Espera-se que a catástrofe que atinge o Rio Grande do Sul - com milhares de desabrigados, mais de centena e meia de mortos e prejuízos econômicos, inclusive no PIB brasileiro ainda por se medir - desperte os brasileiros para uma crise climática que veio para ficar e que só tende a piorar. É nessas horas que vêm à luz do dia tanto as falhas de prevenção quanto as propostas que estão sendo discutidas em diferentes fóruns para se atenuarem os efeitos do aquecimento global.
Descobre-se, por exemplo, que, com base em eventos de 1991-2022, um levantamento do governo federal* mostra que pelo menos 1.942 municípios brasileiros estão localizados em áreas de risco recorrente para desastres climáticos, como inundações, enchentes e deslizamentos de terra. Número defasado, considerando que apenas na tragédia gaúcha são 450 municípios afetados pelas fortes chuvas. Além disso, 15 (das 27) capitais brasileiras (incluindo a do Distrito Federal) não possuem um “Plano de mudanças climáticas”, de acordo com o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN). O que pensar dos mais de 5,5 mil municípios (maioria pequenos e médios) que vão a eleições este ano?
Por outro lado, o Congresso Nacional aprovou o projeto de lei (PL 4.129/2021), de iniciativa da deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP), que prepara as cidades, com planos e diretrizes, para enfrentar as mudanças climáticas. A nova lei estabelece diretrizes gerais para a elaboração, pelo poder público, dos planos de adaptação à nova realidade. A proposta complementa a Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei 12.187/2009) em relação às medidas para reduzir a vulnerabilidade e a exposição a riscos ante os efeitos esperados. “A crise climática infelizmente já é uma realidade, ela vem para afetar todos nós. Precisamos adaptar nossas cidades, nossos estados e nosso país”, disse a deputada à Agência Câmara. “É necessário que passemos do planejamento à prática, para implementação de uma adaptação transformacional em nosso país”, complementou Duarte Jr. (PSB-MA), relator do projeto, ao se referir à fragilidade das cidades e da população, evidenciada pelas tragédias das enchentes no Rio Grande do Sul.
De acordo com a Agência Câmara, a nova lei propõe que o nível de vulnerabilidade e de exposição de populações, setores e regiões a riscos climáticos seja considerado para efeito de definição das prioridades. Também prevê a promoção de pesquisa, desenvolvimento e inovação orientados à redução da vulnerabilidade dos sistemas naturais, humanos, produtivos e de infraestrutura por meio da busca de novas tecnologias. E ainda o monitoramento dos impactos das adaptações adotadas, a divulgação e a difusão de dados, informações, conhecimentos e tecnologias; e a promoção da informação, da educação, da capacitação e da conscientização públicas. É enfatizada a infraestrutura, como, comunicações, energia, transportes, finanças e águas, incluindo habitação e áreas verdes, equipamentos de saúde e educação e saneamento. Outra novidade nesse tópico é o uso de elementos da natureza para fornecer serviços relevantes para a adaptação às consequências da mudança climática.
Outra boa notícia é o projeto piloto que está sendo implantado em Curvelo (município pequeno de pouco mais de 80 mil habitantes) para a elaboração de um “Plano de Ação Climática”. “Curvelo, na região Central de Minas, é uma das 100 cidades escolhidas em todo o mundo para participar do Fundo de Ação Climática para Jovens, promovido pela Bloomberg Philanthropies. A iniciativa oferece assistência técnica e financiamento para os 100 prefeitos auxiliarem o desenvolvimento de soluções climáticas por jovens entre 15 e 24 anos. Ao todo, participam cidades de 38 países, em seis continentes, que juntas somam mais de 62 milhões de habitantes” (Jornal Conexão Curvelo, maio/2024).
“Por meio do Fundo de Ação Climática Juvenil da Bloomberg Philanthropies, os prefeitos lançarão chamadas abertas nas suas cidades para novos e ambiciosos esforços climáticos liderados por jovens. Essas ideias podem incluir:
- Iniciativas de sensibilização, educação, investigação e desenvolvimento lideradas por jovens, incluindo: programas de educação climática liderados por jovens; hackathons climáticos juvenis; pesquisas climáticas desenvolvidas por jovens; clubes ou currículos informados pelos jovens; e campanhas de arte e conscientização públicas criadas por jovens.
- Projetos de mitigação e adaptação às alterações climáticas liderados por jovens, envolvendo: jardinagem comunitária liderada por jovens, plantação de árvores, reflorestação e campanhas de agricultura urbana; programas de reciclagem e redução de resíduos geridos por jovens; e workshops de resiliência climática produzidos por jovens e programas de preparação para desastres.
- Planos de ação climática em conjunto para jovens, abrangendo: parcerias entre líderes municipais e grupos de jovens para informar ideias, decisões ou ações políticas relacionadas com o clima ou a formação de embaixadores ou conselhos consultivos para o clima juvenil.
Governo Federal
No âmbito do executivo nacional, o Ministério do Meio Ambiente tem a intenção de lançar o Plano Nacional de Adaptação, como parte integrante do Plano Nacional sobre Mudança do Clima. Além de uma estratégia nacional, 14 planos setoriais de adaptação serão publicados para os seguintes setores: agricultura e pecuária, biodiversidade, cidades e mobilidade, gestão de riscos e desastres, indústria, energia, transporte, igualdade racial e antirracismo, povos e comunidades tradicionais, recursos hídricos, saúde, segurança alimentar e nutricional, oceano e zona costeira.
“Além de políticas públicas robustas nacionais, como a incorporação de medidas de adaptação dentro do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), é crucial que os esforços de adaptação sejam ampliados para os estados e municípios brasileiros, segundo alerta Renata Piazzon, diretora-geral do Instituto Arapyaú de Educação e Desenvolvimento Sustentável**. “A lista de municípios prioritários para ações de gestão e prevenção de desastres, elaborada pela Casa Civil, identificou mais de um terço dos municípios brasileiros como áreas de alta vulnerabilidade, porém negligenciou regiões ameaçadas por secas e cenários climáticos futuros.”
“Um olhar para as pessoas inclui temas, como redução de escassez de água, construção de sistemas alimentares e agrícolas resilientes ao clima, redução de impactos à saúde relacionados ao clima, como ondas de calor, proteção dos ecossistemas e biodiversidade, aumento da resiliência de infraestruturas, redução dos efeitos do clima nos meios de subsistência e proteção do patrimônio cultural”, considera Renata Piazon.
Não há mais como negar os efeitos danosos das mudanças climáticas, daí a importância das ações de cada um no município em que vive, conclui o geógrafo e professor Adriano Valério Resende, que é membro da ONG Instituto Rio Santo Antônio (IRIS), de Resende Costa. “No Brasil, recentemente, presenciamos dois desastres naturais assustadores: a seca na Amazônia em 2023 e a atual cheia no Rio Grande do Sul. Alguns estudos, infelizmente, já apontam que ultrapassamos os limites da resiliência do nosso planeta. E as alterações nos ambientes, de uma forma ou de outra, acontecerão em todos os lugares. Assim, precisamos cuidar do nosso local de moradia, da nossa cidade. Por mais que pareçam pequenas as nossas ações, no final, somadas, elas reverterão o caminho pouco sustentável que estamos trilhando.”
*Mapa: 1 em cada 3 cidades brasileiras tem risco para desastre climático; veja onde elas estão (O Estado de S. Paulo, 17/05/2024).
**Resiliência humana e climática: como se preparar para o que está por vir(O Estado de S. Paulo, 16/05/2024).
FONTES:Globo.com g1, Agência Câmara, Bloomberg Philanthropies.