Crônica escrita pelo leitor Lucas Resende, estudante de Matemática Computacional na UFMG


Vc no JL

Lucas Resende0

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“5014 em 15 minutos”, “4104 em 6 minutos”, “6106 em 4 minutos”, “9502 aproximando”. Estava sentado ao lado de uma moça que aparentava seus vinte e poucos anos, não era bem vestida, nem parecia entender algo sobre como se vestir. Se tivesse que arriscar sentenciaria ensino médio completo, 24, namorando, mora com a mãe, trabalha como atendente na Araújo e pouco mais tem a dizer sobre política do que “não acompanho muito não”. O cabelo era preto, a pele calejada por algumas espinhas e cravos da adolescência, um vestido floral azul e um sapato preto. Sentia que eu incomodava um pouco, mas perguntei:

- Você viu se o 5106 já passou?

- Vi não.

Restava só sentar e esperar, olhar a avenida larga que num domingo a noite parecia deserta e deixar o pensamento correr. Não queria pensar muito, tentava desviar a mente de tudo que viria nas próximas horas. Meu ônibus chegou, operava sem cobrador, passei uma nota de 10, o motorista perguntou se não tinha trinta centavos trocados, busquei na carteira e respondi que não, quase sem reação ele se virou pro caixa e pegou meu troco, tinha as mãos um pouco peludas, os dedos grossos, a pele parda, senti uma textura áspera quando ele me entregou o troco. Enfiei na carteira e passei pela roleta. Meu olhar estava fixo agora na TV de bordo que listava vagas de emprego, intrigas de famosos e ofertava alguns shows, coisas que eu poderia até gostar, mas não fiz questão de guardar os nomes.

Desembarquei na rodoviária de Belo Horizonte, onde meia dúzia de homens gritava o nome de algumas cidades do interior de Minas oferecendo caronas. Lá dentro escolhi a primeira lanchonete, pedi uma coxinha e puxei a banqueta. Tinha escolhido a lanchonete errada, a massa era gordurosa, quase intragável, mas mesmo assim comi com mordidas pequenas e mastigando cada fiapo de frango, numa espécie de ritual. Ode ao desgosto!

Ouvi o guichê anunciar as horas e desci até a plataforma para esperar meu ônibus. Dali até o final da viagem foram pequenos vilarejos, asfalto e algumas poucas árvores no canto da estrada, as que deviam estar ali foram trocadas por grama para os pastos, restavam algumas que serviam para trançar o arame farpado que impedia o boi de fugir. A única figura que ganhava meu pensamento era a do leiteiro no canto da estrada, aquela imagem dói. Vestido com uma calça bege, a camisa já sem alguns botões, chinelo e um chapéu redondo, ele andava pela estrada com uma lata em cada mão, e como aquela figura me derrotava: nas palavras dele eu era dotô e na palavra dotô havia um abismo. Uma distância incomensurável de gerações entre a metrópole e o interior, entre jovens energéticos que formam uma cena musical cheia de si e a postura acanhada daquele que ao próprio irmão, violeiro, atribui algo divino e externo. Estava entregue. Permaneci ali até o fim da viagem, quando desci do ônibus e fui à busca do velório municipal. Entrei. Todos me esperavam.

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