Sabrosa, na linha de frente das celebrações de 500 anos da 1ª volta ao mundo por Fernão de Magalhães

O município português, terra natal de Magalhães, construiu obras marcantes relacionadas com o navegador e liderou a criação das redes mundiais de cidades e de universidades magalhânicas.


Cultura

José Venâncio de Resende0

Exposição "Primeira Volta ao Mundo" é um dos destaques de Sabrosa.

Sessenta anos atrás, ao ser criada com cerca de 10 associados, a Adega Cooperativa de Sabrosa inaugurava, num ato visionário, a marca “Fernão de Magalhães”, com a produção de uma bagaceira (aguardente de uva). Hoje, com cerca de 600 associados, a cooperativa tem várias categorias de vinho (moscatel, porto, branco, tinto e rosé) com a marca Fernão de Magalhães, inclusive premiadas no Brasil.

O escritor da terra Miguel Torga, que foi associado da cooperativa, mais do que ninguém soube cantar em prosa e verso a paisagem do Alto Douro Vinhateiro, buscando associá-la ao seu conterrâneo, o navegador Fernão de Magalhães que é nome de estrela (constelação Cruzeiro do Sul) e de nave da NASA. A estrofe final do poema Fernão de Magalhães é a prova cabal: “Ter um destino, é não caber no berço / Onde o corpo nasceu. / É transpor as fronteiras uma a uma / É morrer sem nenhuma. / Às lançadas à bruma, / Sem ver se foi vencido ou se venceu.”

A estas ações veio somar o intenso trabalho de ligação do nome de Sabrosa à imagem de Fernão de Magalhães, desenvolvido na gestão de José Manuel de Carvalho Marques (final de 2005 – início de 2017), na presidência da Câmara Municipal, que é chamado de “um grande esforço diplomático” pelo coordenador dos Serviços Culturais/Turismo, Alfredo Martins. Não é obra do acaso que nos dias de hoje Sabrosa – município de pouco mais de 7 mil habitantes - esteja na linha de frente dos preparativos para as celebrações dos 500 anos da primeira volta ao mundo pelo navegador e sua frota.

Diferenciação

Esse esforço diplomático tem duas faces importantes: a das obras de vulto e a das articulações. Apesar da crise econômico-financeira mundial que atingiu em cheio o seu mandato, José Marques conseguiu concluir a sua estratégia de afirmação de Sabrosa na região vinhateira, que é Patrimônio da Humanidade e com dinâmica turística muito forte. “Toda a estratégia de captação de recursos para investimentos ficou comprometida, mas nunca abdicamos de manter o projeto estratégico. Então, tentamos buscar uma gestão mais eficiente, sem ir ao bolso das pessoas.”

A ideia foi buscar esta afirmação pela diferenciação, já que Sabrosa pertence à mais antiga área demarcada do mundo e classificada pela Unesco como “Douro Patrimônio da Humanidade” na categoria “paisagem evolutiva e viva”. “Nós nos diferenciamos por um conjunto de referências, sobretudo duas associadas a Sabrosa: Fernão de Magalhães e Miguel Torga”, diz José Marques.

Assim, em 2006, a Câmara Municipal de Sabrosa, sob a liderança de José Marques, montou a estratégia em torno de Fernão de Magalhães, “maior referência universal da história associada a Portugal”. Seria também uma forma de apagar de vez a imagem de “traidor” que prevaleceu até a ditadura Salazar, por Magalhães ter estado a serviço do rei Carlos V da Espanha durante a grande navegação. Tanto que o brasão da família, que se encontra no local onde teria nascido Magalhães, foi “picado” por ordem do rei D. Manuel I sob a alegação de “traição” à pátria.

Foi assim que, na sua administração, José Marques construiu a escola básica Centro Escolar Fernão de Magalhães; a exposição Primeira Volta ao Mundo; o monumento a Fernão de Magalhães na rotunda de entrada da cidade; e, partindo da rotunda, a Avenida Cebu, em homenagem à cidade filipina onde morreu o navegador.

Outra obra de José Marques foi a construção do parque ao lado das piscinas climatizadas para a realização de eventos. “Inauguramos o parque com um concerto de B. B. King que estava numa turnê por grandes cidades europeias, como Barcelona. Então, propus que o parque ganhasse o nome desse grande rei do blues. Acho que é o único parque que tem o nome dele.” Um ano depois de sua morte, o músico foi homenageado com a presença da sua filha Claudette King e do português Rui Veloso, expoente do rock e do blues.

Rede de cidades

Uma das principais iniciativas da gestão de José Marques foi o projeto que deu origem à criação da Rede Mundial de Cidades Magalhânicas – que reúne municípios como Sabrosa (Portugal), Sevilha e Granadilla de Abona (Espanha); Ushuaia, Puerto de San Julián e Puerto de Santa Cruz (Argentina), Punta Arenas e Porvenir (Chile) e Cebú (Filipinas) - e da Rede de Universidades Magalhânicas. Ele ocupou a vice-presidência da Rede de Cidades entre 2013 e 2017, tendo o município de Sevilha (Espanha) na presidência. No Brasil, o Rio de Janeiro ainda não se filiou à rede, mas o município de São Sebastião (SP) já solicitou sua adesão.

Isto permitiu a integração de Sabrosa ao “mundo” de Magalhães, principalmente o estreitamento de vínculos com países como Filipinas, Espanha, Chile e Argentina. Tanto que, em 2013, Sabrosa sediou o primeiro encontro dos presidentes de Câmaras Municipais e Alcaldes das terras de origem da tripulação da expedição de Fernão de Magalhães. Esta iniciativa permitiu que se criasse uma rede de cooperação, principalmente com a Associação de Alcades do V Centenário de Espanha. Na ocasião, a associação doou um escudo (brasão) em pedra da família de Magalhães ao local onde teria nascido o navegador.

Em 2014, foi realizado em Sabrosa o terceiro encontro da Rede Mundial de Cidades Magalhânicas, quando o documento de sua fundação foi introduzido numa cápsula e encerrado na estrutura do monumento Fernão de Magalhães. A Câmara Municipal de Sabrosa iniciou o processo junto à Unesco de candidatura da rota da circum-navegação de Magalhães a Patrimônio da Humanidade, cujo acompanhamento se encontra sob a responsabilidade das Redes de Cidades e de Universidades Magalhânicas.

Toda esta articulação já rendeu frutos, relata José Marques. Um destes resultados foi o estreitamento de relações com as Filipinas. “Sabrosa está geminada com a cidade de Cebu, nas Filipinas, que tem 10 universidades. Tem sido imensa a visita de políticos, empresários e turistas, além de uma relação muito próxima com a embaixada em Portugal.” Este ano, por exemplo, cerca de 200 filipinos já visitaram Sabrosa. Também é grande a afluência de comunidades filipinas, como a de Madrid, e de grupos empresariais em busca de negócios.

Miguel Torga

Outra iniciativa da gestão de José Marques foi a construção do moderno e original Espaço Miguel Torga, na Freguesia de São Martinho de Anta, com o objetivo de salvaguardar e difundir a obra do escritor, bem como divulgar o território e patrimônio de Sabrosa inserido no Alto Douro Vinhateiro. O projeto deste centro de interpretação é de autoria de Eduardo Souto Moura, um dos principais arquitetos de Portugal. A obra já estava pronta quando Souto Moura ganhou o Prêmio Pritzker, espécie de “Nobel da arquitetura”, que recebeu das mãos do então presidente norte-americano Barack Obama. “Foi uma boa aposta. Assim, associamos um expoente da literatura com um expoente da arquitetura”, diz José Marques.

Torga, em seu livro “Portugal”, denomina “Reino Maravilhoso” à região de Trás-os-Montes, na vertente esquerda do Rio Douro, que “oficialmente vai de Vila Real a Montalegre, de Montalegre a Chaves, de Chaves a Vinhais, de Vinhais a Bragança, de Bragança a Miranda, de Miranda a Freixo, de Freixo à Barca de Alva, de Barca à Régua e da Régua novamente à Vila Real…”.

Sabrosa está a cerca de 15 km de Vila Real, ligada pela moderna EN 322 – rodovia considerada uma das duas principais “portas de entrada da região do Douro” – construída no governo do primeiro ministro José Sócrates com recursos do Estado português e de fundos europeus.

De Sabrosa para Vila Real e para o mundo. O escritor Miguel Torga comunga da mesma universalidade do seu conterrâneo Fernão de Magalhães, enfatiza Alfredo Martins. “É essa universalidade que convoca quando se refere ao nevegador que abarcou a Terra com a sua viagem de circum-navegação.”

O desejo de alcançar o mundo, presente no poema “Fernão de Magalhães” e nos “Diários, pode ser resumido na frase de Torga “O universal é o local sem paredes”, citada na conferência “Traço de União” que foi realizada pelo escritor em 1955 na cidade de São Paulo, Brasil.

Nos “Diários”, Torga cita o navegador várias vezes, como por exemplo “Fernão de Magalhães, o patriarca dessa conquista espacial da liberdade” (Diário IX, 2ª edição revista, Coimbra, Edição do Autor, 1977, pp. 93-94). Ou então o trecho: “Com um passado assim rico culturalmente, não são de estranhar milagres como o de, na curta distância que vai de Vila Real à vizinha Sanfins, se nos imporem as memórias diversas e gloriosas de Diogo Cão, do Morgado de Mateus, de Frei Manuel do Cenáculo, de Miguel Contreiras, de Fernão de Magalhães, de Manuel da Nóbrega” (Diário XVI, Coimbra, Edição do Autor, 1993, pp. 84-88). Ou ainda: “Fernão de Magalhães, um lusitano sem fronteiras” (Diário XII, 3ª edição revista, Coimbra, Edição do Autor, 1986, pp. 193-198).

Comemorações

Assim, Sabrosa prepara-se para as comemorações dos 500 anos da primeira volta ao mundo por Fernão de Magalhães, com ampla programação de eventos. “A Vila vai ficar toda engalanada, com pendões artísticos dedicados a Fernão de Magalhães e à viagem”, diz Domingos Manuel Alves Carvas, o atual presidente da Câmara Municipal que foi vice de José Marques.

Entre as atividades, estão previstos edição de livro traduzido de um escritor filipino sobre o navegador; participação em filme baseado no livro “Fernão de Magalhães para além do fim do mundo”, de Laurence Bergreen; participação ativa em documentário sobre a figura de Magalhães e a viagem; exposição internacional sobre locais, costumes, tradições e atrativos dos países aportados pela frota de Magalhães; elaboração de novo lay-out da Câmara Municipal condizente com as comemorações; peças de teatro e espetáculo musical com o tema do quinto centenário; concurso de fotografias sobre Magalhães e a viagem; trabalhos por alunos das escolas locais sobre os feitos de Magalhães; e dentro do possível participação na programação nacional.

O trabalho desenvolvido em Sabrosa catapultou José Marques para a presidência do projeto nacional denominado “Estrutura de Missão para as Comemorações do V Centenário da Circum-Navegação comandada pelo navegador português Fernão de Magalhães (2019-2022)”. A estrutura foi criada por Resolução do Conselho de Ministros em janeiro de 2017 e o programa de comemorações, com respectivo orçamento, foi aprovado em maio de 2018. O objetivo é “organizar as comemorações dos 500 anos da primeira volta ao mundo, em articulação com as instituições de ensino superior e instituições científicas, autarquias locais e demais entidades públicas e privadas”.

Trata-se de uma “matriz estratégica” para mobilizar a sociedade às comemorações, diz José Marques que deixou, em janeiro de 2017, a presidência da Câmara Municipal para assumir a estrutura. “A estratégia é aberta nos contextos nacional e internacional. Funciona um pouco como um sistema operativo aberto onde acolhemos ideias e projetos, tentando integrá-los no contexto da estratégia. Pretende-se que seja uma estrutura flexível e que seja mobilizadora e se articule com as instituições acadêmicas, científicas, culturais e sociais. O que queremos é o envolvimento das pessoas, sobretudo os nossos jovens, que possam ver nisso oportunidades.”

Para José Marques, “as comemorações simbolizam a primeira visão global e integral, o berço da navegação tanto dos oceanos quanto digital. Pretendemos assim valorizar o conhecimento, a ciência, a tecnologia, a capacidade empreendedora e de superação”. Ele considera que esse é um acontecimento com simbolismo transcendente. “A NASA chama esta viagem ´a primeira órbita ao planeta oceano´.”

Daí porque José Marques vê sentido que “as celebrações se associem aos dois maiores eventos com simbolismo transcendente, que são a órbita ao planeta oceano e a chegada do homem à lua, que completa 50 anos. Na prática, essas comemorações são a oportunidade de refletirmos sobre o presente e o projetarmos no futuro. Que problemas e desafios se colocam para este ´mar´, a nossa grande casa, 500 anos depois?”

Brinde

A Adega Cooperativa de Sabrosa vai lançar em 2019 a edição especial de vinho “Fernão de Magalhães 500 anos”, para que se possa brindar o quinto aniversário da primeira volta ao mundo. É a coroação do sucesso alcançado pela cooperativa que, nos últimos anos, não apenas lançou novos produtos como também evoluiu na promoção da imagem e na qualidade do produto, como explica a engenheira Celeste Marques, sua diretora e enóloga. Um exemplo é a modernização dos rótulos, com colocação da figura da esfera armilar no rótulo dos vinhos DOC (dominação de origem controlada) e a figura do astrolábio nos licorosos (porto e moscatel).

Um dos resultados deste trabalho foi o reconhecimento obtido pela marca Fernão de Magalhães no concurso internacional de vinhos do Brasil, promovido pela Associação Brasileira de Enólogos. Em 2017, o moscatel e o porto 10 anos foram premiados com medalha de ouro, enquanto o DOC (branco e tinto reserva) recebeu medalha de prata. Já em 2018, receberam as medalhas de ouro o moscatel reserva e os DOC tinto reserva e tinto.

Outro lançamento da Adega foi a edição especial comemorativa da data de nascimento do escritor Miguel Torga: um vinho tinto reserva com rótulos indicativos da obra dele.

A cooperativa tem uma produção anual de três milhões de litros, dos quais metade é destinada ao vinho porto. Grande parte deste porto é vendida a granel para empresas exportadoras. O vinho produzido pela Adega é destinado principalmente ao consumo em países europeus, bem como de brasileiros, chineses e equatorianos.

LINKS RELACIONADOS:

A figura de Fernão de Magalhães - http://portugalhistoria.blogspot.com/2008/02/figura-de-ferno-de-magalhes.html

Resolução do Conselho de Ministros n.º 24/2017 - https://dre.pt/home/-/dre/105808925/details/maximized

Resolução do Conselho de Ministros n.º 52/2018 - https://dre.pt/home/-/dre/115221284/details/maximized

 

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