Voltar a todos os posts

Hilderico, o corajoso

12 de Julho de 2020, por José Antônio

Durante o namoro, Hilderico sempre sustentou aquele papo de coragem. Rosali adorava ouvir as histórias do namorado. A cada conversa, Hilderico surgia com uma nova aventura em que ele era o herói.

– Sou corajoso, Rosali. – e estufava o peito em direção a ela. Rosali ficava toda, toda.

E lá vinha o Hilderico costurando peripécias. Era história dele enfrentando cachorros ferozes num beco baldio... história dele batendo sozinho numa turma de ladrões... tinha até história dele pulando de paraquedas no mar bravo.

Rosali ouvia tudo na mais pia confiança. Ainda por cima, sabia aplaudir com os olhos. Estava orgulhosa de ter um namorado tão corajoso. Apaixonadinha. Derretida.

­– Oh, Dendê! – Dendê era o Hilderico.

O intrépido namorado só não gostava de contar aquela história em que ele caiu sentado na fogueira numa festa junina. Hilderico sempre insistia que não tinha sido tombo. E falava, estufando o peito:

– Eu me assentei na fogueira pra mostrar que comigo nem o fogo pode.

Porém, o que diziam no bairro era que Hilderico ficou tonto com o quentão e acabou levando um quentão nos fundilhos. Daí, a polêmica: ou o quentão de cima acendeu o quentão de baixo, ou o quentão de baixo apagou o quentão de cima.

Mas o que Rosali não sabia mesmo era que Hilderico tinha um medo que o transtornava: lagartixa.

Quando via uma, suava frio. Corria. Já sonhou que uma lagartixa o levava nas costas, subia com ele pelas paredes e o entregava a outras lagartixas... um horror! Lagartixa bambeava as pernas do Hilderico.

E a Rosali, coitada, engolindo que o namorado não tinha medo de nada, nem de choque elétrico, nem de trovão, nem de bichinhos e insetos...

– Oh, Dendê!

Até que um dia o casal foi ver um apartamento para morarem. Prédio novinho e laje fresquinha. Foi só o Hilderico rodar a chave e abrir a porta, uma lagartixa despencou de não sei onde e caiu no ombro do rapaz. Por um átimo de segundos, homem e bicho se encararam. A lagartixa, mais do que depressa, se enfiou por dentro da roupa do Hilderico. Hilderico bambeou as pernas.

Rosali entrou pouco depois. Viu uma cena deplorável: o namorado gritava, suava, contorcia-se freneticamente, pulava e tirava a roupa num desespero terrível. Por fim, caiu imóvel, pelado, frio e com os olhos arregalados. Igualzinho a uma... uma... lagartixa.

Hilderico ficou uns dias internado. Quase enfartou. Andou tomando uns calmantes de tarja preta, pois de vez em quando ficava estatelado, sofrendo uns tremeliques e falando coisas estranhas.

Até hoje a Rosali conta pra todo mundo que aquilo tudo foi coragem do namorado. Hilderico espantou os espíritos maus que estavam no apartamento. Queriam se apoderar do Hilderico. A briga foi feia. Mas ele não deixou.

– Oh, Dendê!

Comentários

  • Author

    Excelente. Amo as crônicas de José Antônio. Mas este Dendê, está mais Dadá. Kkkkkkkkkk É muito corajooooooooooso.


Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário