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O prefeito e o verbo

10 de Maio de 2020, por José Antônio

O doutor Paulo Pontes era conhecido como exigente e pragmático. Quando venceu a eleição para prefeito, fez questão de levar essas duas características para o gabinete. Seu pragmatismo exigente e sua exigência pragmática faziam do fordismo um mero projeto de preguiça. Paulo Pontes era fissurado em resultados.

 – Os fins justificam os meios, doutor?

Que meios? O negócio do doutor Paulo Pontes era com o fim. No singular. Sem essa de fins diferentes, pois a sua exigência pragmática não admitia discussões sem fim.

Era o típico prefeito “coito de galo”:  rápido e com resultado.

Como todo homem público, o doutor Paulo Pontes também tinha apelido: Doutor PP. E foi com esse apelido que ele emplacou a sua candidatura a prefeito:

PPPP – PAULO PONTES PREFEITO PRONTO

Rápido e com resultado.

O PP do Doutor PP foi ganhando significados novos, sempre elogiosos. Nas inaugurações das obras, lá estava o Doutor PP (Prefeito Proativo)... nas reuniões administrativas, via-se o assíduo e pontual Doutor PP (Prefeito Presente)... se convidado para culto evangélico, prontificava-se o Doutor PP (Prefeito Protestante)... se era convite para evento de ateus, não se furtava o Doutor PP (Prefeito Pagão)... caso fosse ritual em igreja católica, olha lá o Doutor PP (Prefeito Pontifício)...

Um dia, o Doutor PP chamou todo mundo e lascou pragmaticamente:

– A partir de hoje, acabou o gerúndio aqui na prefeitura. Nada de fazendo... terminando... preparando... Quero tudo pronto. Agora é só verbo no particípio. Fez? Feito! Terminou? Terminado! Preparou? Preparado! Entenderam?

– Entendido! – responderam todos, agarrando-se ao emprego e à forma do verbo.

Não demorou muito e o prefeito já era o Doutor PP (Particípio Passado).

Um vereador dos mais entusiasmados tentou inovar a sigla: Doutor PQP (Prefeito Que Potencializa). No entanto, o entusiasta edil conteve o arrebatamento, pois PQP poderia ofender o alto escalão com uma sigla de baixo calão. Seria o seu definitivo adeus à câmara. Se o desrespeito se lhe imputa, o voto não se computa, logo é vã a disputa. PQP!

Enredo bom tem que ter complicação. E ela apareceu. Foi quando o Doutor PP recebeu o Secretário Estadual de Educação para a inauguração de uma escola. O prefeito já ficou irritado com o nome do secretário:

– Armando? O nome dele tinha que estar no gerúndio?

O segurança sugeriu:

– Chama ele pelo sobrenome, Doutor PP.

– E qual é o sobrenome do homem, Massa Grossa? – era o apelido do segurança.

– Venvindo

– Armando Venvindo? – espinafrou o prefeito – Esse cara é uma eterna continuidade!!!

Não teve jeito. Chegou o dia. Banda de música, crianças com banderinhas na mão, fita pra ser cortada. O Secretário Estadual de Educação começou o seu discurso. Depois de saudar todos os presentes, pigarreou e iniciou a sua oratória:

– É com alegria que estou aqui discursando e inaugurando esta escola que estará funcionando e recebendo alunos e alunas que estarão estudando e se formando para estarem construindo este nosso país que está se desenvolvendo e...

De repente, um susto e todo mundo horrorizado. O Secretário caiu sentado, depois de um pescoção do Doutor PP. Era gerúndio demais.

Rolou processo na justiça. E tome prejuízo: escola cancelada, cidade difamada, prefeito afastado... E o Doutor PP com medo de engolir mais um amargo particípio: cassado!

O vereador entusiasta até pensou em voltar com a sigla PQP. Mas deixou pra lá.

Doutor PP está gastando com mais de um advogado, todos cobrando caro... está escrevendo mil justificativas para os jornais... dormindo mal... comendo pouco... temendo ameaças...

Tudo no gerúndio.

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