Devoção a Nossa Senhora Aparecida reúne milhões de fiéis de todo o Brasil

A pequena imagem retirada das águas do rio Paraíba, há mais de 300 anos, mostra-nos que podemos ser um só povo, sem distinção de raças, gêneros e classes sociais


André Eustáquio


O empresário Adilson Resende (esq.) e o taxista Rodrigo Magalhães (Foto André Eustáquio)

Na segunda quinzena de outubro de 1717, três simples pescadores, Domingos Garcia, João Alves e Filipe Pedroso, lançaram suas redes no rio Paraíba na esperança de obterem uma pesca farta. Moradores da pequena Guaratinguetá, no Vale do Paraíba, desejavam oferecer peixes a Pedro Miguel de Almeida Portugal e Vasconcelos, conde de Assumar. Pedro de Almeida era governante da Capitania de São Paulo e Minas de Ouro e estava de passagem por Guaratinguetá, tendo como destino Vila Rica, atual Ouro Preto.

Não era época de peixes, mas os pescadores rezaram pedindo a Nossa Senhora que intercedesse a Deus para que a pescaria fosse farta. A pesca no rio Paraíba faz-nos recordar o episódio bíblico no Lago de Genesaré, na Galileia, conforme relato do Evangelho de Lucas (Lc 5, 1-11). Estando à margem do lago, Jesus entra no barco de Simão (Pedro), que havia pescado durante toda a noite e nada conseguira. Jesus, porém, o ordena a lançar as redes. “Avance para águas mais profundas e lance as redes para a pesca.” Mas Simão respondeu: “Mestre, tentamos a noite inteira, e não pescamos nada. Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes (Lc 5, 5)”. O resultado da pesca no Lago de Genesaré foi tamanha abundância de peixes que se tornou necessário o auxílio de outros pescadores que estavam nas margens do lago. “Eles foram e encheram as duas barcas, a ponto de quase afundarem (Lc 5, 7)”. Ao verem isso, Simão, Tiago e João, filhos de Zebedeu, deixaram a pesca e seguiram a Jesus.

A pesca milagrosa no Lago de Genesaré levou homens simples, pescadores, a deixarem casa, família e trabalho para seguirem a Jesus. No rio Paraíba, logo após rezarem a Nossa Senhora, Domingos Garcia, João Alves e Filipe Pedroso também lançaram suas redes, mas, ao invés de peixes, pescaram o corpo negro de uma pequena imagem de Nossa Senhora da Conceição, sem a cabeça. Eles lançaram novamente as redes e desta vez apareceu a cabeça da escultura. Diz a tradição que após os pescadores terem juntado as duas partes, a imagem ficou tão pesada que eles não conseguiam movê-la. A partir daquele momento, Garcia, Alves e Pedroso pescaram tantos peixes que foi necessário retornar ao porto, uma vez que a quantidade da pesca ameaçava afundar as barcas.  

O episódio mudaria para sempre a vida dos três pescadores e da população das margens do rio Paraíba e de Guaratinguetá. Nascia ali uma grande devoção a Nossa Senhora da Conceição Aparecida, padroeira do Brasil.

 

A devoção

Quem visita o imponente Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida (SP), vê contrastar-se a grandiosidade do templo (considerado o segundo maior templo católico do mundo, atrás somente da basílica de São Pedro, no Vaticano) com uma pequenina imagem de quarenta centímetros de altura, esculpida em terracota (argila). A imagem fica fortemente protegida por vidros blindados no interior de um nicho dourado. O cuidado com a sua segurança justifica-se. Em 1978, a imagem sofreu um grave atentado que quase a reduziu a fragmentos. Após ser restaurada no MASP (Museu de Arte de São Paulo), a imagem da padroeira do Brasil voltou para a basílica, onde é venerada por milhões de fiéis.

Todos os anos aproximadamente 12 milhões de pessoas visitam o Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida. São pessoas provenientes de todos os cantos do Brasil. Na rampa que dá acesso ao nicho onde se encontra a imagem da Virgem padroeira do Brasil, não se veem diferenças de gêneros, de raças, de cores e de classes sociais. A devoção a Nossa Senhora Aparecida promove a união do povo de Deus, formando uma só raça, uma só identidade, uma só fé.

 

Romarias de Resende Costa

Da pequena cidade de pouco mais de 11 mil habitantes, localizada na região do Campo das Vertentes em Minas Gerais e que tem Nossa Senhora (da Penha de França) como padroeira, saem anualmente centenas de romeiros em direção a Aparecida, em excursões, em carros particulares, a pé, a cavalo e de bicicleta. Um testemunho da grande devoção dos resende-costenses à Virgem Maria. No bairro Dois de Junho, na entrada da cidade, há uma capela dedicada a Nossa Senhora Aparecida, onde atualmente são realizadas as celebrações do dia 12 de outubro, feriado nacional da padroeira do Brasil.

O taxista Rodrigo de Paula Magalhães é um dos organizadores de romarias a Aparecida, em Resende Costa. Desde 2015, ele organiza sua romaria anual na segunda quinzena de outubro. A ideia de levar romeiros a Aparecida surgiu de uma conversa de Rodrigo com sua tia Edna Melo. “Conversando com a tia Edna sobre a gente ir a Aparecida, ela me disse: ‘Por que você não organiza uma excursão para lá?’ Eu me entusiasmei e organizei um ônibus, em 2015”, disse Rodrigo.

De lá para cá, a romaria do Rodrigo só vem crescendo. No dia 19 deste mês, ele levará quatro ônibus, cerca de 188 romeiros. “Os meus amigos e a minha família gostam de ir e minha mãe (Lúcia Resende) me ajuda muito. Ela é o meu braço direito na excursão, cuidando de toda a parte escrita, organizando as passagens e as acomodações no hotel”, conta Rodrigo, que é devoto de Nossa Senhora Aparecida. “Sou muito devoto e minha fé aumenta a cada romaria que organizo a Aparecida. Rezo muito para que tudo dê certo em nossas excursões. Quando chego a Aparecida com tanta gente e vejo o santuário, eu me emociono muito”, diz.

Os romeiros da excursão do Rodrigo viajam nos ônibus da empresa “Resende Turismo”, do empresário resende-costense Adilson Avelino de Resende. A Resende Turismo é a única empresa de ônibus de Resende Costa e leva a Aparecida romeiros da cidade e também de outros municípios da região do Campo das Vertentes, especialmente de São João del-Rei. Somente de Resende Costa, a empresa envia a Aparecida cerca de 20 ônibus por ano. “No ano passado fizemos 50 viagens a Aparecida, contando São João del-Rei e região”, disse o empresário Adilson Resende. Segundo ele, neste ano já se somaram 40 viagens. “Tem passageiros que viajam a Aparecida comigo duas vezes no ano”, diz.

Adilson é devoto de Nossa Senhora Aparecida e um dos romeiros da romaria do Rodrigo Magalhães. Em seu escritório, no Supermercado Resende Costa, há dois oratórios: um de Nossa Senhora Aparecida e outro de Nossa Senhora da Penha. “Sou muito devoto e acho uma devoção bonita. O turista de Aparecida é movido pela fé e pela devoção. Lá a gente não vê distinção de classes. Aparecida é uma devoção histórica. Meu pai me dizia que de Resende Costa ia gente de caminhão”, conta Adilson.

A Resende Turismo levou romeiros de São João del-Rei para passar o Réveillon deste ano em Aparecida. “Para mim foi uma novidade. Eu nunca imaginei levar uma excursão a Aparecida para o Réveillon”, diz Adilson. Segundo ele, o mesmo grupo já reservou um ônibus para o Réveillon de 2019 em Aparecida.

A farta pescaria no rio Paraíba, em 1717, que alimentou o conde de Assumar e sua comitiva, hoje sustenta espiritualmente a vida de milhões de brasileiros devotos de Nossa Senhora Aparecida. Do seu pequeno trono na majestosa basílica, projetada pelo arquiteto Benedito Calixto Neto, em estilo Neorromânico, a pequena imagem de Nossa Senhora acolhe sob o seu manto azul os devotos que a ela acorrem, seja para agradecer por uma graça alcançada ou para pedir a sua bênção, como nos fala o verso de uma antiga e piedosa canção que todos os devotos de Nossa Senhora Aparecida conhecem: “Dai-nos a bênção, oh mãe querida/Nossa Senhora Aparecida...”

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