Universidade de Coimbra decide banir carne de vaca de cantinas em nome do meio ambiente

Enquanto isso, aumenta o número de carros poluentes, à base petróleo, nas estradas portuguesas


Especiais

José Venâncio de Resende0

Universidade de Coimbra onde a carne de vaca já não entra.

Em decisão polêmica, a Universidade de Coimbra (UC), com 729 anos de existência, decidiu eliminar o consumo de carne de vaca nas cantinas universitárias a partir de janeiro de 2020. O anúncio foi feito, nesta terça-feira, 17, pelo reitor Amílcar Falcão, durante a sessão de acolhimento dos novos estudantes para o ano letivo 2019/2020. Este será o primeiro passo para que, até 2030, a UC se torne “a primeira universidade portuguesa neutra em carbono”, acrescentou. “Vivemos um tempo de emergência climática e temos de colocar travão nesta catástrofe ambiental anunciada”, disse perante centenas de alunos.

Além da eliminação total do bife de vaca nas cantinas universitárias, o reitor da UC defendeu ainda “a criação de formações e cursos vocacionados para a temática das alterações climáticas e economia verde, a expansão dos painéis solares pelos diversos pólos universitários, o descongestionar do excesso de trânsito na zona histórica, a criação de mais espaços verdes nas instalações universitárias e o revisitar das ementares alimentares nas cantinas”.

A carne de vaca será substituída “por outros nutrientes que irão ser estudados, mas que será também uma forma de diminuir aquela que é a fonte de maior produção de CO2 que existe ao nível da produção de carne animal”, disse o reitor aos jornalistas. Por ano, cerca de 20 toneladas de carne de vaca são consumidas nas 14 cantinas universitárias da UC.

“Eu creio que o maior impacto é a consciencialização das pessoas para o problema. Aquilo que é mais dramático é ver os líderes mundiais a não perceberem que está em causa o futuro do planeta e dos nossos jovens, dos nossos filhos e netos e isso é demasiado preocupante para não alertarmos para o problema, mesmo que sejam pequenos gestos”, observou Falcão de acordo com a agência Lusa.

Entre outras medidas anunciadas pelo reitor, estão a substituição do plástico no “kit” de recepção aos novos estudantes por objetos metálicos e as embalagens e utensílios descartáveis por paletinas de madeira e palhinhas de papel; uma “política rigorosa contra o desperdício alimentar, promovendo a eficiência na utilização dos alimentos”; e a colocação de ecopontos e contentores para os vários tipos de resíduos nas residências universitárias. Os novos alunos também serão convidados a aderir ao programa “UC.Plantas”, que consiste na plantação de uma árvore no Jardim Botânico, a ser transferida para espaços verdes da região, “reflorestando zonas devastadas por incêndios ou por tempestades”.

Reações

Em entrevista à TVI, a nutricionista Bárbara Oliveira, uma das idealizadoras do movimento “Setembro sem carne”, considerou positiva a medida da UC, tanto do ponto de vista alimentar quanto ambiental. Ela lembrou que o movimento surgiu antes da polêmica lançada pela UC. “Essa ideia surgiu com os fogos na Amazônia durante o último mês de agosto. Viu-se que havia uma sede por parte da população de querer ajudar. Faziam muitas partilhas de imagens, assinavam petições…”.

Então, Bárbara e a colega Ana Monteiro, autora do blog “Laranja Lima”, decidiram impulsionar o movimento. Entraram em contato com outros bloggers, como médicos, nutricionistas, eld coachings e chefes de cozinha, decidindo em conjunto “desafiar a comunidade que segue o nosso trabalho a fazer um Setembro sem carne”. Assim, todos os dias, cada um lança uma receita “simples e saborosa, sem carne, para que a população consiga seguir o desafio”, explicou Bárbara. “Também lançamos um menu semanal, com uma lista de ingredientes, uma lista de compras, para que seja mais fácil as pessoas aderirem ao desafio.”

A ideia é que as pessoas substituam a carne por peixes, ovos, leguminosas e produtos derivados de soja, por exemplo, como o tofu. “Nós não queremos que as pessoas deixem totalmente de comer carne. O que queremos é fazer com que as pessoas estimulem a sua imaginação e consigam variar, ter mais refeições sem carne.”

Houve muitas adesões, segundo Bárbara, com mais de 2500 publicações de pessoas, acrescidas da participação do agregado familiar, além de muitas partilhas na forma de imagens, fotos, mensagens e stories no instagram. Portanto, com o nosso #setembrosemcarnept. 

“Perplexidade”

A Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) exprimiu a sua “profunda perplexidade” com a decisão da UC. Em nota enviada à agência Lusa, a entidade disse que “a invocada ‘emergência climática’, desígnio que a todos convoca, não deve – não pode – servir de pretexto para a tomada de decisões infundadas, baseadas em alarmismos incompreensíveis”.

“Esta decisão, tomada num contexto universitário, espaço de liberdade e de conhecimento, ainda causa maior perplexidade”, criticou a CAP. “A anunciada imposição, que privará alunos, professores e funcionários, de um elemento que faz parte da dieta alimentar portuguesa e mediterrânica, é uma limitação à sua liberdade de escolha e contribui para confundir os portugueses, porque é alarmista e assenta em pressupostos infundados.”

Segundo a CAP, a agricultura, onde se inclui a floresta e a pecuária, é a principal atividade desenvolvida pelo homem que mais contribui para a captura de carbono, salientando que “o esforço de descarbonização faz-se com a agricultura e com os agricultores e não contra a agricultura e contra os agricultores”.

“As pastagens biodiversas fixam mais toneladas de dióxido de carbono (CO2) do que aquelas que são emitidas, ou seja, há um balanço positivo, que será tão mais positivo quanto mais produzirmos em território nacional com o nosso tradicional tipo de produção”, argumentou a entidade.
“Condenamos a adoção de uma medida deste tipo, que contraria o que devem ser políticas públicas responsáveis e coincidentes com a estratégia nacional de desenvolvimento sustentável e de descarbonização da economia e apelamos a que alunos, professores e funcionários se oponham a esta decisão”, concluiu a entidade.

Também a Associação dos Produtores de Leite de Portugal (APROLEP) apresentou um veemente protesto perante o anúncio da UC. É incompreensível que o reitor de uma universidade com setecentos anos de história queira banir um alimento com milhares de anos e que terá contribuído para o desenvolvimento do cérebro dos nossos antepassados, disse a associação à agência Lusa.

As nossas vacas são criadas com cada vez mais cuidados de bem-estar animal e alimentadas com 80% de alimentos produzidos nas terras que cultivamos. Os restantes 20% incorporam subprodutos da indústria alimentar que o ser humano não consegue digerir e que doutra forma seriam desaproveitados, acrescentou a APROLEP.

Disse ainda que o trabalho dos produtores é baseado na experiência de gerações e apoiado e orientado por agrônomos, zootécnicos e veterinários que estudaram nas universidades e que aconselham com base na investigação e na melhor evidência científica.

A associação lembrou que Portugal importa quase 50% da carne bovina que consome. Assim, quem se preocupa com a pegada ecológica dos alimentos pode começar por escolher carne nacional, sem consumo de combustíveis na importação e baseada na pastagem ou cultivo de terras que de outra forma ficariam abandonadas, sendo pasto privilegiado para incêndios.

Não ignoramos as alterações climáticas. Como agricultores, seremos os primeiros a sofrer. Faremos a nossa parte para que a agricultura e pecuária sejam parte da solução, mas precisamos da massa cinzenta das universidades para sermos mais eficientes numa agricultura de precisão, concluiu.

Mais veículos poluentes

Enquanto se discute a proibição da carne de vaca nas refeições da UC, chega a informação de que Portugal sobe para a 10ª posição (um lugar acima de 2018) entre os Estados-Membros da União Europeia (UE) onde circulam mais veículos poluentes. Segundo a ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, são 846 mil veículos poluentes a gasóleo (diesel) a circular nas estradas portuguesas.

O novo estudo da Federação Europeia dos Transportes e Ambiente (T&E), da qual a ZERO é membro, mostra que as primeiras posições são ocupadas por Alemanha (9,9 milhões), França (9,8 milhões) e o Reino Unido (8,5 milhões). Se forem incluídos Itália, Espanha e Bélgica, esses seis países representam 81% de toda a frota de veículos a gasóleo mais poluentes da UE.

Assim, continuam a circular nas estradas europeias 51 milhões de veículos poluentes a gasóleo, um número que continua a crescer. A análise mostra que o Grupo Volkswagen é responsável por mais de um quinto de todos os veículos mais poluentes na UE (11,6 milhões), seguido por Renault-Nissan (8,1 milhões) e PSA Group (7,2 milhões, excluindo a Opel e a Vauxhall).

Entre 2018 e 2019, o número de veículos a diesel a circular nas estradas europeias aumentou de 43 milhões para 55 milhões.

LINKS:

“Setembro sem carne”: nutricionistas desafiam portugueses a fazer uma receita por dia à base de plantas -
https://tvi24.iol.pt/videos/sociedade/setembro-sem-carne-nutricionistas-desafiam-portugueses-a-fazer-uma-receita-por-dia-a-base-de-plantas/5d81efd20cf29842405a28c1

Discurso de Amílcar Falcão, Reitor da Universidade de Coimbra, na cerimônia de Abertura Solene das Aulas do ano letivo 2019/2020
http://noticias.uc.pt/universo-uc/abertura-solene-das-aulas-20192020-discurso-do-reitor-da-uc/?fbclid=IwAR22BYYi4UgoBHRwv7nzIFHjeOtpOIYNbA9asCzmN9Zm5Fn17oIBzHsIrTI

 

 

 

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