BICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA: Bisneto de João de Resende Costa deu nome a bairro de Campinas (SP)


Cultura

José Venâncio de Resende0

fotoBarão Geraldo, século XIX (autor desconhecido).

Por que “Barão Geraldo”? Alguns indícios sugerem que a denominação deste bairro do município de Campinas (SP) possa estar atrelada às ferrovias e estações ferroviárias da região. Decreto estadual nº 543, de 30 de março de 1898, aprovou “a planta da projetada estação denominada ´Barão Geraldo de Rezende´, estaca 155 do prolongamento da via férrea da Companhia Carril Agrícola Funilense, e o orçamento para o custo da mesma estação”. O decreto, que atendia solicitação da Funilense, foi assinado pelo vice-presidente do Estado, em exercício, Francisco A. Peixoto Gomide, por recomendação da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. 

A abertura ao tráfego público, em caráter provisório, do trecho da linha férrea da Cia. Carril Agrícola Funilense, entre Campinas e a estação Barão Geraldo de Rezende, foi autorizada pelo decreto estadual nº 707, de 14 de setembro de 1899, do presidente paulista Fernando Prestes de Albuquerque. A condição era de que a companhia construísse, no prazo de 60 dias, os cattle-guards nas divisas dos campos de experiência do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), no km 6 da referida linha.

Os primeiros esforços para a criação de uma linha férrea ligando a região do Funil (atual Cosmópolis) ao centro de Campinas surgiram no período 1870-1899, segundo Ana Laura Evangelista, na dissertação “Estrada de Ferro Funilense (SP): território, história e patrimônio cultural” (2018) apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da PUC-Campinas. O Barão Geraldo de Resende participou, como incorporador e incentivador, da fundação da Cia. Carril Agrícola Funilense (CCAF), em 1890, ao lado de outros fazendeiros da região. A CCAF construiu o trecho inicial da ferrovia que foi inaugurada oficialmente em 1899. 

Mas as obras da ferrovia só tiveram início quando o coronel João Manoel de Almeida Barbosa vendeu, em 1891, a Fazenda do Funil para a Cia. Sul Brasileira de Colonização, cujo diretor era o Barão Geraldo de Resende, relata Ana Evangelista. “Além de proprietário de fazendas que seriam favorecidas pela passagem da linha férrea, o barão possuía enorme prestígio no governo republicano e dedicou-se integralmente à criação da ferrovia.” 

Além do café 

O surgimento da Funilense, assim como das demais ferrovias da época, estava relacionado com o processo “de colonização do interior paulista, a partir da mão de obra imigrante e assalariada, de expansão da cultura cafeeira ao oeste paulista e de consolidação da industrialização”, de acordo com Ana Evangelista. Com a iniciativa da elite campineira e benefícios e facilidades concedidos pelos governos municipal, estadual, imperial e republicano, o que “orientou a construção da Funilense foi a necessidade de uma infraestrutura para escoamento da produção agrícola do Funil, através da rede de tráfego ferroviário que se conectava em Campinas e que dava acesso ao Porto de Santos”. 

Inaugurada com o objetivo de escoar café, a pequena ferrovia independente sobreviveu graças ao transporte de gêneros alimentícios, derivados de cana-de-açúcar, algodão, produtos de primeira necessidade, madeira, couro, tecido, fumo, material de construção, diz Ana Evangelista. “Foi o valor arrecadado pela venda da lenha retirada da região (usada para produção de dormentes e para abastecer as locomotivas a vapor das companhias ferroviárias em Campinas) que salvou a Funilense de sua total falência. No entanto, a ferrovia apenas se manteve funcionando pelo peso das vozes em sua defesa dentro do governo.”

Santa Genebra

A Funilense foi construída entre os traçados das Companhias Paulista e Mogiana. O tráfego provisório foi autorizado pelo Decreto nº707/1899 - a ferrovia contava com 46km de extensão, quatro estações e quatro chaves: a Estação Guanabara, que pertencia à Mogiana e dava acesso ao centro de Campinas e às outras ferrovias; a Estação Santa Genebra, depois chamada de Estação Barão Geraldo, que dava acesso às fazendas Santa Genebra e Rio das Pedras, e que ajudou a formar o centro do atual distrito de Barão Geraldo; a Estação José Paulino, que influenciou na formação do centro histórico de Paulínia; a Estação Barão Geraldo de Resende, depois chamada de Estação Cosmópolis, na cidade que herdou esse nome. As chaves eram Deserto (também chamada de Estiva ou Santa Teresinha), Engenho (ou Funchal), João Aranha e Funil. 

“Esse processo atrelou-se às tentativas do governo imperial e republicano, em parceria com os latifundiários, de implantar projetos de imigração visando substituir a mão de obra negra e escrava pela branca e assalariada”, de acordo com a autora. “No caso do estado de São Paulo, esses projetos foram implantados principalmente através da instalação dos núcleos coloniais de incentivo à colonização e à imigração”, para suprir necessidades como carência de mão de obra para a lavoura e a indústria; fixação de imigrantes à terra no Brasil; criação de novos núcleos populacionais, além de desenvolver e modernizar os já existentes; e produção de alimentos para os centros urbanos. 

Um dos fatores essenciais para a construção da Funilense foi a implantação, em 1897, do Núcleo Colonial Campos Salles (NCCS) no Funil, em terras doadas pela CCAF ao Estado de São Paulo (Decreto nº502-A/1897). Este projeto “alinhava interesses e esforços dos grandes proprietários de terras da região”, acrescenta Ana Evangelista. 

A Funilense transportava para Campinas vários produtos do NCCS, bem como equipamentos importados, manufaturas e mão de obra ao Núcleo, à Vila e à Usina Açucareira Ester, fundada em 1905 após a compra e a incorporação de terras no Funil pela empresa Irmãos Nogueira & Cia. A história da família Nogueira confunde-se com a história da formação de Campinas. 

Herança 

Em 1905, a Cia Carril Agrícola foi desfeita, e o nome da ferrovia foi alterado para Estrada de Ferro Funilense (EFF) que passou a ser propriedade do Estado de São Paulo (Decreto nº1308/1905). “Com os crescentes investimentos no transporte rodoviário e a obsolescência do sistema ferroviário, a partir de 1950 a Funilense foi perdendo seu papel como vetor de transporte de mercadorias, pessoas, ideias, tecnologias e memórias, sendo finalmente desativada em 1960, após muitos protestos nas cidades atendidas por ela”, relata a autora. “Os trilhos foram retirados entre 1961-62 e muitas edificações foram demolidas pelos municípios ao longo dos anos seguintes. A Funilense tornou-se uma ´ferrovia fantasma´.”

Um dos fatores essenciais para a construção da Funilense foi o processo de industrialização da região de Campinas, que se acelerou vertiginosamente a partir da década de 1950, observa Ana Evangelista. Isto fez “com que as cidades interligadas pela Funilense recebessem grandes contingentes populacionais de outros estados e de áreas rurais de São Paulo, uma população que não se identificava com as histórias e memórias locais e que alterou o perfil dessas cidades”.

Cosmópolis foi o primeiro município a se emancipar de Campinas (em meados do século XX). O segundo a se desmembrar foi Conchal (1948); a mesma lei também emancipou Artur Nogueira, até então um distrito de Mogi-Mirim. Paulínia foi elevada à categoria de cidade em 1964, tornando-se um importante polo industrial nacional e um dos maiores polos petroquímicos da América Latina. Um bairro, com muitos imigrantes alemães, belgas, suíços, suecos, húngaros, austríacos, poloneses e descendentes, tornou-se distrito de Engenheiro Coelho e se emancipou em 1991, após mobilização da população.

Resta o distrito de Barão Geraldo, que “luta até os dias de hoje para se emancipar de Campinas”, segundo Ana Evangelista. “O vilarejo rural, formado a partir das Fazendas Santa Genebra e Rio das Pedras, surgiu de desmembramentos e vendas de lotes da segunda fazenda, comprados por famílias de agricultores livres, italianos, portugueses e libaneses. O pequeno núcleo, transformado em distrito em 1953 (Lei Estadual nº2456/1953), começou a crescer e se transformar rapidamente a partir da implantação da UNICAMP (Universidade Federal de Campinas), na década de 1960.” Por ser “um polo científico e tecnológico, virou espaço estratégico para fomentar a expansão urbana de Campinas, e também metropolitana”.

Quem é o Barão Geraldo?

Geraldo Ribeiro de Souza Rezende, nascido em 19 de abril de 1846, no Rio de Janeiro, era filho do juiz e senador Estevão Ribeiro de Rezende, o Marquês de Valença, e de Ilidia Mafalda de Souza Queiroz. O Barão Geraldo era neto paterno do Coronel Severino Ribeiro (de família lisboeta) e de Josefa Maria de Resende; portanto, bisneto dos açorianos João de Resende Costa e de Helena Maria de Jesus, que fixaram residência em Lagoa Dourada.

O Marquês de Valença, pai do Barão, nasceu em 1777 no arraial de Prados, Comarca do Rio das Mortes. Formou-se em Direito em Coimbra (1804), foi magistrado em Portugal, veio para o Rio de Janeiro (1810) e foi nomeado juiz de fora da cidade de São Paulo (até 1815). Foi secretário e ministro de Estado de D. Pedro I e recebeu o título de Marquês de Valença, cidade onde produzia café na fazenda Corôas. Fez parte do Conselho de Estado provisório, foi deputado da primeira Assembleia Constituinte (1823) e presidente do Senado (1841). 

Ilídia, a esposa do Marquês de Valença e mãe do Barão, era filha do português Luís Antônio de Souza Macedo e Queiroz e de Genebra de Barros Leite. Militar, ele se tornou o famoso “Brigadeiro Luís Antônio” (ganhou nome de avenida em São Paulo). Foi um dos primeiros “grandes senhores” de terras da região paulista de Campinas, chamada no final do século 18 a região do “Sertão do Mato Grosso” (Mata Atlântica em torno de Campinas, chamada de “boca do sertão”). 

Geraldo iniciou seus estudos no Colégio Köpke, do Rio de Janeiro, e também terá estudado em Bruxelas, Londres e Coimbra, retornando ao Brasil 1864. Falava três línguas: português, francês e inglês. 

Entre 1865 e 1867, Geraldo mudou-se para São Paulo a fim de ingressar na Academia do Convento de São Francisco, estudando no Colégio dos Jesuítas. Mas sua avó Genebra (viúva desde 1819), ao perceber seu talento para a lavoura, deu-lhe a direção da fazenda Santa Genebra, onde ele se estabeleceu em 1870. Herdou da avó a fazenda (1.250 alqueires em região de terra roxa), tornando-se grande produtor de café.

Santa Genebra destacou-se por seu pioneirismo e inovação. Geraldo associou-se aos agrônomos do IAC e se tornou participante ativo de exposições agrícolas, o que fez da sua fazenda uma espécie de propriedade modelo na cafeicultura. Durante o Império, tocava os cafezais com mão-de-obra escrava. Com abolição, passou a utilizar o trabalho familiar de imigrantes europeus, principalmente alemães.

Foi vereador em Campinas (1883 a 1886) pelo Partido Conservador e deputado no Parlamento Nacional (1886), constando primeiramente como Comendador Geraldo Ribeiro de Sousa Resende. Em 19 de janeiro de 1889, Geraldo recebeu o título de Barão de Iporanga, assinado por D. Pedro II, e depois modificado para Barão Geraldo de Resende a seu pedido. Com o fim do Império, retirou-se da vida pública e passou a dedicar-se exclusivamente à sua fazenda. 

Fonte: Diretoria de Gestão Documental da Câmara Municipal de Campinas (SP); livro “Barão Geraldo: A luta pela autonomia” (Warney Smith Silva, Pontes Editores, 2020) e Wikipedia 

LINKS: 

https://www.al.sp.gov.br/norma/?id=137008 

https://www.al.sp.gov.br/norma/?id=136953 

https://sagl.campinas.sp.leg.br/consultas/norma_juridica/norma_juridica_mostrar_proc?cod_norma=39098 

http://tede.bibliotecadigital.puc-campinas.edu.br:8080/jspui/handle/tede/1125 

https://www.al.sp.gov.br/norma/?id=28751

https://www.al.sp.gov.br/norma/?id=32428  

LINKS BICENTENÁRIO: 

200 anos de Independência do Brasil: pouco a celebrar, muito a questionar - https://www.jornaldaslajes.com.br/integra/bicentenario-200-anos-de-independencia-do-brasil-pouco-a-celebrar-muito-a-questionar/3514

Como o Brasil perdeu a dianteira para os EUA https://www.jornaldaslajes.com.br/integra/bicentenario-da-independencia-como-o-brasil-perdeu-a-dianteira-para-os-eua/3537

Presidente português considera dever nacional comemorar os 200 anos de independência - https://www.jornaldaslajes.com.br/integra/bicentenario-presidente-portugues-considera-e34dever-nacionale34-comemorar-os-200-anos-de-independencia-do-brasil/3515

A História do Brasil ensinada nas escolas portuguesas - https://www.jornaldaslajes.com.br/integra/bicentenario-da-independencia-a-historia-do-brasil-ensinada-nas-escolas-portuguesas/3506

 

 

 

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