Fazenda do Catimbau: família e formação de riqueza no antigo Distrito da Lage


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José Venâncio de Resende1

Fazenda do Catimbau (foto cedida por João Carlos).

A atual Fazenda do Catimbau - próxima ao Povoado do Ribeirão de Santo Antônio em Resende Costa - não é a construção original do século XIX. Por volta de 1915, Domiciano Pinto de Rezende, conhecido por Sanico do Catimbau, construiu uma nova residência ao lado da fazenda que herdara do seu pai, o Tenente Coronel Geraldo Pinto de Rezende. Para isso, aproveitou algumas portas e janelas, as soleiras de pedra, telhas e tudo o que estava em bom estado de conservação.

Sanico do Catimbau tinha vinte e poucos anos, e ainda sem grande condição financeira para manter a fazenda herdada, conta sua neta Jane Resende. “Como era uma fazenda demasiadamente grande e pomposa, com várias construções menores ao seu redor, tornou-se impossível mantê-la.” Uma fazenda que era autossustentável até a abolição da escravatura e o falecimento do Tenente Coronel Geraldo.

Sanico do Catimbau constituiu família e viveu sempre na fazenda onde houve muita prosperidade, relata Jane. “Ele teve o cuidado de mandar seus filhos e filhas estudarem em São João del-Rei, pois prezava a cultura, tanto que um filho se tornou sacerdote: o padre Antenor Pinto de Resende.”
Após uma vida de trabalho, Sanico do Catimbau faleceu subitamemte em 1968. A sede da fazenda passou, então, por vontade do pai a seu filho caçula Adenor Roberto de Resende, pai de Jane. “E a história se repetia. Ainda sem condições financeiras adequadas, num cenário político-econômico totalmente diferente do passado, o então jovem de vinte e poucos anos se viu diante de um passado a ser preservado e um futuro a ser construído.”

“Em 1979, a valentia dos barrotes que sustentam o sobrado deu sinal de desgaste e uma grandiosa reforma teve que acontecer”, relata Jane. “As paredes internas foram demolidas e edificadas tal qual eram. E assim, a cada chuva, a cada ventania faz-se pequenos reparos (às vezes grandes) para que tudo permaneça.”

“A casa tem 16 janelas que medem 1,20m de largura por 2m, todas com vidraças. As portas medem 2,80m de altura. As paredes internas medem cerca de 4,0m. O chão é todo de assoalho, o que forma um porão. As entradas e escadas são revestidas de pedras de granito bruto. O curral e dependências externas são construídos com pedras, muros e calçadas.”

Segundo Jane, “a fazenda é de difícil conservação, visto que mais uma vez a situação econômica do país se transformou e a sobrevivência rural está praticamente impossível”. Roberto do Sanico do Catimbau, como é conhecido, está resistindo o quanto pode para manter a tradição.

Dois irmãos

No antigo Arraial da Lage, atual Resende Costa, dois irmãos tiveram duas trajetórias diferentes. De um lado, o Tenente Geraldo Pinto de Rezende, por meio dos casamentos dos filhos, parecia continuar reproduzindo as estratégias da elite local de manutenção do status social. De outro, o curioso empobrecimento do Coronel Francisco de Assis Rezende, “acentuado nos anos subsequentes à abolição da escravatura. Mesmo que muito tenha sido dito sobre suas preocupações com os mais desprovidos, é possível pensar que tenha pago um alto preço pela manutenção de seu prestígio local.”

É o que revela João Carlos Resende, em sua monografia “Na porteira do Catimbau – Família e riqueza no Distrito da Lage (1869-1907)”, de conclusão do curso de História na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) em fevereiro de 2017.

Os dois irmãos eram filhos de Felisberto Pinto de Almeida e Maria Libânia de Rezende. Portanto, descendentes dos Ribeiro da Silva e dos Rezende Costa, famílias que imigraram de Portugal no século XVIII para a antiga Comarca do Rio das Mortes.

Geraldo nasceu em 1837 ou 1838, muito provavelmente na Fazenda do Catimbau, fundada por seu pai, Felisberto. Este, por sua vez, era filho de Joaquim Pinto de Goes e Lara - casado com Ana de Almeida e Silva (filha do casal fundador da Família Ribeiro da Silva) - que foi dono da antiga Fazenda Ribeirão de Santo Antônio. O casal português Antônio Ribeiro da Silva e Antônia Maria de Almeida fundaram, a partir do século XVIII, diversas fazendas ao longo da Comarca do Rio das Mortes.

Quarto (ou terceiro?) de sete irmãos, Geraldo era trineto de João de Rezende Costa, casado com Helena Maria, uma das chamadas “Três Ilhoas Portuguesas”, ambos originários dos Açores. “Ao analisar os descendentes diretos de João de Rezende Costa até os pais de Geraldo, pode-se notar, em quatro gerações, dois títulos de coronel e um de guarda-mor, este pertencente a Felisberto, seu pai”, observa João Carlos.

Casamentos

“A Fazenda do Catimbau teria sido fundada no período em que a economia mineira estava mais profundamente baseada em seu mercado interno, no século XIX”, relata o autor do trabalho. “Pelo menos no período aqui estudado, entre 1869 e 1907, naquela propriedade nosso fazendeiro viveu e geriu seus negócios.”

Com a morte prematura de Felisberto, em 20 de Abril de 1842, o futuro Tenente Coronel Geraldo ficou órfão com apenas cinco anos de idade. Ele viveu junto da mãe e teve como tutor seu irmão primogênito Joaquim Pinto de Almeida, onze anos mais velho.

Segundo João Carlos, em 4 de Julho de 1855, na Ermida do Catimbau, Maria Felisberta de Rezende e Anna Libânia de Rezende, irmãs de Geraldo, casaram-se, respectivamente, com Geraldo Ribeiro de Sousa e José Pinto de Resende Costa. “A 13 de Fevereiro do mesmo ano, estando Geraldo com 18 anos aproximadamente, contraiu núpcias com Francisca de Paula Monteiro de Rezende (…). Quem lhes conferiu a bênção matrimonial foi o Vigário Joaquim Carlos, primeiro pároco do Distrito da Lage.”

O ponto em comum entre os três casamentos é que os casais eram parentes entre si, ressalta João Carlos. “Nos três casamentos ocorridos naquela família em 1855 houve dispensa de consanguinidade. O documento (inventário de Felisberto) faz menção ao fato de ´terem se ligado em matrimônio seus tutelados com pessoas suas iguais tanto em qualidade como em fortuna´, se referindo àqueles por quem Joaquim era responsável (tutor).”

João Carlos assinala a importância, na sociedade Oitocentista, do papel da família para a vida social e econômica de um indivíduo. “A solidariedade entre a parentela era fundamental, para que um sujeito fosse bem-sucedido. A união não era importante apenas por uma questão afetiva: ela garantia a manutenção da riqueza, do prestígio social, da importância política. Acordos de casamento eram gestados no seio da família. O patrimônio era criado e fortalecido nesse âmbito”, diz, citando Mariana Muaze.

Herdeiro

Em depoimento ao autor do trabalho, Roberto do Sanico, neto de Geraldo e atual proprietário da Fazenda do Catimbau, chamou a atenção para o fato de Maria Libânia de Rezende ter enviuvado ainda nova. Conhecida como Maria do Catimbau, ela mesma assumiu o comando da fazenda.

Segundo o relato de João Carlos, as duas filhas mais novas do falecido Felisberto foram viver junto com seus maridos em outras propriedades: Anna Libânia, na Fazenda da Jaboticaba; e Maria Felisberta, na Fazenda da Galga. Outro irmão de Geraldo, Tertuliano Pinto de Almeida, em 1854, já se casara.

“A esta altura, os três irmãos mais velhos de Geraldo, a saber: Joaquim Pinto de Almeida, Francisco Pinto de Assis e Esmênia Maria de Almeida, já estavam casados e moravam também em outros lugares. Assim, sendo o último homem a casar, coube a Geraldo herdar a sede da fazenda fundada por seu pai, já que ficou cuidando de sua mãe, Maria Libânia. Ela faleceu em 25 de Novembro de 1878, aos 71 anos. (…) Ali, naquela fazenda, Geraldo viveu até morrer no dia 15 de Maio de 1907.”

Elite lageana

“Há indícios suficientes para crer que Geraldo tenha pertencido à elite que havia no Distrito da Lage no séc. XVIII”, prossegue João Carlos. “No Distrito da Lage esse grupo com mais prestígio era formado pelos grandes e médios senhores, proprietários tanto de terras quanto de cativos.”

O arquivo pessoal de Geraldo Pinto de Rezende aponta que, no acervo do Tenente, havia há uma lista com o nome de 21 escravos, relata João Carlos. “Além desse registro, sua documentação apresenta ainda a compra e venda de alguns escravos. Estes dados permitem notar que Geraldo estava inserido na lógica escravista, até o momento em que foi promulgada a Lei Áurea.”

A estratégia para continuar dentro deste grupo seleto inclui ainda o casamento e o título de Tenente Coronel. Segundo o autor do estudo, o casamento de Geraldo “foi um destes planos para aquisição e manutenção de prestígio. Houve uma união entre iguais”. Já seu título de Tenente Coronel da Guarda Nacional, milícia civil criada no período regencial pelos liberais, é outro fato que “permite classificá-lo como membro da elite local”.

“O cargo ocupado por Geraldo não era dos mais baixos. Tomando como base a dimensão municipal, seu posto era inferior apenas ao do Coronel, que comandava a Legião e ´formava o estado maior composto por um major, um quartel mestre, um cirurgião mor e um tambor mor´. A Legião era composta pelos Batalhões, estes comandados por um tenente coronel…” Abaixo do Batalhão, vinha a Companhia, chefiada por um capitão e ainda havia as Seções de companhia, comandadas pelo tenente.

João Carlos explica que uma Companhia era formada por 100 a 140 guardas em cada município do Império. “Ora, o Distrito da Lage só foi conseguir sua emancipação política em 1912. Até então pertencia a São José Del Rei, atual Tiradentes. Isto possibilita dizer que Geraldo não era visto com grande prestígio apenas no distrito, mas em âmbito regional.”

Fazendeiro escravista

Quando a Princesa Isabel sancionou a Lei Áurea (13/05/1888), decretando a abolição da escravatura, o Tenente Geraldo seria senhor de 21 cativos, segundo uma lista presente nos seus registros contábeis citada por João Carlos. “Seria ele um fazendeiro, dentro do critério adotado pela historiadora (Hebe Mattos), tomando por base o número de cativos que detinha. Por esta quantidade, 21 pessoas, e ainda pelos trabalhadores livres que sazonalmente lhe prestavam serviços, como é possível notar em toda sua contabilidade, é possível inferir que não praticava trabalhos manuais.”

Embora homens livres lhe prestassem serviços, o número de escravos do Tenente ainda era elevado, observa o autor do trabalho. Quando veio a abolição da escravatura, “Geraldo continuava com a senzala bem ocupada…” Ao contrário de outros senhores, Geraldo não ofereceu alforria nem negociou contratos oferecendo a liberdade em troca de serviço.

Não se sabe “como Geraldo tratava seus cativos e o quanto eles o estimava, como ocorria com seu irmão, o Cel. Francisco Pinto de Assis Rezende, que contou com o trabalho dos libertos na Fazenda da Lage após o fim da abolição…”. De qualquer forma, “Geraldo podia já estar preparado para 1888”, de acordo com João Carlos. “Afinal, o fazendeiro conseguiu contornar o fim da escravidão…”

Coronel Assis Rezende

O Coronel Francisco Pinto de Assis Rezende – o Coronel Chico Pinto - possuía grande influência na sociedade local. Ele parece exemplificar muito bem o fenômeno do coronelismo, que vigorou durante a República Velha, em que os coronéis comandavam grande parcela dos votos de cabresto, diz o autor do estudo citando Victor Nunes Leal.

“Após se mudar para a Fazenda da Lage o coronel para lá levou gado e escravos. A fazenda possuía várias atividades econômicas, como engenho, serraria, curtume, olaria, e ´moinho para produção de azeite de mamona, usado para iluminar domicílios e vias públicas´. Todas estas atividades demandavam trabalhadores, livres ou cativos.”

Entre os fatos que mostram a influência do Coronel Assis Rezende na vida do lugar, o autor cita a emancipação política em 1912 do Distrito da Lage, que “por quase duas décadas foi administrado pelo Coronel Francisco Mendes de Resende, filho de Chico Pinto. A posição de destaque que o Coronel Assis Rezende ocupou no distrito na segunda metade do Oitocentos permite crer que seu irmão Geraldo também tenha tido uma posição elevada…”

Irmão “pobre”

O inventário de Felisberto Pinto de Almeida, fundador da Fazenda do Catimbau, informa que, em 1843, os órfãos Francisco e Geraldo tinham, respectivamente, 12 e 5 anos e ainda viviam no Catimbau. Cada um recebeu bens no valor de três contos, cento e vinte e seis mil, quinhentos e vinte e seis reis. Já o inventário da viúva, Dona Maria Libânia de Rezende, falecida em 1878, aponta para cada um dos filhos, já casados na ocasião, o valor de seiscentos e setenta mil, quatrocentos e sessenta e cinco reis.

Assim, os irmãos Francisco e Geraldo puderam “largar” com a mesma vantagem, observa João Carlos. “Contudo, ao se analisar as fortunas que deixaram na primeira década do século XX, é possível notar um disparate enorme.” Ao falecer em 30 de março de 1905, Francisco tinha seus bens avaliados em quatro contos, trezentos e cinquenta e quatro mil, setecentos e cinquenta reis. “O valor dos bens que possuía Francisco em valores totais, ao morrer, é pouco maior que o recebido de herança após o falecimento de seus pais, mesmo não levando em consideração a inflação de todos esses anos.”

Para piorar, Francisco deixou uma dívida passiva de dois contos, seiscentos e oitenta e cinco mil, trezentos e trinta reis, prossegue João Carlos. “A quantia que devia aos credores equivalia a 61,66% do patrimônio que possuía. (…) Após a dedução da dívida passiva, dos ´custos calculados´ e do imposto de herança, sobrou apenas um conto, quinhentos e vinte e oito mil, quatrocentos e vinte reis para ser dividido entre os oito herdeiros. (…) Era como se cada um ficasse com um cavalo e um burro, como os que possuía Chico Pinto.”

Apesar de ter caído na pobreza no decorrer de sua vida, o Coronel Chico Pinto “possuía significativa influência e contava com grande apoio popular no Distrito da Lage”, observa o autor do trabalho. Uma primeira explicação para o seu empobrecimento pode estar na sua “extrema magnanimidade”, avança João Carlos. “Talvez seu declínio possa ter sido acentuado pelo fim da escravidão. Embora não se saiba quantos cativos tinha, devia tê-los em número considerável.” Não há notícias nesse sentido.

Em resumo, o desconhecimento de registros sobre os negócios de Chico Pinto não permite afirmar com precisão se a abolição foi a grande responsável pela sua decadência econômica, embora pareça, conclui João Carlos. “É preciso dizer ainda que o velho coronel enfrentou duas viuvezes. Poderia ter perdido parte dos bens em processos de partilha com seus próprios filhos…”.

Irmão “rico”

O inventário do Tenente Geraldo, falecido em 1907, chama a atenção pelo valor relativo à quantidade de bens deixados para a partilha entre os 11 herdeiros e a viúva. No total, foram divididos entre os herdeiros a quantia de 120 contos, seiscentos e cinquenta e sete mil, novecentos e vinte e oito reis, “já incluso o valor dos dotes que deveriam ser abatidos”. Este valor referia-se aos bens materiais da Fazenda do Catimbau, bem como três montantes referentes às dívidas ativas que Geraldo tinha a receber, à Fazenda Mathozinhos (hoje, no município de Desterro de Entre Rios) e por fim aos bens que possuía no Sítio Serra de Alcubia (propriedade dividida com outros sócios).

“A comparação do patrimônio deixado por cada um dos dois irmãos ao morrerem revela dois caminhos opostos seguidos por cada um no curso de suas vidas”, conclui João Carlos. “Geraldo soube ser talentoso na administração de seus bens. Os números deixados pelo Cel. Francisco Pinto de Assis Rezende o assemelha aos que Hebe Mattos chamou de ´lavradores pobres´, estudando a antiga Capivary, atual Silva Jardim, no estado do Rio de Janeiro, na segunda metade do Oitocentos.”

Gado de Uberaba

O autor do trabalho tira do próprio inventário de Geraldo algumas conclusões sobre suas estratégias econômicas. Em primeiro lugar, 63% das posses do Tenente eram bens de raiz. Em segundo lugar, aparecem as dívidas ativas (13,6%), seguidas dos animais (12,8%). Ainda aparecem as benfeitorias (7,58%) e bens de uso pessoal e móveis (2,31%).

João Carlos considera que estudar um caso como o do Tenente “é importante para compreender como a elite, da qual Geraldo era membro, estava lidando para superar as bruscas transformações porque passava a sociedade agrária após 1888.”

Nesse sentido, o autor do estudo cita um negócio de gado, feito 19 anos antes, que “parece oferecer um facho de luz para que se comece a entender tal questão”.

Existem muitos negócios feitos pelo Tenente Geraldo, registrados ao longo de 38 anos, entre 1869 e 1907. “Era muito frequente a comercialização de produtos como queijo, aguardente, fumo e milho em sua fazenda.”

O negócio de gado bovino feito no fim do escravismo é um dos primeiros negócios mais significativos que aparecem na contabilidade da Fazenda do Catimbau, revela João Carlos. “Em 1869, Geraldo fez um registro curioso. Deu conta de que naquele ano promovera uma operação de compra de gado em Uberaba. Tal lugar fora um importante entreposto comercial na segunda metade do Oitocentos. Neste período, o lugar viveu um crescimento urbano e econômico importante. São João Del Rei, por exemplo, abastecia Uberaba e até regiões mais além como Goiás e Mato Grosso com produtos manufaturados. Uberada, por sua vez, fornecia gado à Comarca do Rio das Mortes.”

É possível pensar que Geraldo deva ter almejado se tornar um negociante especializado no ramo, diz João Carlos. “A criação de animais era um dos pilares da riqueza do Distrito da Lage naquele momento, junto com as terras, escravos e dívidas ativas (a receber). Talvez pensasse que não lhe faltaria negócios no distrito. Para isso, teria mandado comprar animais em Uberaba. Ele não foi lá pessoalmente. Tinha uma sociedade com José Libânio Rodrigues, segundo sua documentação.”

No negócio de Uberaba, foram compradas 154 vacas ao custo total de três contos, seiscentos e trinta e dois mil reis, o que dá a média de cerca de vinte e três mil reis por cabeça. Abatidas as despesas do negócio, Geraldo e seu sócio tiveram, cada um, lucro de duzentos e setenta e dois mil reis. Descontado o arrendamento dos campos, Gerado contabiliza “lucro de todo o negócio” de noventa mil reis, relativo “a meu trabalho, animais e escravos…”. Ao descrever o seu negócio, Geraldo registrou em letras garrafais: “Não convem negosio (sic) do sertão”.

Lucro pequeno

Geraldo teve um lucro de apenas 4,31%, considerando a sociedade com José Libânio. Uma explicação para o baixo resultado pode ter sido a alta porcentagem gasta em seu negócio durante a viagem dos animais, explica o autor do trabalho.

Geraldo afirma ter tido um gasto de três mil e quinhentos reis por animal, o que resulta um gasto total de quinhentos e trinta e nove mil reis. Segundo João Carlos, embora Geraldo não especifique, “estes gastos podem ser oriundos, por exemplo, de passagens por barreiras fiscais, pagamento aos condutores e/ou pagamento de pastagens em estações de invernada, que tinham como funções o descanso, a engorda e até mesmo a regulação do número de animais no mercado. Afinal, em se tratando de uma viagem de mais de 400 km é razoável crer que esta boiada fizera algumas paradas para descanso dos animais e dos seus condutores.”

Ao todo, foi empregada a quantia de quatro contos, cento e setenta e um mil reis nas 154 reses, resume o autor do estudo. “Ou seja, do gasto total 12,92% foi referente a estas despesas não especificadas por Geraldo.”

“O Tenente primeiro vendeu 40 reses no dia 15 de janeiro de 1870. Se julgasse que esta primeira remessa de animais teria sido vendida por um baixo preço, ele com certeza seguraria os demais em suas terras até esperar que o mercado estivesse favorável. Entretanto, ele diz ter findado as vendas dos animais comprados em 1869 no dia 26 de abril de 1870.”

“A distância de Uberaba até o distrito pode ser um fator que impossibilitava uma boa margem de lucro devido ao alto gasto necessário para esta viagem. O Distrito da Lage (…) possuía considerável número de animais que até eram criados nas fazendas locais. Já havia um mercado considerável no seio do distrito, que não precisava despender altos custos para locomoção.”

“Contudo, não se pode concluir o motivo pelo qual não valeu a pena o ´negócio do sertão´ em 1869. É preciso comparar os preços das compras e vendas dos animais efetuados por José Libânio e Geraldo com outros que o tenham feito à época. Entretanto, parece, até o momento, que o insucesso deveu-se a uma quantidade razoavelmente alta de animais no Distrito da Lage naquela época, onde eram criados.”

Casamentos dos filhos de Geraldo

Entre os 11 filhos de Geraldo, o primeiro a se casar foi Francisco Monteiro de Rezende, em janeiro de 1881. “Portanto, os casamentos dos filhos do Tenente ocorreram a partir do último quartel do Oitocentos, época em que uma intensa transformação política e social tivera início”, observa João Carlos.

Francisco casou-se com sua prima Christina Maria Monteiro de Rezende, da Fazenda da Cachoeirinha, “Termo de Lagoa Dourada”. A união obedeceu a lógica da época, de arrumar casamento com alguém de igual posição social e econômica e promover uniões entre parentes, enfatiza o autor do estudo. “E parece que pelo menos a maioria dos filhos desse casal ainda foram inseridos neste modelo, mesmo já no final do século XIX, época em que o casamento começava a se reconfigurar graças à influência do Romantismo.”

Geraldo Monteiro de Rezende uniu-se a Rita Augusta de Rezende e moraram na Fazenda da Cachoeirinha. José Joaquim Monteiro de Rezende e sua esposa e prima de segundo grau, Maria Senhorinha de Rezende (neta do Coronel Assis Resende), estabeleceram-se na Fazenda Bella Vista. Maria da Conceição Libânia de Rezende casou-se com Francisco de Paula Assis Resende, que, a exemplo de Maria Senhorinha, era filho de Antônio Pinto de Assis Resende, da Fazenda da Quitéria. O casal viveu na Fazenda do Ribeirão, atual Fazenda dos Mendes. Na Fazenda das Éguas, outrora denominada Fazenda Vista Alegre, instalaram-se Maria Christina de Rezende e seu marido Manoel Gonçalves de Rezende Maia, o Lilico.

Uma das filhas mais novas do Tenente Geraldo era Maria da Conceição Rezende, a Cota, que foi esposa de Marcos de Oliveira Braga. Este era filho do Coronel Antônio Carlos de Oliveira e de Inácia Cassiana da Cunha e, portanto, bisneto de José Pinto Coelho da Cunha, o Barão de Cocais. “Marcos e Cota viveram algum tempo na Fazenda Casa Nova, localizada próxima à Fazenda Rio do Peixe, onde Marcos e Evaristo (Augusto de Oliveira, seu irmão) nasceram.”

Sanico do Catimbau

Domiciano Pinto de Rezende, o Sanico do Catimbau, ficou morando na fazenda após a morte de Geraldo, seu pai. Filho caçula (nasceu em 31/05/1884), foi casado duas vezes: primeiro com Maria José de Rezende (setembro de 1906) e, com a viuvez, se casou com Lefonsina Augusta de Resende, irmã da primeira esposa. “As duas eram primas de Sanico do Catimbau (…) e filhas de Evaristo Pinto de Rezende e Anna Augusta de Souza, donos da Fazenda Córrego Fundo”, relata João Carlos.

Evaristo era filho de José Pinto e Anna Libânia, sendo esta irmã de Geraldo, prossegue o autor do trabalho. “Portanto, as duas irmãs eram primas de segundo grau de Sanico. Chama a atenção o fato de, mesmo já no século XX, ainda haver um casamento nos moldes oitocentistas. (…) Assim como ocorrera na união do Tenente Geraldo e Francisca, aparentemente os casamentos de seus filhos seguiam a mesma lógica, mesmo adentrando o século XX.”

 

 

 

 

Comentários

  • Author

    Ótimo o texto, só uma correção, Inácia Cassiana da Cunha da fazenda Rio do Peixe não era bisneta do Barão de Cocais!


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