BICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA: A História do Brasil ensinada nas escolas portuguesas


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José Venâncio de Resende0

Paulo Sérgio Pinto, da Escola Secundária de Resende

O Brasil celebra, em 2022, o bicentenário da Independência. Foi no dia 7 de setembro de 1822, às margens do Rio Ipiranga, que Dom Pedro – filho do rei de Portugal D. João VI - proclamou a Independência, tornando-se assim o primeiro imperador do Brasil.

Mas, afinal, como as escolas portuguesas ensinam este e outros fatos históricos relacionados com o Brasil? Para responder a esta pergunta, o JL ouviu dois professores de Resende (norte de Portugal): Rosa Maria da Conceição Costa Rodrigues, da Escola D. Antônio José de Castro (Básica do 2º Ciclo), e Paulo Sérgio Pinto, da Escola Secundária de Resende.   

A História do Brasil é parte do programa de História, ensinado em Portugal, que começa no 2º Ciclo (5º e 6º anos) da escola básica, abrangendo crianças (“miúdos”) com idades de 9/10 anos a 11/12 anos. “O programa é tão extenso que os assuntos são dados muito rápido”, diz a professora Rosa que é licenciada em História pela Universidade do Porto. No 2º Ciclo, são duas aulas de 50 minutos cada por semana.

Começa pelo Tratado das Tordesilhas, de 1494, época em que “os reis de Portugal e de Castela julgavam que o mundo era só deles e decidiram partilhar este mundo; era o auge das descobertas”, observa Rosa. D. João II rejeitou a primeira proposta (uma linha meridional que dividia o mundo em duas partes, não incluindo o território hoje conhecido como Brasil), que o papa Alexandre VI estabelecera através de uma bula (os direitos de exploração de cada uma das partes ficaria entregue aos países ibéricos). “Tudo leva a crer que D. João II sabia da existência de novas terras, mas o projeto original eram as Índias.”

Justamente por pensar que “já estava descoberto há muito tempo”, a professora Rosa prefere falar em “achamento” do Brasil. O tema é abordado na parte do curso que trata da época de expansão decorrente dos descobrimentos. Ainda no 5º ano, ela menciona o início da colonização no século XVI, com as exportações de madeira (pau brasil) e de produtos exóticos.

Na medida em que começa a decair o comércio com as Índias, Portugal volta-se para o Brasil, com as capitanias hereditárias e a nomeação de um governador-geral e a exploração da cana-de-açúcar. Com a dificuldade em convencer os índios, os portugueses começaram a importar escravos. Para a professora Rosa, “falar de escravos, atualmente, choca os miúdos, mas eles não tem noção de tempo”.

 

Ouro e liberdade

A descoberta de minas de ouro e de outras pedras preciosas aumentou o interesse de Lisboa pela colônia, ensina a professora. A importação de toneladas de ouro é exemplificada com a talha dourada da igreja de S. Martinho de Mouros (Freguesia de Resende) e com a riqueza de igrejas como a de São Francisco do Porto.

Não há menção à Inconfidência Mineira, conspiração separatista (inspirada nos ideias franceses e americanos de liberdade) na capitania de Minas Gerais contra a derrama (piso de 100 arrobas anuais na arrecadação do quinto, a retenção de 20% do ouro direcionado à Coroa Portuguesa), que foi abafada em 1789 com a condenação dos envolvidos. Entre os punidos, estavam os José de Resende Costa (pai e filho) que foram degredados para a África.

A transferência da família real para o Brasil em final de 1807, por conta da invasão das tropas de Napoleão, é abordada no 6º ano. O príncipe regente D. João e sua corte de nobres permaneceram no Brasil entre 1808 e 1821. A mudança da capital do império de Lisboa para o Rio de Janeiro resultou no desenvolvimento da colônia, ensina a professora Rosa que dá aulas de história há 40 anos (37 em Resende).

Com a revolução liberal do Porto em 1820, D. João VI foi obrigado a voltar a Portugal, por exigência das cortes, deixando o filho D. Pedro como príncipe-regente. As mesmas cortes decidiram que D. Pedro teria de retornar; então, ele declarou a independência e foi proclamado o primeiro imperador do Brasil.   

Com a morte do pai em 1826, D. Pedro I do Brasil foi aclamado Rei de Portugal, mas abdicou do trono em favor de sua filha D. Maria da Glória. Ensina a professora Rosa que D. Pedro outorgou a Carta Constitucional, que defendia ideais liberais. Fez um contrato de casamento da filha com o irmão D. Miguel que, no entanto, deu o golpe de estado de 1828, tornando-se rei absoluto. D. Pedro I reagiu, abdicando em favor do filho, D. Pedro II, e se uniu aos liberais contra o irmão na chamada Guerra Civil Portuguesa (1832-34).

 

Imigração

Outro tema abordado em sala de aula é a imigração, conta Rosa que é neta de emigrante português. Duas fortes ondas de imigração ocorreram no século XVIII, com a mineração na colônia, e no final do século XIX e início do século XX, com o fim da escravidão no Brasil. “Meu avô foi clandestino para o Brasil, aos 11 anos, e teve sucesso, regressando com dinheiro em 1920.”

Imigração que também é tema do 9º ano do 3º Ciclo, de acordo com o professor Paulo Sérgio Pinto. Nos anos 1960, muitos portugueses do norte de Portugal emigraram, sobretudo, para o Brasil. “Muitos regressaram ricos e construíram grandes casas (solares); eram denominados ´os brasileiros´.”   

O programa de História do 3º Ciclo (7º ao 9º ano) é semelhante, inclusive na carga horária (duas aulas de 50 minutos por semana), diz o professor Paulo. No 8º ano, são trabalhados os descobrimentos portugueses, sendo o Brasil abordado em quatro momentos: descobrimento e ocupação inicial; reinado de D. João V e a exploração lucrativa do ouro; Marquês de Pombal e a inquisição como “arma repressiva” a serviço do rei D. José I; e invasões napoleônicas e a “fuga” de D. João para o Brasil. 

A mudança da corte para a colônia trouxe vantagens e desvantagens, assinala o professor Paulo Pinto. Entre as vantagens, estão a modernização do Rio de Janeiro e a expansão do Brasil. A principal desvantagem foi o fato de o rei “não estar cá” e, sobretudo, “de não querer regressar”; até que foi obrigado a retornar em decorrência da revolução liberal de 1820, deixando o caminho aberto para D. Pedro declarar a independência do Brasil.

 

Secundário

No secundário, a História é ensinada no curso de Humanidades do ensino regular, segundo o professor Paulo Pinto que está há 20 anos na profissão (quatro anos em Resende). Além da carga horária maior (cinco aulas de 50 minutos por semana), no secundário o ensino de História é mais aprofundado e mais exigente, embora o conteúdo seja praticamente o mesmo. Por exemplo, a descoberta do Brasil é ensinada em três aulas, em comparação com apenas uma aula no 3º Ciclo.

Outra diferença é o material didático.  No 3º Ciclo, é utilizado apenas um manual em todo o ano escolar. Já no secundário são três manuais, um para cada período: de setembro até o Natal; de janeiro à Páscoa; e do pós-Páscoa até meados de junho. Tanto num quanto no outro curso, “os miúdos gostam muito da parte dos descobrimentos em geral por conta das novidades, das aventuras”, conta o professor Paulo. A expansão europeia no século XVI, com Espanha e Portugal dominando as rotas do comércio mundial, trouxe resultados como a introdução de novos produtos na alimentação (batata-doce, tomate, ananás ou abacaxi, pimentos, amendoins, feijões e batatas).  

A fase inicial da ocupação da colônia abrange as exportações de madeira (pau-brasil), seguida da expansão do açúcar (tentativa fracassada de escravizar os índios e início do tráfico de escravos) e do ciclo do ouro (toneladas embarcadas). Num primeiro momento, as aulas de História são partilhadas com o professor de Português que trabalha a obra do padre Antônio Vieira, cujo foco é a ação do homem, a defesa dos índios.  

O professor Paulo destaca a diferença na forma como portugueses e espanhois exploraram as suas colônias na América. Enquanto “os portugueses tinham uma postura mais negocial”, os espanhois priorizavam a destruição e mortes. Ele procura fazer os alunos compreenderem que isto explica a boa relação entre Portugal e Brasil, pois “nunca foi intenção dos portugueses nem de impor nem de destruir o que estava lá”.

 

Respeito

Na aula de multiculturalidade, busca-se mostrar aos miúdos como a mistura de culturas entre brancos, índios e negros deu origem a “um novo povo, que é único no mundo (tom da pele, estilos musicais, português brasileiro, gastronomia etc.)”, conta o professor Paulo. “Ganharam as duas culturas.”

Isto foi resultado da expansão europeia que promoveu processos de intercâmbio, aculturação e assimilação relacionados com raças, línguas, religião, arte e economia. “A palavra-chave é respeito. Essa é uma aula que costuma ser interessante, que os miúdos gostam muito.”

Atualmente, muito por influência das redes sociais, a visão dos miúdos sobre o Brasil resume-se a futebol, samba, praia e talvez insegurança nas ruas. O papel do professor é “buscar o equilíbrio, mostrando que nem tanto a terra nem tanto o céu”, conclui Paulo Pinto.

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