Sustentabilidade x desertificação em Portugal


Especiais

José Venâncio de Resende0

Desertificação, preocupação em Portugal (Fonte: Voz de Retaxo).

A imprensa portuguesa divulgou recentemente - no mesmo dia e de maneira isolada - reportagens sobre os temas desertificação e sustentabilidade, que, no entanto, não estão totalmente dissociados. Anos após a crise econômica, grande parte dos portugueses, a maioria idosos, ainda leva uma vida difícil mas já tem maior preocupação com a alimentação saudável e o meio ambiente. De outro lado, o país vive um “esvaziamento” do interior (evasão dos jovens, envelhecimento da população, introdução de monoculturas como eucalipto etc.), que reduz a resiliência da natureza contra incêndios, alterações climáticas e o risco da desertificação.

Para mais da metade dos portugueses (53,5%), o país ainda não superou a crise econômica do início dos anos 2010, diz o 2º Grande Inquérito à Sustentabilidade realizado em 2018 pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL) que ouviu 1600 pessoas. Daí porque o “sustento da vida corrente” ainda gere tanta insegurança.

Todo mês as pessoas tem de arranjar formas de gerir o orçamento familiar. O resultado é um “perfil mais notório do ´consumidor constrangido’, que faz contas a tudo”, disse à agência Lusa a pesquisadora do ICS Luísa Schmidt, uma das coordenadoras do estudo.

Como prova do sentimento de desconfiança, o desemprego ainda é a principal preocupação dos portugueses, apesar de os níveis terem descido nos últimos quatro anos de 14,3% para 7,4%. Representa 38,8% das preocupações com o chamado “sustento da vida corrente”, seguido dos baixos salários/poder de compra (29,2%) e do custo de vida (9,6%).

Outro conjunto de preocupações é o chamado “abalo de confiança no Estado”. Mais da metade dos portugueses (57,1%) consideram como grandes problemas do país a corrupção, o funcionamento/acesso à saúde e a credibilidade da classe política. Uma consequência é que mais de 50% escolheriam investir na saúde se houvesse dinheiro extra.

Alimentação e ambiente

A sustentabilidade abrange ainda a alimentação, que mostra uma disposição de 46% das pessoas em optar por maior consumo de vegetais. Mas peixe e carne ainda respondem pela mesa de 86% dos entrevistados. A maioria (65%) já come uma refeição de base vegetal pelo menos uma vez por semana, mas a carne e o peixe ainda ocupam uma posição central nas refeições dos portugueses, de acordo com o estudo.

Em relação aos hábitos de consumo, a maior parte diz que escolhe alimentos porque são ‘saudáveis’, ‘convenientes’ e/ou porque ‘dão prazer’ a comer. Quanto aos critérios na escolha do produto, os entrevistados sublinham sobretudo a relação de preço-qualidade percebida (frescura, aspeto, sabor, preço justo), seguida da origem do produto (origem local/nacional), produção e nutrição (valor nutricional, produção biológica) e critérios informativos (ingredientes e valor nutricional).

A exemplo da pesquisa de 2016, o perfil do “consumidor constrangido” (que tem de gerir constrangimentos econômicos pessoais ou familiares) ganhou peso, a par do “consumidor suficiência” (evita desperdício e o excesso de consumo). “A importância atribuída aos dois perfis revela que os portugueses continuam a dar peso à gestão cuidada do seu orçamento familiar, contendo despesas (particularmente na dimensão de gerir o orçamento para que não falte dinheiro)”, concluem os pesquisadores.

Verificaram-se ligeiras subidas em alguns perfis de consumidor relativamente à pesquisa de 2016. Destaques para o “prosumidor” (produz os seus bens/autossuficiência) e o “consumidor ético” (evita ou minimiza os impactos negativos sobre os outros e o ambiente), de um lado, e o “consumidor explorador” (busca bens e experiências novas, exóticas e diferentes), de outro.

As questões ambientais surgem em quarto lugar da lista de preocupações dos portugueses. Como destaque, aparecem a poluição dos oceanos e as alterações climáticas.

Desertificação

Uma tendência, ainda que incipiente, na mudança dos hábitos alimentares, aliada à maior consciência ambiental, poderá despertar a maioria dos portugueses para a percepção da gravidade do fenômeno da desertificação, identificado em auditoria recente do Tribunal de Contas.

Mais da metade (58%) do território nacional, no interior, encontra-se em risco de desertificação; ou seja, da degradação do solo que acaba por potencializar o maior risco de incêndios. E, de acordo com auditoria do Tribunal de Contas, tudo falhou no programa de combate à desertificação, criado em 2014: a estrutura de governação é ineficaz; faltam recursos humanos e financeiros; e não é possível controlar custos e avaliar resultados.

Os juízes consideraram que o programa, previsto para vigorar até o próximo ano, não está cumprindo o “compromisso de neutralidade da degradação do solo (ou seja, torná-lo mais fértil e sustentável)”, ainda que tenha um diagnóstico adequado e defina objetivos e linhas dirigidos aos principais riscos de desertificação. Dizem ainda que o Observatório Nacional de Desertificação nunca saiu do papel e nunca foi operacionalizado.

Assim, o Tribunal de Contas recomenda aos governantes, principalmente os ministros de Agricultura e do Ambiente, a revisão do programa de combate à desertificação e a criação de mais medidas de proteção e de adequação dos meios humanos.

O ministro da Agricultura, Luís Capoulas Santos, reconheceu, em entrevista à Rádio Observador, a gravidade do problema e a necessidade de melhorar a gestão do programa de combate à desertificação. Mas lembra que o problema existe desde os anos 30 do século passado, “portanto há quase 100 anos”.

A intensa mineralização dos solos, que ocorreu durante a chamada Campanha do Trigo no Estado Novo (Ditadura Salazar), levou à perda de muita matéria orgânica, sobretudo na parte sul do país, lembra o ministro. Já o programa nacional de combate à desertificação existde desde 1999, “portanto há 20 anos”, assinala Santos.

Na altura, uma resolução do Conselho de Ministros colocou em execução compromissos assumidos no âmbito das Nações Unidas, informou Santos. “Depois houve uma atualização desse plano que tem estado em execução desde sempre.” Mas, observa o ministro, este programa não tem orçamento próprio, nem funcionários e nem medidas próprias. “Este plano contém um conjunto de orientações e objetivos que depois são corporizados através dos diversos instrumentos que estão alocados nos diversos ministérios.”

Projetos em andamento

No caso da Agricultura, o ministro informa que existem vários projetos em andamento. Ele cita como exemplo medidas agroambientais do programa de desenvolvimento rural, abrangendo 241.700 agricultores (quase a totalidade dos agricultores portugueses) que recebem anualmente entre 170 milhões e 180 milhões de euros.

Outro exemplo são “as chamadas medidas de greening”, no âmbito da PAC (Política Agrícola Comum), “que obrigam cerca de 90 mil agricultores a adotar práticas amigas do ambiente, e que recebem por ano 166 milhões de euros desta componente”.

Quanto à necessidade de aumentar a capacidade de armazenagem de água – uma demanda da Conferação dos Agricultores de Portugal -, Santos relata que o governo deu início em 2016 ao Programa Nacional de Regadios. Um programa que “visa à expansão, à reabilitação e à modernização dos regadios existentes e a criação de novas áreas regadas”.

Este “ambicioso programa” destina-se “a aumentar a resiliência e robustez dos sistemas agrícolas, contribuindo igualmente para a adaptação às alterações climáticas, bem como para a fixação das populações, em particular nas zonas mais debilitadas pela dinâmica de despovoamento”. Até agora, já foram aprovados (e estão em execução) 319 projetos de regadio, que correspondem a 50 mil hectares de área e tem alocados 333 milhões de euros, informa o ministro.

Até o final deste programa em 2023, está previsto o investimento total de 580 milhões de euros para cerca de 100 mil hectares de regadio, conclui Santos. “No que diz respeito à necessidade de combater a desertificação e melhorar a defesa dos solos, assim como o uso eficiente da água, são preocupações assumidas por todo o setor agrícola e pelo governo, e que se estendem a imensas ações.”

Fontes: 

https://tvi24.iol.pt/videos/ecFontes:onomia/mais-de-metade-do-territorio-nacional-esta-em-risco-de-desertificacao/5d6fc2f70cf22219f09e543c

https://observador.pt/programas/noticiario/as-noticias-das-15h-52/?fbclid=IwAR0EF3-1lxeIKkYgnTxJML_9xTsF1iBdJMkJT66pnmIIkKIsyLqfDCTQlaQ

https://tvi24.iol.pt/videos/sociedade/maioria-dos-portugueses-acredita-que-crise-ainda-nao-foi-ultrapassada/5d6fabbc0cf2cdc8221939e1

 

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