placas no hall da fama do museu. Bob Dylan declarou que se ele teve uma influência musical, essa veio da lenda country Hank Williams. Assim, ainda que Nashville seja o centro de referência da indústria fonográfica para o country, os estúdios da cidade sempre atraíram músicos de outros estilos interessados em colocar em suas músicas o sabor country com a ajuda dos talentosos músicos de estúdio e produtores locais. Por lá gravaram Paul McCartney, Simon e Garfunkel, Neil Young e o próprio Bob Dylan, que registrou quatro álbuns em sequência por lá, incluindo o icônico “Blonde on Blonde”.
Para quem gosta de música, a cidade e sua história são fascinantes. Mesmo eu, que pouco conhecia de country, pude aprender muito sobre a diversidade do estilo e, principalmente, entender como ele influenciou outros ritmos até chegar no rock e se tornar parte quase indissociável do seu DNA. Essa história do nascimento do rock, porém, fica para um próximo capítulo.
Música com coragem
18 de Agosto de 2016, por Renato Ruas Pinto 0
Tenho sempre escrito que a música brasileira vai bem. E criativa e moderna graças aos novos nomes. Eles louvam e reverenciam os grandes mestres, mas seguem um caminho próprio. Bem, talvez seja até bondade chamar de caminho, já que me parece mais uma picada aberta na raça em uma mata fechada de rádios e mídias dominadas por jabá e música pop de qualidade questionável, sem qualquer apoio de gravadoras ou gerentes de carreira, além dos poucos espaços que se abrem para divulgação de trabalhos autorais. Mas ainda assim seguem em frente e bem, como se vê em lançamentos que têm ocupado minha vitrola por esses dias, os álbuns “Camaleão Borboleta” do grupo Graveola e Lixo Polifônico e “Ó” de Juliana Perdigão.
O grupo Graveola e o Lixo Polifônico está na ativa há um bom tempo e lança o seu sexto disco, “Camaleão Borboleta”, produzido pelo experiente Chico Neves (Lenine, Skank, Paralamas e outros) e que ainda conta com a participação especial de Samuel Rosa. Nesse disco o Graveola capricha nos arranjos e nas bases muito bem arranjadas pelos seus integrantes. Os vocais ficam a cargo de José Luis Braga, Luiz Gabriel Lopes (sobre o qual escrevi aqui a respeito do disco solo “O Fazedor de Rios”) e Luiza Brina (que também faz parte do coletivo ANA, a Amostra Nua de Autoras, também tema dessa coluna). Em termos de estilo, nesse disco o Graveola faz um trabalho totalmente apoiado em ritmos brasileiros como o frevo, maracatu e influências afro como o ijexá. O clima do disco é leve e de alta energia, mas sem perder de vista a relevância das letras, assinadas em sua maioria pelo trio de cantautores. É impossível ouvir “Camaleão Borboleta” e não fazer um paralelo com “Os Novos Baianos”, influência que a própria banda faz questão de citar, seja pelo time de compositores reunidos sob a mesma bandeira, seja pelo entrosamento e coesão do trabalho. Resumindo, é música brasileira vibrando na intensidade máxima e, principalmente, original e livre de clichês.
Juliana Perdigão tem forte ligação com o Graveola, já que fez parte do grupo, mas voa solo há um bom tempo. É uma música versátil e completa: cantora, compositora e exímia clarinetista e flautista. O seu segundo disco, “Ó”, coloca Juliana em um time de artistas que traz a música brasileira para um patamar diferente de sonoridades e, principalmente, de ausência de rótulos. Dessa nova música brasileira vêm as participações especiais de Rômulo Fróes (que assina a direção artística com Juliana), Tulipa Ruiz, Ná Ozzetti e Luiz Gabriel Lopes. Apoiada pelo seu competente grupo “Os Kurva”, Juliana passeia pelo rock, música eletrônica e outras praias de modo que seu trabalho não conhece fronteiras. Nesse caldeirão de influências e estilos, Juliana colocou na praça um disco autêntico e calçado em interpretações corajosas. Totalmente fora daquilo que se chamaria de um álbum convencional, ela intercala as faixas com textos e poesias que surpreendem. E as próprias letras seguem esse espírito livre de formato, já que são poesias que em várias ocasiões rompem com o que seria tradicionalmente chamado de canção. Em suma, Juliana caprichou em um disco que pode ser chamado de tudo menos de óbvio. E de quebra, ainda dá uma bela cutucada nas convenções ditas corretas da sociedade com letras inteligentes sintetizadas pela última música, o “Hino da Alcova Libertina”. E na ousada arte do disco. Mas dessa arte não vou falar aqui e deixo a surpresa para quem quiser conhecer o disco.
Como se pode ver e ouvir nesses dois álbuns, escassez de talento está longe de ser problema na nossa música brasileira. São dois trabalhos ousados, bonitos e inovadores e que merecem ser escutados com atenção. Trabalho de artistas que fazem música com coragem e sem preocupação de amarras comerciais, formatos ou imposições.
Dicas sobre esses e outros artistas você vê lá na página no Facebook. Visita lá:
https://www.facebook.com/TrilhaSonoraBR/
Ele ainda faz
14 de Julho de 2016, por Renato Ruas Pinto 0
Mais um bom lançamento nas prateleiras, de um dos maiores guitarristas do rock, Eric Clapton. O setentão Clapton vem com o álbum “I Still Do”, “eu ainda faço” em uma tradução livre. E faz mesmo. Eric Clapton é um artista que viveu as glórias do rock e os horrores dos seus excessos de drogas e álcool. Em 1966, com apenas 21 anos já era considerado um dos grandes guitarristas da Inglaterra, quando surgiu no metrô londrino a famosa inscrição “Clapton is God” (Clapton é Deus). Daí para frente teve uma carreira pontuada pelo virtuosismo e inspiração da sua guitarra. E também marcada pela sua devoção ao Blues, estilo que o inspirou desde quando empunhou um violão pela primeira vez até os dias de hoje.
Em “I Still Do” ele deixa isso bem claro. O Blues está lá em diversas formas, desde uma sonoridade mais purista como em “Alabama woman blues” até em versões mais eletrificadas como “Cypress grove”, que poderia muito bem ter sido gravada em seus tempos de The Cream. Clapton não fez desse álbum propriamente um tributo ao blues, até porque já fez homenagens explícitas como em “Riding With The King” (gravado com B.B. King) ou em “Me and Mr. Johnson”, dedicado ao seu maior ídolo, a lenda do Blues Robert Johnson. Aliás, é de Johnson a faixa “Stones in my passway”, com uma levada de Blues bem tradicional, mas eletrificada.
Neste disco Eric Clapton vai além do Blues. Até porque é um disco de poucas faixas autorais e aparecem desde canções dos anos 30 até uma faixa de Bob Dylan. O mais curioso é que Clapton conseguiu imprimir seu toque nas músicas e, em uma primeira audição e antes de ler os créditos, eu tive impressão que ele estava fazendo uma espécie de retrospectiva das sonoridades que explorou em sua carreira. E sobre as sonoridades, ele passeia sobre períodos interessantes da sua carreira, como em “Can’t let you do it”, que remete aos seus álbuns clássicos “461 Ocean Boulevard” e “Slowhand”, de 1974 e 1977, respectivamente. Ainda lembrando essa grande fase temos “Somebody’s knockin’”.
Na faixa “I will be there” ele resgata o clima de suas baladas que estiveram em evidência na virada dos anos 90 para 2000, como “Change the world”. Ainda na onda dessa época vem a bonita canção “Spiral”, na qual Clapton usa sua guitarra em um dueto consigo mesmo, fazendo contrapontos interessantes com a sua voz. Eric Clapton, blueseiro de coração e alma, já declarou sua admiração pela bossa nova e a batida de João Gilberto. Embora essa não seja sua praia, percebe-se a influência no acompanhamento sincopado de “Catch the blues”, uma das poucas faixas assinadas por Clapton. E falando de praias diferentes, Clapton até se arrisca em uma balada com uma pitada jazzística “Little man, you’ve had a busy day”. Saindo do jazz, Clapton mostra que não quer se prender a estilos e flertar com o Country em “I dreamed I saw St. Augustine” de Bob Dylan. Em mais uma visita ao passado, “I’ll be alright” nos faz lembrar de “Unplugged”, o seu show acústico na MTV que no começo dos anos 90 o apresentou para gerações mais novas e o levou de volta ao topo das paradas. Para fechar bem o disco, Clapton faz as vezes de crooner em “I’ll be seeing you”, um standard de jazz bem costurado.
Ao fim da audição o que se pode dizer é que é um disco muito agradável e bem produzido. Clapton fez um disco econômico em termos de arranjos, sem orquestrações grandiosas ou pirotecnias do gênero. Porém, é na simplicidade que os bons se destacam, quando não se tem toda a maquiagem sonora para esconder limitações. Além disso, Clapton se sai bem nos vários estilos em que passeia. Mas, tal como um estrangeiro que domina outras línguas, mas não consegue esconder o sotaque, o Blues vai ser sempre o idioma nativo de Eric Clapton e sua sonoridade sempre evidente. Resumindo, pode ouvir que não vai ter arrependimento.
Trilha Sonora
16 de Junho de 2016, por Renato Ruas Pinto 0
Apesar do título, não vou falar sobre a própria coluna, mas sim sobre trilhas sonoras. O que inspirou o nome da coluna foi pensar em trilha sonora como o pano de fundo musical sobre o qual se desenrola uma história, seja em um filme ou novela. Música e imagem andam juntas desde os tempos do cinema mudo, quando um piano ou orquestra eram executados ao vivo durante a exibição dos filmes. O primeiro filme falado “O Cantor de Jazz” tinha como trama um jovem que queria ser cantor e o estilo musical domina a película. Em outras palavras, a trilha sonora anda junto com o cinema e a televisão desde sempre, ora como fundo, ora no primeiro plano.
Alguém sempre irá se lembrar de trilhas de cinema, como as escritas pelos geniais Bernard Herrmann – criador da arrepiante orquestração de cordas para “Psicose” de Alfred Hitchcock – ou John Williams, que escreveu as trilhas originais de clássicos como “Guerra nas Estrelas” e “Super Homem”. Também fica na memória a seleção de músicas de filmes como “Forrest Gump” ou “Pulp Fiction”. Aqui no Brasil podemos lembrar de compositores de trilhas originais como Jaques Morelenbaum e David Tygel, do Boca Livre. Em termos de músicas selecionadas, é impossível esquecer a trilha de algumas novelas, como Roque Santeiro, que reuniu clássicos como “Dona”, “De volta para o aconchego” e “Vitoriosa”. Naquele ano o volume 1 da trilha da novela vendeu meio milhão de discos.
O mais curioso é saber que a inspiração para a criação de trilhas sonoras de novelas veio do México. O experiente executivo Andre Midani, após passar alguns anos dirigindo a unidade mexicana da gravadora Capitol, ao retornar ao Brasil e perceber a popularidade das novelas, propôs à Globo criar uma trilha dedicada para a novela “Véu de Noiva” (1969), com temas para os principais personagens. No projeto, que ficou a cargo de Nelson Motta, aproveitaram-se algumas músicas que estavam para ser lançadas, como a versão de Chico Buarque e Vinícius de Moraes para “Gente humilde” de Garoto. Ao ouvir a bela canção “Irene” de Caetano Veloso, Nelson convenceu a autora da novela, Janete Clair, a trocar o nome da personagem de Betty Faria, que se chamaria Lúcia, para Irene. O casamento música-personagem foi um sucesso e o disco foi um dos mais vendidos do ano. Depois de um ano de parceria com a Phillips, a Globo viu a oportunidade e criou sua própria gravadora, a Som Livre, para explorar esse mercado.
Em tempos de música de qualidade questionável na telinha, fui surpreendido pela ótima trilha da novela “Velho Chico”. Desde a abertura, com uma regravação do próprio Caetano de “Tropicália”, até alguns resgates de artistas que passam longe do circuito comercial como Tom Zé, que vem com “Senhor cidadão” e mais duas músicas. Ainda estão presentes figuras carimbadas como Alceu Valença, Novos Baianos, Gal Costa, Geraldo Azevedo, Marisa Monte, Geraldo Vandré e outros medalhões. Também se abriu espaço para nomes menos conhecidos do grande público, como Ná Ozzetti e Zé Miguel Wisnik, que emplacaram a belíssima “A olhos nus” do ótimo disco “Ná e Zé” (guardem o nome desse disco, é recomendadíssimo). Estão presentes também alguns nomes da chamada “nova MPB”, como Marcelo Jeneci e Tiê. Resumindo, um elenco e repertório surpreendentes para um espaço de tamanha visibilidade como uma novela das nove.
É uma vitória para a música, mas ainda assim cabe uma crítica pela falta de renovação. Como citei acima, reuniu-se um elenco “galáctico”, deixando pouco espaço para uma nova geração sobre a qual tenho falado sempre. Mesmo um ótimo representante dessa turma nova como Marcelo Jeneci, com um trabalho autoral consolidado, apareceu somente com uma regravação do clássico “Veja Margarida”. E é até de se estranhar que um clássico definitivo como “Tropicália” precisou ser regravado sabe-se lá por qual critério estético. Enfim, podia ser melhor, mas não deixa de ser um progresso. Em tempos nos quais a cultura é considerada gasto supérfluo e artista é tratado como vagabundo, vale uma comemoração.