Um espectro ronda a Democracia brasileira: o espectro do descrédito. Nas três principais capitais do país, a saber, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, a soma das abstenções, dos votos nulos e em branco foi da ordem de 40%. Em Porto Alegre, quinta cidade brasileira, ocorreu o mesmo. O Brasil está sentado em cima de um imenso barril de pólvora. Em pouco mais de dez anos, isto é, entre 2013 e 2024, vivemos uma sucessão de crises.
Senão vejamos. 2013: grandes passeatas nas principais cidades brasileiras, em protesto contra as dificuldades de conduzir a Democracia aos campos social e econômico. 2014: início da Lava-Jato. 2016: impedimento da presidente Dilma Rousseff. 2018: eleição de um candidato com discurso antissistema, Jair Bolsonaro. 2021: manifestações do bolsonarismo no dia 7 de setembro, com forte apelo contra as instituições democráticas, em particular o Judiciário. 2023: as invasões aos símbolos do Poder em Brasília. Para além do fato de a Democracia ter se estendido muito pouco aos terrenos social e econômico, deixando de impactar a vida cotidiana das pessoas, tivemos ainda, durante a redemocratização, uma intervenção desastrosa do Governo FHC legislando em causa própria no tocante ao instituto da reeleição, dois presidentes presos, Lula e Temer, e dois afastados por impeachment, Collor de Mello e Dilma Rousseff. São sinais de alerta. A redemocratização vai nos frustrando. E isso é perigosíssimo.
No próximo ano, a redemocratização completará quatro décadas. Isso, um ano antes das eleições presidenciais de 2026. Eis aí uma ocasião para os partidos políticos voltarem a atuar como intelectuais coletivos, examinando essa crise aguda da Democracia. E isso vai além de polarizações, de embates entre a chamada direita e a chamada esquerda. Ou seja, é algo mais complexo e profundo. Precisamos construir, como durante o Plano de Metas do Governo JK-Jango, as Reformas de Base do Governo Jango e o Plano Real do Governo Itamar Franco, um novo projeto de nação.
Urge democratizar a própria Democracia.
*Historiador, membro da Academia de Letras de São João del-Rei.