Tonhão é condenado a cumprir pena de 23 anos e três meses por crime de feminicídio

Sentença do juiz Donizetti Nogueira Ramos, da Comarca de Resende Costa, aborda a crescente violência praticada contra as mulheres no Brasil


Da redação


Manifestação em frente ao Fórum de Resende Costa (foto Fernando Chaves)

No dia 29 de março de 2018, uma notícia chocou os moradores de Resende Costa – pequena cidade da região do Campo das Vertentes, com pouco mais de 11 mil habitantes. Em plena luz do dia, por volta das 12h e 30min, Luciana Aparecida dos Reis Martiniano foi brutalmente agredida com um golpe de faca no abdômen pelo seu ex-companheiro José Nicodemos de Jesus Neto, o Tonhão. Ali, no meio da rua José Coelho, centro de Resende Costa, Luciana perdeu a vida aos 28 anos. Ela deixou uma filha de 3 anos, fruto de um relacionamento de aproximadamente seis anos com Tonhão.

O assassinato da jovem Luciana causou enorme comoção entre os moradores de Resende Costa. Tonhão foi preso poucos dias depois de cometer o crime e, no último dia 06 de dezembro de 2021, foi julgado e condenado pelo Tribunal do Júri da Comarca de Resende Costa por crime de feminicídio praticado contra a ex-companheira dele.

O júri considerou que Luciana foi assassinada por seu ex-companheiro por motivo fútil, sendo que não teve nenhuma condição de se defender da selvageria do golpe de faca que a fez perder a vida no auge da juventude.

O assassinato de Luciana é mais um crime violento praticado contra uma mulher. O enredo é sempre o mesmo: começa com agressões verbais, avança para humilhações, passa por crises doentias de ciúmes e culmina em golpes muitas vezes fatais. Luciana foi vítima desse enredo macabro, assim como centenas de mulheres, todos os dias, Brasil a fora, sofrem nas mãos de namorados, maridos ou companheiros violentos e muitas vezes sádicos.

O juiz de direito da Comarca de Resende Costa, Donizetti Nogueira Ramos, sentenciou Tonhão a cumprir pena de 23 anos e três meses de reclusão, em regime fechado no início.

De acordo com o Código Penal Brasileiro, a pena prevista para esse tipo de crime varia de 12 a 30 anos de reclusão. Segundo dr. Donizetti, José Nicodemos, o autor do crime de feminicídio que ceifou brutalmente a vida de Luciana Aparecida dos Reis Martiniano aos 28 anos de idade, recebeu uma das maiores penas já aplicadas a uma pessoa por crime de homicídio em Resende Costa.

A sentença aplicada ao Tonhão, de autoria do juiz Donizetti Ramos, que presidiu o julgamento do réu, é uma brilhante peça jurídica, mas, além disso, pode ser considerada uma reflexão para a sociedade sobre o agravamento hodierno de crimes violentos perpetrados contra as mulheres.

O JL teve acesso ao resumo da sentença, disponibilizado pelo Fórum da Comarca de Resende Costa, e publica parte do texto.

 

“Antes de adentrar na questão do mérito deste julgamento devo, por razão de consciência e ofício, fazer breve relato sobre o que entendo por questão da mulher no contexto da história:

Quando o criador universal criou o homem, soprando-lhe nas narinas e dando-lhe o fôlego da vida, viu que não era bom que o homem vivesse só e, por isso, criou a mulher a partir de uma das costelas de Adão. Isto está no livro de Gênesis, o primeiro do Pentateuco, escrito por Moisés sob inspiração divina.

Ora, Deus não fez um saco de pancadas, uma empregada ou uma escrava para o homem, mas, sim, fez para o varão uma companheira, alguém que iria lhe acompanhar por toda sua vida.

Mas o que vemos ao longo de toda a história, dos primórdios ao mundo hodierno, que a sociedade é machista, dominada por homens que não aceitam a ideia de compartilhar seu mundo com as mulheres.

A mulher teve que abrir caminho por sua conta, e luta constantemente para conseguir seu tão sonhado lugar ao sol. E bravamente isto vem sendo conseguido, felizmente, ao longo dos últimos tempos.

Da rainha Cleópatra do Egito antigo à cantora Adele neste século, passando dentre outros por nomes consagrados como Maria Madalena, Anne Frank, Malaia Yousafzai, Frida Kahlo, Dorothy Mae Stang, Joana D’arc, Simone de Beauvoir, Margaret Thatcher, Madre Tereza de Calcutá e tantas outras, temos exemplos de mulheres virtuosas que marcaram a história mundial.

Em terras tupiniquins temos nomes grandiosos também, do importe de Chiquinha Gonzaga, Fernanda Montenegro, Cecília Meireles, Tarsila do Amaral, Cora Coralina, Irmã Dulce e… Maria da Penha (a mulher que foi espancada pelo marido até ficar paraplégica e depois lutou para criar a Lei Maria da Penha, destinada a dar mais proteção às mulheres).

Todavia, infelizmente, a maioria das mulheres segue em sua vida de subserviência e dependência de seus maridos, de seus “homens”. Esta é a história de vida do que podemos chamar de a mulher média brasileira. Esta que vive dia a dia a cuidar dos filhos e do marido e espera toda noite a chegada deste em casa, não sabendo com qual temperamento seu esposo irá adentrar no lar, ou seja, se irá receber um carinho ou um tapa na cara. Se irá receber flores ou uma facada.

Sim, o adágio popular nos mostra que em uma mulher não se bate nem com uma flor. Mas se não batem com a flor, o fazem de modo mais grave, batendo com um pau, um tapa, uma faca ou outro instrumento.

Caso emblemático e que até hoje repousa na memória nacional foi o de Raul Fernando do Amaral Street, o Doca Street, que, em 30 de dezembro de 1976, tomado de fúria, matou a pantera de Minas, Ângela Diniz, em Armação de Búzios, litoral norte fluminense, frequentado por estrelas nacionais e internacionais. Entre as mais famosas, a atriz francesa Brigitte Bardot. Doca desferiu quatro tiros contra a moça mineira, sendo três no rosto e um na nuca, deixando-a totalmente transfigurada. O motivo do crime foi a não aceitação, pelo assassino, da escolha de Ângela em terminar o relacionamento que mantinham.

Submetido a julgamento, em evento épico na época, foi absolvido por legítima defesa da honra, como se fosse possível e normal um homem defender sua suposta honra matando uma mulher.

A absolvição de Doca Street provocou imediata reação das mulheres Brasil afora. Passaram a exigir o fim de tamanho absurdo de usar o subterfúgio da legítima defesa da honra para o homem que mata a mulher e, principalmente, o fim da violência contra o “sexo belo” e não o “sexo frágil”, esta expressão extremamente machista que em nada mostra o real alcance do que seja uma mulher.

Levado a um segundo júri, pouco tempo depois, no mesmo local, Doca Street foi condenado a 15 anos de reclusão. O que mudou para que isto acontecesse? A mudança de comportamento, o fortalecimento do movimento das mulheres e o desejo de impregnar na sociedade a igualdade entre homens e mulheres, de modo a não mais permitir que os incautos homens continuassem a agredir, machucar e matar as mulheres.

Infelizmente o avanço daquela época não atingiu os rincões deste país. Diga-se de passagem, até mesmo em grandes centros, a violência doméstica e familiar ainda impera. Basta ver as mídias sociais para verificar estes fatos ocorrendo entre pessoas da chamada “alta sociedade”.

Pois bem, em Resende Costa isto não é diferente. Há vários e vários processos em que homens continuam a bater nas mulheres, como se fossem suas propriedades.

A sequência destes atos é, não raras vezes, de fim trágico, com a morte da vítima, como ocorreu no caso deste processo.

E o que aconteceu depois do crime cometido pelo réu? José Nicodemos, vulgo “Tonhão”, tornou-se uma espécie de ícone para os machistas de plantão de Resende Costa. Em muitos processos surgidos após o crime de José Nicodemos os agressores disseram para suas mulheres: “Eu vou fazer igual ao Tonhão, te mato e depois fujo”. Sim, minhas senhoras e meus senhores, o réu virou um exemplo para muitos homens. Exemplo, logicamente, de algo que não se deve fazer.

Tanto foi exemplo para outros homens que há menos de 48 horas atrás, houve outro trágico assassinato nesta urbe. Mais uma vez houve um assassinato de uma esposa que deixou órfãos três filhos, dentre eles um menor de seis anos de idade.

Mas é isto que queremos para nossa cidade? Para nosso mundo? Não, não e não. Chega de tanta agressão, de tanta humilhação, de tantas mortes das infelizes mulheres.

Não precisamos de falsos exemplos, de homens que vivem como se ainda estivéssemos nos tempos das cavernas. O mundo progrediu, o ser humano inventou o avião e dominou os ares, pisou na lua, erradicou doenças antes mortais, desenvolveu sistema de comunicação que nos permite conectar com outrem na Tailândia em fração de milésimos de segundos. Contudo, no tema particular da relação homem/mulher ainda vivemos milênios de atraso.

Por isso essa luta, essas mudanças, essa garra feminina têm que prosseguir. Tem que se dar um fim, um basta a este estado de coisas. Chega de se entender o assassino como herói.

Após o crime cometido pelo réu destes autos, foi implantado o acompanhamento regular das vítimas de violência doméstica por parte do CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) da Prefeitura local, mobilizando as mulheres desta cidade de forma não antes vista, com o fito de combater a violência doméstica. Prova disto é a intensa mobilização realizada na data de hoje na praça em frente a este Fórum.”

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