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Criação Geral

17 de Outubro de 2014, por Renato Ruas Pinto

A arte, assim como a vida, evolui em pequenos passos e dificilmente dá grandes saltos ou passa por revoluções. Porém, novos trabalhos às vezes demoram a sair à luz e, quando o fazem, podem até vir em uma onda de grandes proporções. A onda talvez até seja forte, mas a sua origem costuma ser pequenas gotas que vão se represando até romper a "barragem" do público e fazer com que determinado trabalho artístico se torne conhecido. No caso da música, é o momento em que ela sai do círculo de amigos, dos pequenos bares e toma dimensão maior.

Belo Horizonte passou por um desses "rompimentos de barragem" em 2002 e seus frutos continuam a ser colhidos até hoje: o movimento que ficou conhecido como o Reciclo Geral. A música mineira passou por momentos de destaque nas últimas décadas e o Estado entrou no mapa musical. Primeiro, pelo trabalho do Clube da Esquina, depois pela turma do Heavy Metal - que teve no Sepultura seu grande expoente - e, mais recentemente, pelo pop de Skank e Jota Quest. Havia, porém, uma turma que não se enquadrava nesse esquema mais pop, mas que vinha produzindo música autoral de qualidade. Juntaram-se para promover shows que acabaram por acontecer no espaço conhecido como "Reciclo", da Asmare (Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável). Lá os novos artistas dividiram o palco com outros já conhecidos em uma série de concorridos shows que se tornariam o marco do que ficou conhecido como o "Reciclo Geral".

Em 2003 saiu o excelente álbum coletivo "A Outra Cidade", de Makely Ka, Pablo Castro e Kristoff Silva, três artistas que participaram do Reciclo Geral e que estreavam nos discos. O álbum conseguiu sintetizar bem o espírito do momento e abriu espaço para compositores e músicos que se lançavam ao mundo. O disco pode ser considerado ao mesmo tempo o final com chave de ouro dos shows do Reciclo e o catalisador de toda uma nova geração de artistas que, a partir dali, seria registrada em disco. Dos artistas revelados no Reciclo e que começariam a gravar podemos citar alguns como Dudu Nicácio, Leopoldina (do ANA, sobre o qual falei em julho), Sérgio Pererê, Mestre Jonas, Érika Machado, Vitor Santana, Mariana Nunes, além dos três estreantes citados anteriormente.

Saiu dali um caldeirão de sons, estilos e coloridos distintos que, na minha opinião, fazem com que o Reciclo Geral não possa ser classificado como um "movimento" no sentido de busca de uma determinada estética artística, mas sim como um marco fundador de uma nova geração, quase um "big bang" que revelou vários universos distintos circulando em BH. Mais importante talvez tenham sido as portas abertas naquele momento, pois esses artistas continuam produzindo trabalhos em alto nível, como os excelentes discos solo de Pablo Castro – “Anterior”, lançado em 2013 - e o recente “Cavalo Motor” de Makely Ka lançado nesse ano.

Termino explicando a brincadeira que fiz no título, pois julgo que o Reciclo Geral foi mais do que uma reciclagem da música. Aqueles artistas com certeza beberam e ainda bebem nas fontes de Milton Nascimento, Toninho Horta, Guinga ou João Bosco. Porém, eles foram além e apresentaram, seja em discos próprios ou em gravações por outros artistas, material original e com estilo próprio. Criações que valem a pena serem ouvidas com cuidado. Aguardem as dicas na página da Trilha Sonora no Facebook (www.facebook.com/TrilhaSonoraBR).

 

(Não posso fechar sem agradecer ao amigo Luiz Henrique Garcia que me apresentou vários trabalhos da turma do Reciclo Geral e que me ajudou na pesquisa para essa coluna)

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