O Manfredo é assim. Quando vê a gente na rua, pega de conversa e não larga mais. Já está ficando chato encontrar o Manfredo. Toda vez, lá vem ele fazer conferência de quase uma hora de relógio.
Se ficasse apenas no blá-blá-blá, ainda ia. Mas tem também o blé-blé-blé, o bli-bli-bli, o bló-bló-bló e o blu-blu-blu. Esse último, aliás, é sempre interrompido no segundo blu, pois ninguém aguenta ficar até o final.
A conversa segue sempre uma ordem de temas, como se fosse um jornal. Ele chega com um comentário ou uma crítica sobre alguma situação. Terminado o editorial, Manfredo parte pra política: pedrada no prefeito, sarrafada no governador e bordoada na presidência da república. Na seção de economia, tudo está caro, o salário é uma merreca sem vergonha e o país está falido.
E os esportes? Manfredo só fala das glórias – passadas! – do seu time. Há também os faits divers: fulano bateu na mulher e apanhou do amante dela, pessoas juraram que viram um disco voador na zona rural, briga de dois homens num bar termina em bala perdida...
Até publicidade tem. É quando o Manfredo elogia a filha da vizinha, enaltece as formas da vizinha e exalta a outra filha da vizinha. Política da boa vizinhança... e da vizinhança boa.
Comecei a regular o meu horário de sair à rua pelo horário do Manfredo. Porém, sempre atento a duas coisas fundamentais: o ainda não veio e o já foi. Uma espécie de AM e PM: ao banco, eu passei a ir às 11h e 33min AM (Ante Manfredum); à cafeteria, somente às 05h e 30min PM (Post Manfredum). Claro, evitando a Rota do Manfredo e os Locais do Manfredo.
Certas frases jamais podem ser ditas ao Manfredo, tais como:
“Você está sumido...”
“Ainda é cedo...”
“Você tem algo a falar?”
“Aparece lá em casa...”
“Qual a sua opinião sobre isso, Manfredo?”
O Manfredo é uma ameaça. Ou será um alerta? De um lado, a ameaça do emudecimento, da impossibilidade de falar frente ao outro, do anulamento social, pois não falamos. Quem não se comunica, se trumbica... já disse alguém. Só que o Manfredo, além de não nos deixar comunicar, também nos leva a trumbicar.
Mas o Manfredo também é um alerta. Está sempre nos lembrando que muitas trombadas da humanidade acontecem porque as pessoas não têm paciência nem interesse de ouvir umas às outras.
Preciso ouvir mais o Manfredo. Mas ele bem que poderia falar menos e me deixar falar mais. Talvez... quem sabe... se o Manfredo conversasse em Libras, poderia dar certo.
Pensando bem, não daria. O Manfredo acabaria morrendo com distensão muscular.