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Banco Espírito Santo, Portugal Telecom, futebol, consumidor... (2)

16 de Agosto de 2014, por José Venâncio de Resende

Ironia! Há pouco tempo, eu usava aí no Brasil (São Paulo - Resende Costa - São João del-Rei) uma camisa (camisola, para os lusitanos) do Futebol Clube do Porto, com o patrocínio do Banco Espírito Santo (BES) nas costas e da PT (Portugal Telecom) na parte da frente. O Porto é dos principais clubes portugueses e BES (instituição financeira com 145 anos de existência cuja marca virou pó) e PT (operadora do sistema nacional de comunicações) eram duas das principais empresas do país. 

O campeonato nacional de futebol da temporada 2014/15 começou, neste fim de semana, acrescido de duas equipes (18 no total), mas com os grandes clubes do futebol enfraquecidos pela falência do tradicional BES. Isto ajuda a explicar a recente perda de jogadores de qualidade, para clubes de outros países, e a dificuldade de reposição nos elencos com peças de mesmo nível. É esperar para ver o resultado com a bola rolando nos gramados portugueses. 

Na “cascata de afetados”, segundo definição da agência de notícias EFE, inclui-se o maior e mais popular clube de futebol português, o Benfica, que tem no extinto banco uma das suas vias de financiamento. “O descalabro daquele que foi o terceiro maior banco e mais tradicional em Portugal produziu-se como se se tratasse de um castelo de cartas de baralho, no qual uma carta cai e arrasta o resto. Após sacudir os alicerces da operadora PT, os tentáculos financeiros do antigo banco familiar situam-se agora sobre o clube com mais adeptos, oficialmente perto de 200.000, e mais laureado em Portugal, com 33 campeonatos portugueses.” 

Dados do regulador da bolsa de valores (a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários-CMVM), referentes a 31 de março de 2014, mostram que o Benfica (que é cotado no índice geral da Bolsa de Lisboa) tinha um empréstimo pendente de quase 65 milhões de euros com o BES com vencimento em abril de 2014, mas que "se renova automaticamente por períodos trimestrais". Embora não informe a sua taxa de juros concreta, a própria entidade revela que a taxa média anual de juros por empréstimos é "de 7,93%". 

Fica no ar a dúvida: terá o Benfica liquidez para devolver esses 65 milhões de euros sem vender mais jogadores, o que poderia repercutir no rendimento desportivo? Ou o clube poderá renegociar empréstimo com a administração do Novo Banco (a parte saudável que sobrou do BES)? Por enquanto, nem o Benfica nem o Novo Banco quiseram pronunciar-se sobre o assunto. Enquanto isso, o Benfica vende jogadores, mas as contratações para suprir a saída não acontecem. 

O Benfica Stars Fund - fundo de investimento em percentagens de passes de jogadores do plantel que nasceu em outubro de 2009 – tem participação do Benfica e é administrado pelo ESAF (Espírito Santo Fundos de Investimento Mobiliário). Este fundo, por exemplo, arrecadou perto de 45 milhões de euros e repartiu milhões em lucro, ao vender percentagens de jogadores a terceiros que buscam beneficiar-se de uma futura revalorização quando são transferidos a outra equipe. Outros clubes, como Sporting e Porto, também usaram instrumentos financeiros semelhantes ao Benfica Stars Fund. Eles utilizam a mesma via para suprir as baixas receitas da venda de entradas, camisolas, publicidade e direitos de televisão.

Um alívio, segundo fontes do setor consultadas pela EFE, é que, com a decisão de dividir o BES em “banco bom" e “banco ruim” (os portugueses preferem "mau"), este fundo administrado pelo ESAF teria ido para o Novo Banco, em vez de parar ao "banco podre", que vai liquidar os ativos tóxicos nos quais estão incluídos os acionistas.

No final de Julho, os fundos de investimento nacionais detinham uma exposição ao universo BES e GES (Grupo Espírito Santo) de 204,8 milhões de euros, de acordo com a CMVM. Deste valor, 136 milhões de euros, relativos à dívida emitida pelo BES, foram transferidos para o Novo Banco (ou seja, fundos de investimento portugueses continuam a deter 68,8 milhões de euros em ativos cujo desfecho ainda não é conhecido). 

Mas os clubes portugueses poderão ser vítimas também de outro malfadado negócio. A operadora PT, sócia do BES, foi duramente golpeada por um investimento de quase 900 milhões de euros que fez em títulos da Rioforte (outra empresa do GES), valor que dificilmente receberá de volta. Além da marca institucional, o MEO (Serviços de Comunicações e Multimídia) tem sido a marca comercial da PT mais presente em camisolas de equipes portuguesas. 

Defesa do Consumidor 

A Associação de Defesa do Consumidor (Deco) acaba de pedir ao Parlamento português a abertura de inquérito para apurar "os atos" adotados pelo Governo e pela administração do BES no âmbito da insolvência técnica da instituição, de acordo com o Diário Econômico. A Deco exige que sejam apuradas responsabilidades quer da administração do banco, quer dos auditores, passando pelas entidades supervisoras - como o BdP -, pelo próprio Ministério das Finanças e pelo Presidente da República. 

A Deco anunciou também ter disponibilizado, na sua página da Internet, um formulário de "denúncia para pequenos acionistas e investidores lesados" pelo BES. O objectivo é reunir dados que permitam encontrar a melhor forma de defender estes consumidores. A associação lembrou que a "falência inesperada do BES deixou centenas de consumidores sem uma boa parte das economias que amealharam durante anos". 

Numa semana e meia, a Deco recebeu mais de 1000 queixas e pedidos de ajuda quer dos "depositantes, que viram as suas poupanças transferidas sem percalços para o Novo Banco, quer dos pequenos investidores, cujos ativos ficaram na posse do antigo BES e dificilmente serão recuperados". 

Para a Deco, "as falhas de gestão e de transparência que envolveram o caso BES são desastrosas e não podem ser resolvidas à custa dos pequenos investidores. Ainda que o investimento em acções e obrigações tenha riscos, os contornos deste processo estão muito longe dos de uma falência normal".

A associação considera inexplicável como, no espaço de dois ou três dias e de acordo com as contas apresentadas pelo próprio BES, a instituição tenha passado de um valor contabilístico de 4,2 bilhões de euros para um buraco financeiro ainda por calcular 

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