Portugal comemora os 130 anos do nascimento de Fernando Pessoa

No Brasil, Fernando Pessoa sempre está presente nos saraus. É o caso da poetisa paulistana Valdyce Ribeiro, que abre os seus saraus semanais com um texto do autor português.


Cultura

José Venâncio de Resende0

Biblioteca da Casa Fernando Pessoa em Lisboa (Foto José Venâncio)

Durante quatro dias, de 13 a 16 de junho, a Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, promoveu eventos para celebrar os 130 anos do nascimento do poeta, que é considerado um dos autores portugueses mais reconhecidos no mundo. A programação incluiu um encontro internacional de poesia, sessões para a infância, leituras de textos censurados no tempo de Pessoa e concertos.*  

“A nossa intenção é prolongar as celebrações do aniversário ao longo de todo o ano, sob o tema ´Pessoa 130´”, diz Clara Riso, presidente da Casa Fernando Pessoa. Isso significa que as comemorações vão coincidir com a data da morte do poeta (30 de novembro de 1935), ocorrida na casa do bairro Campo de Ourique (região central), onde ele viveu desde 1920. O imóvel foi adquirido pela Câmara Municipal de Lisboa no final dos anos 80. Em 30 de novembro de 1993, aniversário da morte do autor, a Casa Fernando Pessoa foi inaugurada e aberta ao público, portanto estará completando 25 anos.

Dono de vasta obra, Pessoa deixou cerca de 30 mil papéis manuscritos, que estão depositados na Biblioteca Nacional de Portugal, a qual faz o seu tratamento e salvaguarda a sua conservação, conta Clara. “Parte deles, tratados e digitalizados, pode ser encontrada online (www.casafernandopessoa.pt). Há ainda uma percentagem considerável de manuscritos que está a ser analisada pelos investigadores.”

 A partir da análise dos manuscritos, esses investigadores (acadêmicos) organizam e publicam obras do (ou sobre o) autor. Recentemente, foram publicadas em Lisboa três obras de Fernando Pessoa: Sobre a Arte Literária (Colecção Pessoa Breve), edição de Fernando Cabral Martins e Richard Zenith, Assírio & Alvim, 2018; Fausto, edição de Carlos Pitella, Tinta-da-China, 2018; e Teatro Estático, edição de Filipa de Freitas e Patricio Ferrari, Tinta-da-China, 2017.

 Para assinalar os 130 anos do nascimento de Fernando Pessoa, a Assírio & Alvim lançou o livro Sobre a Arte Literária, com uma seleção de textos do poeta sobre literatura, história literária e escritores, que inclui três textos inéditos. A literatura foi o “grande amor da vida de Pessoa”, diz Richard Zenith, um dos organizadores da obra, que complementa: “Mesmo quando não parecia falar dela, a literatura estava sempre subjacente.”**  Camões, Antero, Shakespeare, Goethe, Wilde, Joyce e principalmente Antônio Botto são alguns dos autores que interessavam a Pessoa.

 Astrologia

Boa parte dos milhares de manuscritos de Pessoa trata de astrologia, alquimia e ocultismo, conta José Correia, consultor da Biblioteca da Casa Fernando Pessoa. O poeta não apenas escreveu sobre astrologia como também gostava de fazer mapa astral. Chegou inclusive a publicar anúncios em jornais, vendendo os seus serviços como astrólogo profissional.

 A faceta de astrólogo do autor foi retratada no livro “Fernando Pessoa – Cartas Astrológicas”, de Paulo Cardoso, que reúne “algumas dezenas das mais reveladoras cartas astrológicas erigidas por Pessoa”. Entre os inúmeros mapas astrais de sua autoria, podem ser citados os do escritor irlandês Oscar Wilde, de Napoleão Bonaparte, de Charles Dickens e de Shakespeare. Já o livro Poemas Esotéricos, da editora Assírio & Alvim, reúne várias poesias de Pessoa sobre o assunto.

O escritor não está presente apenas nos países de língua portuguesa. Pessoa tem a capacidade de levar a literatura e a língua portuguesas a longínquas partes do mundo”, observa Clara Riso. Tanto que está “traduzido para mais de 40 línguas e não faltando quem, mesmo sendo estrangeiro, saiba de cor versos ou passagens do Livro do Desassossego.”

 A Casa Fernando Pessoa tem exemplares de quase todas as traduções, segundo José Correia, consultor da Biblioteca. “Mas não temos, por exemplo, a vietnamita e a africana (África do Sul). Uma das últimas traduções que recebemos é para o bangla (Bangladesh). O poeta cabo-verdiano José Luís Tavares disse que já tem uma tradução para o crioulo, mas ainda não publicada.”

 É difícil saber quantas obras de (ou sobre) Fernando Pessoa existem publicadas, tanto na língua portuguesa quanto na forma de traduções. Sempre aparece informação de alguma publicação nova, de acordo com José Correia.

 A preservação da memória e da obra de Fernando Pessoa requer ainda muito trabalho, tanto em Portugal quanto em nível internacional, reconhece Clara Riso. “Especificamente este ano, para a celebração dos 130 anos do nascimento do autor (1888-1935), realizam-se muitas iniciativas que incidem sobre a biografia e os textos deixados por Pessoa: em escolas, bibliotecas, universidades e outros espaços culturais de diferentes localidades do país. Relativamente à dinâmica editorial, há novas edições a serem preparadas e há um trabalho rigoroso, por parte de editores e investigadores, que tem vindo a fixar os textos e que vem tornando acessíveis diferentes abordagens para o estudo de Pessoa.”

Bibliotecas

Na Casa Fernando Pessoa, encontra-se a coleção de livros que compuseram a biblioteca particular do autor. De acordo com Clara Riso, são cerca de 1200 livros, muitos deles anotados, que se podem encontrar digitalizados e de acesso livre no site da Casa (www.casafernandopessoa.pt). “Muitos exemplares trazem anotações de Pessoa, quer sobre a leitura quer sobre partes de poemas ou assuntos do cotidiano.”

Além da biblioteca particular do autor, existe ainda a biblioteca da Casa Fernando Pessoa. É especializada em Pessoa e em poesia mundial. Encontra-se ali quase tudo o que foi escrito por (e sobre) Pessoa, bem como os livros traduzidos para as diversas línguas. Por exemplo, a primeira publicação dos escritos de Pessoa, organizada por acadêmicos - o Livro do Desassossego (edição de 1982) publicado por Maria Aliete Galhoz -, “que lhe trouxe reconhecimento internacional”, segundo José Correia. É um espaço de leitura e de estudo acessível a todos.

 Na Casa, morada do escritor nos seus últimos 15 anos de vida, é possível ver o quarto reconstituído com o mobiliário, documentos e objetos pessoais (a máquina de escrever, por exemplo) do autor, bem como obras de artistas influenciados por ele, sua poesia ou literatura. No quarto, encontra-se, por exemplo, uma réplica da mítica arca (a original foi leiloada pela família) onde o poeta depositava seus papéis inéditos. Um dos documentos mais recentes a integrar o acervo, doado pela família em 2016, é a folha onde o escritor registrou a sua última frase “I know not what tomorrow will bring”, no dia 29 de novembro de 1935, véspera da sua morte.

 Visitar a Casa Fernando Pessoa é tomar contato com a originalidade literária do escritor, presente nos principais heterônimos criados por ele, como Álvaro de Campos, Alberto Caieiro e Ricardo Reis, e no semi-heterônimo Bernardo Soares. O mais importante é o mestre Caieiro, mais importante até do que o próprio Pessoa, diz José Correia. “O mestre Caieiro representa a vitória da inocência sobre o pensamento.”

Em 2017, a Casa Fernando Pessoa recebeu a visita de 32.681 pessoas, das quais 19.523 são portugueses e 13.158 são estrangeiros. Desse total, 7.181 alunos de escolas nacionais e estrangeiras visitaram a Casa.

Saraus brasileiros

A poetisa paulistana Valdyce Ribeiro tem duas coisas em comum com Fernando Pessoa: além de poeta, é contadora. Ela realiza, em média, um sarau por semana em São Paulo, “onde a poesia em várias linguagens é o foco principal. Alguns acontecem em espaços abertos ao público (livrarias, casas de cultura, bibliotecas) e outros restritos (residências, clubes, escolas, empresas).”

Nem é preciso dizer que Fernando Pessoa está presente em todos os saraus. “Abro todos os saraus com um texto de Fernando Pessoa ´A poesia encontra-se em todas as coisas - na terra e no mar, no lago e na margem do rio. Encontra-se também na cidade - não o neguemos - (...)´ . Fernando Pessoa é o meu norte na poesia.”

A cada sarau, há uma surpresa, admite Valdyce. “O sarau é sempre uma surpresa, depende dos participantes. Já foram declamados ´Poema em Linha Reta de Álvaro de Campos´ e ´Autopsicografia de FP´, entre outros.”

Em junho, Valdyce fez questão de homenagear Fernando Pessoa no 22º sarau na Livraria Nobel, que aconteceu no dia 23. “Escolhi Tabacaria, de Álvaro de Campos, e, por ser um poema longo, várias pessoas leram trechos, começando por NÃO sou nada./ Nunca serei nada./ Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. (...). Foram momentos emocionantes declamar Fernando Pessoa numa data tão especial.”

A poesia, “em várias linguagens”, é o carro-chefe dos projetos culturais que Valdyce Ribeiro desenvolve. “Porém, há interatividade poética com outras artes; música, contação de história, dança, teatro e pintura; depende da manifestação dos espectadores participantes e eu, como organizadora e apresentadora, dou o ritmo. Mas também realizo oficinas de poesias, palestras e workshops em locais culturais, educacionais e empresariais.”

A poetisa realiza “sarau itinerante; portanto, realizo-o onde sou convidada ou quando estabeleço uma parceria para utilização do local na capital e em outros municípios vizinhos”. Para isso, conta com a colaboração do especialista em Turismo, Vanderley Scalize, “que insere o sarau num determinado pacote turístico, previamente analisado e estruturado”.

O sarau mensal da Livraria Nobel, no Shopping Mais Largo 13, em Santo Amaro (SP), já se tornou uma rotina. O próximo será em 21 de julho e, com certeza, os poemas de Fernando Pessoa estarão presentes. “Os anfitriões Solange e Marcos Mazia e seus colaboradores nos recebem com muita hospitalidade e participação.”

*Celebração dos 130 anos do nascimento de Fernando Pessoa: http://casafernandopessoa.pt/pt/cfp/noticias-publicacoes/quatro-dias-para-130-anos?eID=

**O que Pessoa escreveu sobre literatura e escritores: https://www.publico.pt/2018/06/21/culturaipsilon/noticia/o-que-pessoa-escreveu-sobre-literatura-e-escritores-1834686

 

 

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