SOMOS TODOS IRMÃOS

Campanha da Fraternidade 2024 – Fraternidade e Amizade Social<br> “Todos vós sois irmãos” (Mt 23,8)


Artigo

João Bosco de Castro Teixeira*0

fotoCartaz da Campanha da Fraternidade 2024 (Arte CNBB)

Mais uma vez a Igreja Católica no Brasil opta por celebrar o tempo da Quaresma, revestindo-o com as palavras, as cores, as artes e as ações da Campanha da Fraternidade. Este ano de 2024 a fraternidade se reveste com o aditivo da amizade social.

Vai nisso – amizade socialuma grande novidade, a meu aviso. A amizade é de per si uma atividade particular. Falar, pois, de amizade social é, me parece, algo estranho. Apreciaria mais a expressão “fraternidade e cuidado social”.

Há, no entanto, razões e justificativas para essa nova conotação da amizade. Foi o Papa Francisco, em seu admirável anúncio Fratelli Tutti, que cunhou a expressão amizade social. O Papa nos convida a ampliarmos o conceito de fraternidade, baseado na amizade social e no amor político, tendo o diálogo como caminho necessário para a cultura do encontro.

Francisco, e com ele a Campanha da Fraternidade, tem pleno conhecimento e convencimento de que a Fraternidade, a exigência da vida comunitária e o compromisso com o outro, estão no Coração do Evangelho. Mais ainda: Deus em Jesus não redime somente a pessoa individual, mas também as relações sociais entre os homens.

O texto da CF 2024, em antecipação e mesmo para justificar a expressão “amizade social”, introduz, valendo-se de Francisco, uma reflexão sobre o amor e sobre a amizade, em geral.

Amar é um viver livre de qualquer desejo de domínio sobre os outros; é romper cadeias que nos isolam; é saber de compaixão; é aventura sem fim que leva à convergência para um sentido pleno da mútua pertença; é a capacidade de alargar o próprio círculo de relacionamento e chegar também àqueles que não se sentem como parte do próprio mundo e interesse; é o que nos leva à construção de uma grande família na qual todos se sintam em casa.

 Amizade é o sentimento fiel de estima entre as pessoas, que nasce da livre oferta de si mesmo para se abrir ao mistério do outro.

E, então, a Amizade Social é a reconstrução de relações que superem a dominação e a exploração; é o antídoto contra um ser humano fechado em si mesmo e, consequentemente, contra um mundo fechado aos vulneráveis e improdutivos; é a convocação a valorizar o direito à vida, o direito ao seu desenvolvimento integral. Nesse sentido, contra a amizade social estão a rejeição gratuita, o ódio desmedido, o combate a pessoas por causa de suas ideias e propostas e a banalização da morte. Na amizade social não há espaço para o ódio, a indiferença, a exclusão. A amizade social se dá com uma fraternidade sem fronteiras, para além dos nossos gostos, afetos e preferências, abrindo-nos ao outro.

Convenhamos: nem sempre temos ouvido coisas semelhantes na nossa participação na vida de Igreja. Mas é hora. Vivemos hoje um tremendo paradoxo: fisicamente próximos, existencialmente distantes. É preciso fortalecer a consciência de que somos uma única família humana: “Vós todos sois irmãos e irmãs”. E a insistência na implantação de uma cultura do encontro tem seu fundamento teológico no próprio batismo que extingue, entre os filhos de Deus, qualquer hierarquia de dignidade, porque reveste a todos com a mesma túnica: a veste branca da vida em Jesus. Cultura do Encontro com Jesus e com os irmãos na primazia da compaixão e no anúncio da esperança, sinais que são antecipadores da salvação e subvertedores das lógicas que o nosso tempo tem construído como normativas.

O texto da Campanha se refaz a duas figuras bíblicas emblemáticas: a Caim e a Ruth. De Caim se lembra porque ele, antes de extirpar o irmão do mundo, já o eliminara do próprio coração. Que estupenda reflexão! E de Ruth fala porque, diante da insistência de sua sogra para que partisse, ela dizia: “Onde quer que permaneças, permanecerei contigo. Teu povo é meu povo. Teu Deus é meu Deus. Onde morreres, lá morrerei e lá serei sepultada”. Fraternidade levada até à morte.

Tudo isso encanta, e se justifica, pela verdade de que o Mistério da SS. Trindade é o Mistério da Comunhão e a ética humana dele se depreende na consequência de que não podemos nos realizar nem nos salvar sozinhos.

Nesse sentido, vale considerar o cartaz da CF 2024. O cartaz da identidade visual.

A identidade visual mostra a mesa de uma casa rodeada de convivas. É a síntese daquilo que a Campanha propõe aos fiéis. Casa/mesa: lugar de encontro, da conversa que anima, do pão que alimenta e do vinho que alegra; comer e beber juntos, sacramento do humano viver. A casa com suas janelas: que se abrem para o mundo, para o ambiente socioambiental da Criação. Convivas: cada qual na sua singularidade, expressão da fraternidade e amizade social; Francisco, frágil, com a cruz peitoral de Dom Helder, o visualizador da CF Nacional. Convite à Coleta Nacional da Solidariedade, no Domingo de Ramos, para socorro de centenas de projetos sociais por todo o Brasil.

O documento da CNBB é rico, não há dúvida. Na minha opinião, inalcançável para parte notável dos católicos envolvidos na Campanha. Muito extenso e, às vezes, com caráter muito mais acadêmico que pastoral. A Quaresma será um tempo pouco para o devido aproveitamento do enorme trabalho de sua elaboração. O mesmo hino da Campanha é extenso. E, terminada a Campanha, não imagino o que dele ficará.

A CF 2024 surtirá seus melhores efeitos com a acolhida das palavras de Is 54,2: “Alarga o espaço da tua tenda, estende as peles das tuas barracas, nada poupes”. E também quando fizermos da Igreja: uma morada ampla, capaz de dar abrigo a todos; aberta para o entrar e sair, em movimento, em busca do abraço do Pai e de todos os membros da humanidade.

 

*Professor aposentado da UFSJ, membro da Academia de Letras de São João del-Rei.

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