BICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA: Influência de Coimbra na formação dos brasileiros


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José Venâncio de Resende0

fotoPintura retratando José Bonifácio, o patriarca da Independência do Brasil

Entre 1772 e 1808 (ano da vinda da família real para o Brasil), havia mais de 770 brasileiros formados em Coimbra (Portugal), “o que dá uma média anual gigantesca, considerando o período histórico”. É o que revela a professora Ruth Maria Chittó Gauer, autora da tese de doutoramento “A influência da Universidade de Coimbra na formação da nacionalidade brasileira”, apresentada em 1995 à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (UC).  

A dissertação de Ruth Gauer - coordenadora do Programa de Pós-graduação em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) - tem como base uma pesquisa que a possibilitou organizar uma estimativa dos brasileiros formados na UC. “Para se ter uma ideia, houve períodos dentro da história de Coimbra em que havia mais brasileiros do que portugueses nos bancos universitários. Quando digo ‘brasileiros’, refiro-me àqueles nascidos no Brasil, porque antes da Independência oficialmente todos eram portugueses.”

A presença de brasileiros foi marcante no período citado, avalia a professora. Ela encontrou documentos onde era comum ler “anotações decerto peculiares: ‘Chegarão brasileiros. Podem cobrar bastante propina, porque são filhos de fazendeiros e de nobres ricos, etc.’ (Em Portugal, propinas significam taxas escolares, como matrículas, inscrições em cursos, exames etc.).

Segundo a pesquisadora, muitos brasileiros se formaram em mais de um curso. “Esse foi o grupo de intelectuais que ao voltar para o Brasil constituiu o que nós chamamos de elite letrada brasileira. Foram engenheiros, arquitetos, que à época se formavam como matemáticos, médicos, juristas, todos em Coimbra, e foram eles os responsáveis pela montagem do Estado nacional.”

O papel deles ao pensar o Estado brasileiro está presente até hoje, observa Ruth Gauer, “embora a Independência tenha se dado com a instalação do Império e não com República (como ocorreu nas colônias espanholas), porque o modelo imperial marcou a visão política em Portugal”. Império, no sentido da “manutenção de um território com todas suas extensões intercontinentais. O século XIX, no que chamamos do novo colonialismo, está muito fundado em uma ideia de Império, tanto que quando esse começa a se dissolver é que inicia a grande crise na Europa”.

 

Direito

Ela cita como exemplo o mundo do Direito. “O curso de Direito de Recife, o primeiro curso superior do Brasil, foi montado pelos brasileiros egressos de Coimbra, por exemplo. Note-se que o curso foi de Direito e não de Cânones e Leis, como no modelo das universidades europeias do início do XIX. Foi mais avançado do que o curso feito por eles em Coimbra; a partir da união do estudo dos cânones e das leis, deram origem ao curso de Direito. Se olharmos para o curso de São Paulo, do Largo de São Francisco, esse também foi fundado por essa intelectualidade formada em Coimbra. Há, portanto, toda uma tradição de Coimbra que estruturou a formação dos cursos superiores no Brasil.”

A professora trabalhou com um volume “considerável” de material pesquisado. Ela montou uma estatística com todos os brasileiros formados em Coimbra a partir de 1557, data do primeiro registro de um nascido no Brasil matriculado no curso de Cânones. Chegou a 3008 nomes. “Para fazer esse levantamento, foi fundamental recorrer aos arquivos da Biblioteca Geral da Universidade, além de um documento (a revista denominada “Brasiliana”) no qual consta os nomes dos brasileiros que se formaram naquela universidade.”

O levantamento foi realizado em seis meses, contou Ruth Gauer, “mas me fixei principalmente nos formados de 1772, período das reformas implantadas por Pombal (Marquês de Pombal, secretário de Estado durante o reinado de D. José I), até a Independência do Brasil. Descobri que a nossa intelectualidade, formada após 1772, período pós-reforma, possuía uma formação moderna de qualidade comparável às demais universidades europeias da época, porém muito pouco havia sido escrito sobre essa intelectualidade”.

 

Andrada e Silva

Desde a época colonial, brasileiros procuram a UC para estudar. Foi em 1556 o registro do primeiro estudante brasileiro em Coimbra, com o nome de Manuel Paiva Cabral. No início, os cursos restringiam-se a direito civil e direito religioso, com foco na formação de administradores para o Estado e a Igreja. Com a chegada do Marquês de Pombal ao poder em 1750, foi nomeado reitor da UC o bispo brasileiro Francisco Lemos.

Pombal e Lemos foram os responsáveis pela modernização da UC, que passou a se preocupar com a formação de técnicos e cientistas, mas sem perder a perspectiva da gestão colonial, contou o vice-reitor da UC, Joaquim Ramos de Carvalho, ao Jornal das Lajes (16/06/2018). O bispo Francisco Lemos foi reitor da UC por dois períodos (1770-79 e 1799-1821), totalizando cerca de 30 anos. O intervalo entre suas duas administrações coincide com o período em que Pombal perdeu o poder, queda esta que se estendeu aos seus amigos, inclusive Lemos.

A partir da reforma da UC, uma geração importante de brasileiros passou pela universidade. Entre eles, destaca-se o patriarca da Independência, o paulista José Bonifácio de Andrada e Silva, que não apenas estudou leis, matemática e filosofia natural (concluiu o curso em 1788), como também foi professor e responsável pela criação da cadeira de metalurgia da universidade (período de 1801 a 1819). 

Outro nome foi o baiano Alexandre Rodrigues Ferreira, que estudou leis, filosofia natural e matemática na UC, obtendo o título de doutor em 1779. Liderou uma extensa expedição à Amazônia, entre 1783 e 1792, e escreveu a obra “Viagem Filosófica à Amazônia”, na qual descreve a agricultura, a fauna, a flora e os habitantes locais. O naturalista levou com ele ilustradores que fizeram muitas imagens das populações indígenas e das paisagens amazônicas.

Durante a invasão de Portugal, o exército de Napoleão levou para Paris parte do acervo, constituído de máscaras e artefatos indígenas e coleções da fauna e da flora amazônicas. Segundo Joaquim Carvalho, recentemente foi descoberta nas dependências da UC uma valiosa coleção de peixes da Amazônia, da época da expedição liderada por Alexandre Ferreira.

Outro nome conhecido é o do poeta e jornalista maranhense Antônio Gonçalves Dias, que ingressou na Faculdade de Direito da UC em 1840. Durante o curso, escreveu “Canção do Exílio” – inspirada na saudade da pátria - e parte dos poemas “Primeiros Cantos” e “Segundos Cantos”, entre outras obras literárias.

Fontes: Revista do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e Universidade de Coimbra.

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