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Vai dançar bem assim Lá no Parque do Campo!

18 de Novembro de 2020, por José Antônio

No amor, o apaixonado dá o que não tem... o pobre não dá porque não tem... o rico dá o que os outros não têm... o espertalhão dá o que os outros têm... o conformado dá o que tem...

Já estive apaixonado várias vezes. Em cada paixão, vidas e mortes diferentes. Nas minhas paixões andei dando o que não tinha... e fiquei mais pobre ainda. Também dei o que os outros não tinham... e virei palhaço. Dei também o que os outros tinham... e me chamaram de maluco. Porém, pelo menos conformado eu nunca fui.

Lembro-me de uma daquelas festas de exposição de vacas, litros de leite, garotas bonitas e poeira. Era lá no Parque do Campo. Noite gelada, mas o agito fervia. Meu coração andava apanhando por causa de uma morena linda, que me ensinou com seu riso alegre e solto que a vida podia ser uma tentativa de felicidade quando se anda de mãos dadas.

Não queria ir ao baile. Eu sabia que ela estaria lá. Sempre tive comigo que a gente nunca deve se declarar quando está apaixonado, dá tudo errado...mas eu, nunca aprendo. Mário Márcio me empurrava com os argumentos:

– Vamos, Zé! Você não vai ter outra chance de chegar nela. Depois desse baile já entram as férias e aí, só em agosto.

– Até lá, cara, tudo já vai estar diferente, vai esfriar. – completou o Marcos, já ajeitando o cabelo e passando um perfume do qual nunca soube o nome.

E lá fui eu, sabendo que mais uma vez iria dar o que não tinha para receber respostas que sempre tinha. O Parque estava entupido de gente... de gente e de vaca. Rock dos anos 80 numa altura de ensurdecer boi. Ultraje a Rigor, RPM, Metrô, Biquíni Cavadão, Engenheiros do Havaí, Dr. Silvana, Gang 90, Herva Doce, Paralamas do Sucesso, Titãs, Eduardo Dusek, Kid Abelha... todo mundo dançando entre pilastras, mesas, cadeiras enfeites e luzes piscando.

Ela estava lá. Consegui me controlar. Somente as pernas tremiam. Troquei o nome de cinco pessoas, derrubei uma garrafa e pedi café em vez de cerveja. Ela dançava de bem com a vida e com a sua beleza radiante. Parecia que a festa era para ela.

– Vai lá, Zé! Chega! – berrou o Mário naquela confusão.

Chegar eu já tinha chegado. O problema era ir. Fui me aproximando da rodinha onde ela dançava como se aproxima de um touro bravo: dois passos pra frente e três pra trás. Bolero imbecil de quem não tinha – nem tem! – habilidades para dançar rock. Ensaiei uns pulos sem sair do lugar, tentando sacudir meu corpo no ritmo da música. Sentia todos os meus ossos balançarem, inclusive o crânio. Cheguei perto dela. Minha musa morena rodava pra direita e eu rodopiava pra esquerda, ela subia e eu agachava, ela batia palmas e eu abria os braços, eu sorria e ela fechava os olhos...

– Você está linda! Uuuhhhh! – tentei lhe falar de modo moderninho, enquanto realizava minha aeróbica.

– Hein?

– Você está linda! Uuuhhhh!

– Hein?

Falei diferente:

– Uuuhhhh! Você está linda!

E toca criatividade:

– Você! Uuuhhhh! Está linda! Você está... Uuuhhhh! Linda!

– Hein?

– Uuuhhhh!

Aquilo jamais iria dar certo. Virei-me de costas para ela e voltei para a mesa, pulando com os braços cruzados, que nem sapo desiludido com a lagoa. Sozinho na minha mesa, escutei o Paulo Ricardo cantar London London: a música que eu sonhara cantar para ela, numa pracinha perto de sua casa. Fui para a porta do salão, pois uma coisa molhada já começava a denunciar meus olhos. Não olhei para trás e saí sem me despedir de pessoa alguma.

O jeito era esperar o tempo. Quem sabe, num outro momento, num outro lugar, numa outra situação... sem precisar tentar ser o que não sou. Nunca esse outro momento, esse outro lugar, essa outra situação aconteceram. Eu já sabia. Fazer o quê?

Lembro-me que, quase saindo do Parque do Campo, ainda olhei para um cercado. Uma vaca me olhava:

– Uuuhhhh!

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