E não é que virei rei?
Andei recebendo, ao longo de meus teimosos dias, o título de rei de alguma coisa. Sem merecer, óbvio! Até mesmo porque quem me coroou foi a hipocrisia das ocasiões.
Uma vez, num ensaio de escola de samba, pedi emprestado um tamborim e lasquei umas pancadas malucas no couro do gato, só para ver como é que era. Antes que o ridículo tomasse o ritmo da agressão física, devolvi o tamborim castigado.
Acontece que um garotinho ficou encantado com a minha performance e me pediu para repetir. Pura inocência de fã à primeira vista... Quando fui embora, ele me olhou sorrindo e me disse maravilhado:
– Tchau, Rei do Tamborim!
Aquilo me bateu mais forte do que as minhas bordoadas caóticas no instrumento.
Mas fui coroado.
Outra vez, numa fila, uma senhora estava com dificuldades para anexar e enviar um arquivo no celular, pois o aparelho travou. Alguns por ali tentaram e também fracassaram. E a mulher, coitada, aflita.
Então, meu lado solidário me empurrou para dentro da fogueira junto com a mulher.
– Posso tentar?
– Claro, meu filho! Por favor!
Eu me apresentei para a tarefa apenas para não ficar omisso. Mas virou compromisso. Como escapar disso? Minha honra estava em jogo.
Peguei o aparelho como se estivesse pegando o alfabeto árabe e tentei encontrar o tal “por onde”. Balancei, bati, soprei, apertei, alisei... acho até que espremi. Num passe de não sei o quê, o celular passou a funcionar e ela enviou o artigo.
Não deu outra: na fila, fiquei conhecido – e aclamado – como o Rei da Informática!
Ainda mais eu, para quem o meu computador é apenas uma máquina de escrever acoplada a uma tela.
Mas fui coroado.
Já fiz carro funcionar dando um pontapé... virei cambalhota no desespero e botei pitbull para correr... até já consegui consertar guarda-chuva com peteleco.
De vez em quando, me aparecem alguns súditos dos meus diferentes e estranhos reinos me pedindo ajuda. Ainda acreditam na minha realeza.
Eu pulo fora, sentindo-me, aí sim, como um rei: o Rei do Xadrez!
Encurralado e tentando escapar do xeque-mate.