Paróquia de Ritápolis traz de volta pintura do forro da capela-mor do Santuário Diocesano de Santa Rita de Cássia

A obra é do artista plástico são-joanense, Carlos Magno de Araújo, que reinterpreta a pintura original do século 18, desaparecida da igreja em meados da década de 1970, atribuída ao pintor Joaquim José da Natividade


Cultura

André Eustáquio0

fotoElementos artísticos que passaram a integrar o acervo sacro da igreja matriz de Santa Rita de Cássia (foto Pascom de Ritápolis)

Na noite do último dia 21 de novembro, a bicentenária orquestra são-joanense Ribeiro Bastos ocupou o presbitério da capela-mor do Santuário Diocesano de Santa Rita de Cássia, em Ritápolis, para um concerto especial. Os ritapolitanos celebravam a inauguração da bela pintura do forro da capela-mor, cuja representação original, de autoria do pintor setecentista Joaquim José da Natividade, fora retirada do seu lugar de origem em meados da década de 1970. A Ribeiro Bastos, conduzida pelo seu regente titular e presidente, Rodrigo Sampaio, escolheu obras de gênios da música sacra – Padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita (1746-1805) e Padre João de Deus de Castro Lobo (1794-832) – para abrilhantarem a programação da solenidade de apresentação e bênção dos novos elementos artísticos que passam a compor o acervo sacro do Santuário Diocesano de Santa Rita de Cássia.

Além da apresentação e bênção da pintura do forro da capela-mor, foram entronizadas no santuário a imagem de Nossa Senhora do Terço, esculpida pelo artista Welington Reis, natural de Carmópolis de Minas, a imagem barroca de São João Batista e uma tarja que se destaca sobre o arco do cruzeiro da igreja matriz. A solenidade foi presidida pelo pároco e reitor do Santuário Diocesano de Santa Rita de Cássia, padre Adriano Tércio Melo de Oliveira, e contou com a presença do vigário-geral da Diocese de São João del-Rei, padre Geraldo Magela da Silva, representando o bispo diocesano dom José Eudes Campos do Nascimento, além de autoridades municipais e de convidados.

A nova pintura do forro da capela-mor do Santuário de Santa Rita de Cássia é de autoria do artista plástico são-joanense, Carlos Magno de Araújo, que também estava presente na solenidade no santuário. O artista falou ao JL sobre a pintura de sua autoria e também da representação original atribuída ao mestre Joaquim José da Natividade. “A pintura do teto do Santuário de Santa Rita de Cássia, de Ritápolis, entregue neste dia 21 de novembro de 2020, foi de certa forma inspirada no risco e palheta deste grande artista e uma homenagem a sua criação para o interior deste espaço religioso. A obra original, desaparecida do presbitério da igreja nos anos 1970 e até hoje não se sabe do seu paradeiro, teria sido mais uma das pinturas realizadas nas igrejas do mesmo período [da antiga igreja de Ritápolis], com a intenção de catequizar, evangelizar e captar o fiel expectador”. Carlos Magno teve acesso a duas antigas fotografias em monóculo da pintura original, além de ter obtido informações de outras igrejas que também possuem obras do mestre Natividade. “Esse material serviu de suporte para a realização do trabalho atual em Ritápolis”, esclarece o artista são-joanense.

 

Mestre Natividade

O autor da pintura original do forro da capela-mor da igreja matriz de Ritápolis nasceu na segunda metade do século 18 e morreu em meados da década de 1840, em Baependi (MG). Estudioso da obra do mestre Natividade, o artista plástico Carlos Magno fala sobre o pintor setecentista que deixou obras em diversas igrejas de cidades do Sul de Minas e do Campo das Vertentes. “Sabe-se que ele iniciou seus trabalhos como aprendiz em Congonhas do Campo (MG), vindo posteriormente residir em São João del-Rei (MG), onde deixou alguns trabalhos realizados, e seguiu em direção a localidades próximas a São João e ao Sul de Minas. São encontrados trabalhos de sua autoria em cidades, como Ritápolis, Conceição da Barra de Minas, São Miguel do Cajuru, Madre de Deus de Minas, São Vicente de Minas, Andrelândia, Santana do Garambéu, Liberdade, Lavras, Carrancas, Baependi, São Thomé das Letras, dentre outras. A presença desse artista na cidade de Ritápolis certamente ocorreu na passagem do século 18 para o 19, coincidindo com o período no qual ainda vivia em São João del-Rei.”

De acordo com Carlos Magno, Joaquim José da Natividade pode ser considerado o mais importante pintor, desenhista de retábulos e dourador da fase final do século 18, ou seja, do período conhecido na história da arte como Rococó. Mestre Natividade foi, ainda segundo Magno, um dos maiores artistas desse período que percorreram as regiões das Vertentes e do Sul de Minas. “Suas pinturas de teto com perspectivas ilusionistas, cores ímpares e figuras humanas com roupagens de extremo realismo fazem do seu trabalho um primor nas decorações artísticas em cada templo no qual atuou. Esse excepcional artista também sabia fazer como ninguém arranjos florais nos fundos dos altares e oratórios, bem como pode ser considerado o mais importante policromador e dourador de imagens sacras do Brasil colonial”, comenta o artista plástico.

 

Resgate da cultura e valorização da religiosidade

A pintura inaugurada no forro da capela-mor do Santuário de Ritápolis significa muito mais do que uma representação artística. Ela vai ao encontro dos anseios de uma comunidade de fé. O pároco e reitor do Santuário Diocesano de Santa Rita de Cássia fala sobre o trabalho realizado na comunidade. “A ideia começou quando tomei conhecimento de que, no passado, havia uma pintura antiga no forro da capela-mor da igreja e que foi retirada na década de 1970. Tivemos contato com duas pequenas fotografias que nos possibilitaram ver como era a pintura original. Portanto, a partir dessas fotografias, da memória de pessoas que se lembram da pintura original e da vontade do povo de ver de novo a capela-mor pintada, demos início à concretização desse grande sonho”, diz padre Adriano Tércio.

Não bastavam, porém, somente o desejo e as lembranças da comunidade.Para a realização do ambicioso projeto, era necessário encontrar um artista capaz de executar com maestria, em pleno século 21, as ideias e os elementos genuínos que inspiraram o mestre Natividade no final do século 18. Padre Adriano não teve dúvidas de que esse artista seria o são-joanense Carlos Magno de Araújo. “O trabalho tornou-se possível a partir das fotografias encontradas e também do apoio quase que unânime da comunidade, que foi consultada através das instâncias legais, como Conselho Municipal de Patrimônio, conselhos paroquiais e a Diocese de São João del-Rei. A partir daí, entrei em contato com o artista plástico Carlos Magno de Araújo, que prontamente aceitou o desafio de reproduzir no forro da capela-mor praticamente uma réplica da pintura original atribuída ao mestre setecentista Joaquim José da Natividade.”

A pintura representa Santa Rita recebendo em sua testa a estigma ao contemplar o crucificado. O medalhão principal é rodeado pelos doutores da Igreja. Carlos Magno traduziu com singeleza o episódio místico que marcou a vida de Santa Rita e que inspira seus devotos. A contemplação da obra que cobre o teto da capela-mor de Ritápolis arrebata quem se propõe a imergir-se na mística a fim de se elevar ao sagrado, tendo como guia a inspiração do belo.

Padre Adriano destaca a importância para a Igreja de resgatar e preservar o seu patrimônio histórico e cultural. “Essa importância se dá no momento em que a própria Igreja perdeu, ao longo dos anos, grande parte do seu rico patrimônio histórico e arquitetônico. A meu ver, a recuperação da arte sacra, enquanto expressão da fé e do amor do povo às coisas de Deus, é como que um resgate do patrimônio principal, que é a manutenção da espiritualidade do povo. A arte eleva o espírito à contemplação. Portanto, o belo precisa ser mantido e reverenciado.”

O artista Carlos Magno elogia a iniciativa do povo e do pároco de Ritápolis de resgatar parte da história da comunidade que havia desaparecido desde a década de 1970. “É importante salientar que a pintura desse teto teve o objetivo de saciar um desejo antigo da comunidade cristã local de recompor a lacuna que a retirada do original provocou e ao mesmo tempo devolver ao ambiente interno do templo a atmosfera da concepção original. A iniciativa do pároco local, juntamente com a comunidade católica e o Conselho Municipal de Patrimônio, com o aval da diocese, foi uma atitude louvável não só para o resgate do patrimônio histórico em si, como também para preencher uma lacuna irreparável na história de fé da cidade de Ritápolis.”

De acordo com padre Adriano, ainda há muito trabalho pela frente e o objetivo é continuar lutando pelo resgate e pela divulgação da história da comunidade, que, além da rica devoção a Santa Rita de Cássia, tem orgulho de ser berço do herói e mártir da Inconfidência Mineira, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. “Para o município de Ritápolis foi de grande importância esse resgate, uma vez que a paróquia e, consequentemente, a cidade, perdeu muito do seu patrimônio ao longo de décadas. É desejo nosso continuar esse trabalho e buscar valorizar a importância das obras de arte que evangelizam e tocam o coração do nosso povo. Precisamos, sem dúvidas, valorizar e manter o que ainda restou do rico patrimônio cultural, artístico e religioso do município de Ritápolis”, conclui padre Adriano Tércio.

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