Queijo Minas Artesanal: de ilhas dos Açores para o Campo das Vertentes


Economia

José Venâncio de Resende0

Queijo Minas Artesanal, não por acaso apontado o melhor do mundo (foto: Wanderson Nascimento).

O tradicional queijo Canastra, da serra de mesmo nome no Sudeste de Minas Gerais, foi apontado como o melhor do mundo pelo site TasteAtlas, especializado em ingredientes e receitas.  A lista com os 50 melhores queijos, segundo a audiência do site, foi divulgada no dia 20/6.

O queijo Canastra nada mais é do que Queijo Minas Artesanal (QMA) que nasceu na região do Campo das Vertentes, lembra Cláudio Ruas, do Casal Gastrô de Resende Costa (MG). “Os colonizadores portugueses vindos das ilhas dos Açores desembarcaram aqui com a receita e começaram a fazer o queijo; depois levaram o ´saber fazer´ para a serra da Canastra onde a produção ganhou força e fama.” Outras versões do QMA são os queijos do Serro, de Araxá e de outras oito regiões reconhecidas oficialmente como produtoras dessa receita, acrescenta.

Ruas explica que a diferença para os queijos brancos (frescos e resfriados) produzidos nas Vertentes, também feitos de leite cru em muitos casos, é que o QMA entre outras coisas leva o “pingo” (fermento lácteo natural extraído da produção do dia anterior) e também é maturado/curado em prateleiras de madeira e à temperatura ambiente (por 22 dias), como determina a legislação. “Essa receita vem sendo resgatada por uma nova geração de produtores ao longo dos últimos anos, inclusive por enxergarem o grande benefício do potencial turístico da região para esse tipo de atividade.”

Ilha de Pico

A verdadeira origem do Queijo Minas Artesanal é o arquipélago de Açores, mais especificamente as ilhas de Pico e São Jorge; não é a serra da Estrela, em Portugal continental, como se acreditava. Foi o que constatou Marcos Mergarejo Netto na tese de doutorado “A Geografia do Queijo Minas Artesanal”, defendida em 2011 junto ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP).

A tradição e a história recorrente apontam a serra da Estrela, em Portugal, como a procedência do QMA. Porém, Marcos não encontrou qualquer fonte idônea ou fato que comprovasse tal informação, “descrevendo apenas que o modo de fazer do queijo é semelhante àquele produzido naquela serra. Ou seja, percebe-se que ocorre uma simples repetição do que seria essa origem do QMA, sem a devida comprovação bibliográfica ou por outro meio qualquer”.

O próprio Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), por ocasião da concessão do registro e do título de Patrimônio Imaterial Nacional ao Queijo Minas Artesanal, relatou no dossiê interpretativo a origem do QMA como sendo da serra da Estrela. “O queijo artesanal de Minas Gerais e as características formas de sua confecção denotam uma tradição dinâmica radicada em sua origem nas técnicas típicas da serra da Estrela, em Portugal, e que em nossa história formataram formas de fazer próprias. Essa origem técnica que chega à América portuguesa com o colonizador é raiz de uma nova construção intimamente ligada, a cada tempo, à sobrevivência de colonos ibéricos, de indivíduos luso-brasileiros e por fim, de mineiros.”

No entanto, pondera Marcos, “é sabido que o queijo Serra da Estrela é feito com leite de ovelhas, assim como todos os demais queijos tradicionais produzidos em terras portuguesas continentais, sendo que, apenas os queijos portugueses produzidos nas ilhas açorianas são feitos a partir do leite de vaca, tal qual é feito o Queijo Minas Artesanal”. Para comprovar a verdadeira origem do QMA, o autor realizou uma comparação das características de ambos os queijos, tanto da serra da Estrela como das ilhas açorianas, Pico e São Jorge. Nesse sentido, examinou as descrições do dossiê interpretativo do IPHAN e do estudo realizado pela Direcção-Geral de Desenvolvimento Rural (DGDR), do governo português, coordenado por Ana Soeiro em 2001, para ambos os queijos.

Com base no estudo de Soeiro, o autor apresenta a descrição sobre o queijo produzido na ilha do Pico, reconhecido como Queijo do Pico. “O Queijo do Pico é um queijo curado, de pasta mole, de fabrico artesanal, fabricado a partir de leite de vaca cru, sendo descrito como um queijo curado, de pasta mole, pastosa, fabricado exclusivamente na ilha do Pico, de forma cilíndrica baixa, boleado, regular com ligeiro abaulamento lateral, com 16 a 17 cm de diâmetro, 2 a 3 cm de altura e um peso que varia entre 650 e 800 g. A crosta tem cor amarela e a 349 pasta interior cor branco-amarelada, textura irregular, apresentando-se com olhos, pouco compacta e muito untuosa. O sabor e activo e salgado. O teor de gordura e de cerca de 45 a 49% e a humidade varia entre 67 e 71%. Na sua composição entra leite de vaca, sal e coalho animal, o qual se encontra comercializado no mercado. O leite cru e coagulado com coalho animal a uma temperatura de 26-27º C. A coagulação demora cerca de 45 a 60 min. A coalhada e cortada em cubos de pequenas dimensões (a operação demora cerca de 4 min), deixando-se em seguida dessorar (sair o soro) durante cerca de 5 min.”

E continua: “O processo de moldagem e de prensagem e manual. E uma operação essencial, pois segue uma técnica tradicional invulgar denominada ?fazer as caras ao queijo?. Após esta operação, o queijo permanece ate ao dia seguinte na mesa de dessoramento, sendo depois salgado (a quantidade de sal utilizada e cerca de 21 g em cada face do queijo) e colocado na sala de cura durante 17 a 30 dias, a uma temperatura de mais ou menos 17º C e com humidade relativa de 75 a 80%. A armazenagem, conservação e transporte devem ser efectuados a uma temperatura entre 0 e 12º C”.

Em outra passagem: “Produzido na ilha do Pico, na área geográfica constante do Despacho da Secretaria Regional de Agricultura e Pescas n.o 96/32, de 11/10. O estatuto de Organismo Privado de Controlo e Certificação foi reconhecido ao IAMA — Instituto de Alimentação e Mercados Agrícolas, Comissão Técnica de Controlo e Certificação, pelo Despacho acima mencionado. Reconhecida a Indicação Geográfica pelo Despacho acima mencionado. Reconhecida e protegida a Denominação de Origem pelo Regulamento (CE) n.o 1265/98, de 16/06/98”.

São Jorge

A mesma descrição foi feita por Ana Soeiro sobre o Queijo de São Jorge, produzido na ilha açoriana de mesmo nome. Com base nas descrições, o autor estabeleceu a comparação entre os queijos citados. Os queijos do Pico e de São Jorge “são produzidos com leite cru de vaca, assim como o Queijo Minas Artesanal”.

Segundo Marcos, foram identificadas diferenças entre o queijo Serra da Estrela e os demais queijos analisados, como o período de produção e o coalho. “Quanto ao processo de maturação, não há qualquer semelhança em qualquer momento entre o Queijo Serra da Estrela e o Queijo Minas Artesanal. O queijo produzido naquela serra de Portugal guarda características de maturação que o distanciam completamente de qualquer semelhança, ao Queijo Minas Artesanal.”

O autor considera que, “é, no mínimo, razoável render-se às evidências, das enormes diferenças que caracterizam o modo de fazer do queijo Serra da Estrela em contraposição aos demais queijos citados, do Pico, São Jorge e o QMA, mesmo sem considerar outros elementos característicos dos mesmos”. A produção de queijos em Minas Gerais configura-se “não só como fator alimentar de subsistência e meio econômico, mas como forte elemento cultural, um elo entre as comunidades açorianas que aqui aportaram, constatando que aquele ´saber fazer´ transmigrado constituiu esse fator cultural, ou seja, o modo que os ilhéus encontraram, de manter parte de sua cultura original e fazer disso seu meio de vida, que acabou por se incorporar à cultura local, vindo a constituir, atualmente, um patrimônio imaterial nacional, o ´saber fazer´ do Queijo Minas Artesanal”.

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