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A vida é um susto

17 de Marco de 2021, por José Antônio

Vida e morte. Será que uma se alimenta da outra?

A morte de Brás Cubas deu vida à literatura... mas a vida da literatura deu morte a Dom Quixote.

Tenho comigo que vida e morte se completam, sendo que uma não existe sem a outra. Porém, penso eu cá com minhas vidas e mortes, cada uma tem sua especificidade. A morte dá medo, enquanto a vida dá susto.

A morte apavora, é o fim de tudo, a interrupção do que não podia ser interrompido, o desligamento fatal e inexorável da existência, o fatídico falecimento num dia qualquer de um calendário misterioso. Quem não tem medo disso? Até bicho corre da morte. É instinto puro. O negócio é viver e escamotear a morte para cada vez mais tarde.

Zizica, empregada antiga da minha vetusta e sábia Tia Zenóbia, tem tanto medo da morte que nem a palavra “caixão” ela pronuncia. Velório? Só por procuração. Tia Zenóbia, no alto de sua idade de filósofa por natureza, como se fosse um Eclesiastes de cabelos brancos, vive dizendo à Zizica, tentando chamá-la à racionalidade:

– É tudo bobagem, Zizica. Nada vai ficar. De repente, tudo vira nada. A gente é como se fosse um montinho de pó. Aí, Deus resolve soprar e... oh! Acabou.

Zizica fica cismada e pega a rezar para escapar das baforadas do céu.

Você, leitor amigo, ainda vivo, já sonhou que estava morrendo? Viu só como você acordou? A morte é tão terrível que desejá-la para alguém já tem qualquer coisa de crime.

Por outro lado, a vida assusta. A gente já nasce assustado. De repente, somos arrancados da paz... e de cabeça pra baixo. E lá vem luz nos olhos, sons estranhos, sangue e placenta nos melando o corpo e um tapa no traseiro. Isso tudo assusta!

Quer mais exemplo? Você não vê uma pessoa há muito tempo mesmo, e ela é idosa. Então, você fica sabendo que ela continua viva. O susto é inevitável:

– O quê? Está viva ainda?

É a vida assustando.

Se os jornais dizem que não há vida em Marte, nós nos tranquilizamos. Se as notícias confirmam que há vida em Marte, a Terra toda se assusta.

Velório, então, é um perigo. Todo mundo ali ao redor do caixão, choro, vela, rezas e cumprimentos. O pessoal na maior seriedade e tristeza. O defunto se mexe. A debandada é geral, numa correria louca e cega. Cadê o choro? Cadê as velas? Para onde foram as rezas? Onde foram parar os cumprimentos? O defunto está vivo... e a vida assusta.

Vivemos assim, entre o susto e o medo. Susto perante a imprevisibilidade... medo perante a fatalidade. O susto é o medo que não deu certo.

Talvez seja isto a vida... uma morte que ainda não aconteceu.

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