Conheci a ilha do Faial (Açores) 301 anos depois que a viúva Maria da Conceição Nunes e suas filhas (“As três ilhoas açorianas”) deixaram o porto da vila da Horta, na freguesia de Nossa Senhora das Angústias, onde nasceram. Navegaram por dois meses, no mínimo, em desconfortável navio à vela – travessia do Oceano Atlântico sujeita a perturbações climáticas (tempestades, ventos, correntes, calmarias etc.) – até desembarcar no Rio de Janeiro, para depois trilhar, em lombo de mulas, o “Caminho Novo”, cruzando a Serra da Mantiqueira, que levava às Minas Gerais do ciclo do ouro.
Passei horas e horas no porto da Horta tentando imaginar como teria sido a partida de meus antepassados nas condições mais precárias possíveis. Mãe e filhas (Antônia, Júlia e Helena), acompanhadas do genro Manuel Gonçalves da Fonseca (marido de Antônia), seguiram a pista do aparentado Diogo Garcia, também imigrante das Angústias, no Faial, que se instalara no Rio das Mortes Pequeno (freguesia de São João del-Rei). Havia outros imigrantes, como o seu irmão João Luiz Garcia Pinheiro e André da Silveira, fundador da Vila do Turvo, futura Andrelândia (nome em sua homenagem).
Grandes terremotos na Semana Santa de 1672 e a epidemia da Peste Negra de 1704, que deixaram o povo sem casas, milhares de vítimas e crise econômica, precederam à partida de Diogo Garcia para as Minas Gerais, no Brasil. Nascido em 1690 no Faial, Diogo casou-se em 1724 em São João del-Rei com a filha da viúva, Júlia Maria da Caridade.
Depois do casamento, recebeu da Coroa portuguesa concessões de terras (sesmarias) às margens do Rio Grande, onde faleceu em 1772 na sua fazenda, de mesmo nome, em território são-joanense. Um contemporâneo o definiu como “um dos lavradores de mayor fábrica, de escravos, cavalos, égoas e gado vacum, e estes em tanta quantidade que já se exparcião fora das terras que possuía” (Genealogia das Quatro Ilhas – Faial, Pico, Flores e Corvo, Dislivro Histórica,Vol. 2º).
Imigração dos Açores
Diogo, Maria Nunes e suas filhas, entre outros açorianos, emigraram para Minas Gerais no momento em que o intenso fluxo migratório de jovens (homens e mulheres) no século XVII começava a ser, oficialmente, contido pela Coroa portuguesa. Entre os fatores que levaram à migração açoriana, os especialistas apontam a sobrepovoação (número elevado que as ilhas não poderiam suportar), a “nobreza agrária” (não permitia a fruição econômica na hierarquia social), o comércio interno (prioridade aos produtos exportáveis), as crises alimentares (no início do século XVIII), o “caráter vulcânico” (erupções e tremores) e a decisão política (envio de cartas ao Rei pedindo autorização para migrar para o Brasil).
Uma lei de 1720, com aplicação nas ilhas, foi “um forte entrave à livre circulação de pessoas entre o Reino e o Brasil”, de acordo com os historiadores Carlos Cordeiro e Artur Boavida Madeira (A Emigração Açoriana para o Brasil, 1541-1820). Mesmo assim, “a Coroa continuou, contraditoriamente, a apoiar e a promover a saída de casais ilhéus”, principalmente para regiões fronteiriças do sul e do norte do Brasil.
Mas, neste início do século XVIII, a imigração açoriana também se fez notar no Brasil meridional, principalmente nas Províncias de Minas Gerais e São Paulo, segundo a genealogia da Família Junqueira. “A densidade populacional e os constantes tremores de terra, erupções vulcânicas e as crises alimentares com a superpopulação das ilhas que formam o Arquipélago dos Açores impulsionaram os habitantes a solicitar à Coroa portuguesa autorização para a vinda para o Brasil.”
O sul da província de Minas Gerais foi um dos locais escolhidos pelas famílias de imigrantes, bem como a província de São Paulo, que compreendia a ilha de Santa Catarina (depois capitania e, hoje, estado) e o Rio Grande de São Pedro (atual estado do Rio Grande do Sul), sempre com a autorização do Governo português. Vinham das ilhas do Pico, de Santa Maria, da Terceira, do Faial, das Flores, da Graciosa e de São Miguel, nos Açores, e muitos da Ilha da Madeira.
Os sobrenomes dos antepassados eram os mais variados: Goularte, Duarte, Garcia, Faria, Fagundes, Leal, Silveira, Rezende, Correia, Dias e assim por diante. “Aqui foram desbravadores, povoadores e fundadores de cidades”. “A grande maioria dedicou-se à cultura de subsistência (milho, feijão, algodão, cana-de-açúcar) e à criação de gado e tropa cavalar, numa época em que a fome era uma constante nas minas de ouro.” Muitos tornaram-se fazendeiros e ficaram ricos.
Deixaram suas marcas e seus costumes por onde passaram, segundo a genealogia da Família Junqueira. “Ainda hoje, acontecem festas populares e religiosas com o sabor dos Açores e o famoso costume de tomar água com açúcar para acalmar os nervos foi trazido pelos açorianos para o Brasil. As mulheres ainda tecem as rendas e bordam, como suas antepassadas. A hospitalidade açoriana é notada, principalmente em Minas Gerais, com a farta mesa de pães, biscoitos, queijos e doces para os que chegam.”
As três ilhoas
As três irmãs açorianas, filhas de Maria Nunes, viúva de Manuel Gonçalves Correia (o Burgão), alcançaram notoriedade em Minas Gerais. Antônia da Graça de Aguiar, Júlia Maria da Caridade e Helena Maria de Jesus ficaram conhecidas como “As três ilhoas açorianas”. Antônia veio do Faial com o marido Manuel Gonçalves da Fonseca e os filhos Maria Teresa de Jesus, Manuel Gonçalves da Fonseca e Catarina Cândida de São José. A segunda, Júlia Maria da Caridade, casou-se a 29 de junho de 1724, em São João del-Rei, com Diogo Garcia, o anfitrião; e a terceira, Helena Maria de Jesus, casou-se a 3 de outubro de 1726, em Prados, com João de Resende Costa (imigrante em 1716/18 da ilha açoriana de Santa Maria).
De acordo com o genealogista de Ouro Fino, José Guimarães, as Três Ilhoas tornaram-se troncos de antigas, tradicionais e importantes famílias de Minas Gerais e até de outros estados: Antônia da Graça (nascida em 1687) deu origem às famílias Junqueira, Meireles, Carvalho Duarte e Arantes; Júlia Maria da Caridade (nascida em 1707), aos Garcia, Carvalho, Nogueira, Vilela, Monteiro, Reis e Figueiredo; e Helena Maria de Jesus Gonçalves (nascida em 1710) deu origem à vasta família Resende no Brasil.
João de Resende Costa foi para o Brasil na mesma época da emigração de Diogo Garcia, vindo a se tornar cunhado de Júlia Maria da Caridade e concunhado de Diogo. Enquanto, porém, Diogo e Júlia ficaram em São João del-Rei, onde seus corpos seriam sepultados na Igreja de Nossa Senhora do Carmo, João de Resende Costa se estabeleceu em Lagoa Dourada, na época distrito da Vila de Prados. O casal João e Helena Maria de Jesus viveu na Fazenda do Engenho de Cataguás e seus restos mortais foram guardados na Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Prados.
FAIAL (2): uma ilha dos Açores voltada para o mundo
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Dener L. Silva - 15/08/2024
Que bela história José Venâncio! Importante não só recordarmos mas agradecermos estes nossos antepassados que tanto sofreram e suportaram para que, hoje, possamos estar aqui. Eu, embora nascido em Santa Catarina, também sou descendente dos imigrantes Açorianos. O sangue açoriano espalhado por todo o Brasil. abs,