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Breve visão da crise europeia, a partir de uma visita a Portugal

01 de Marco de 2012, por José Venâncio de Resende

Visita à redação do Diário Económico de Lisboa em dia de carnaval

Era terça feira de carnaval quando fui visitar a redação do jornal Diário Económico, de Lisboa, do mesmo grupo do Brasil Econômico, de São Paulo. Feriado que nao era feriado em Portugal, pelo menos para o governo que adotou esta medida em nome da política de máxima austeridade.

Mas a redação estava vazia, como aliás muitas empresas e repartições públicas municipais (o que mereceu forte crítica do primeiro ministro Pedro Passos Coelho). Na verdade, a população não estava nem um pouco preocupada com a decisão do governo (que se deverá estender ao carnaval de 2013, como já foi anunciado). Foi um carnaval contaminado pela crise que vive Portugal e (grande parte da Europa), com a população aproveitando a terça-feira para ironizar a situação. "Carnaval faz a gente esquecer a crise", diziam alguns. "Por aqui dança quem sabe e quem não sabe tambem", diziam outros. O fato é que “o governo não deu feriado, mas o povo se deu”.
 
Quem mais esteve presente na sátira do carnaval português foi a troica (União Europeia, FMI e Banco Central Europeu) e os principais líderes europeus, os primeiros ministros Angela Merkel (Alemanha) e Nicolas Sarkozy (França), além, claro, do primeiro ministro português. "O que se vai fazer? É rir agora para sofrer mais tarde", sentenciou um folião. E, como os tempos não estão para rir, o governo português abriu, nos últimos dias, polêmica com a Igreja ao propor o fim de feriados religiosos, como o de Corpus Christi. Tudo em nome da austeridade.

Voltemos à redação do jornal Económico, onde fui recebido pela subdirectora Helena Cristina Coelho, que me contou que já fez estágio na editora Abril em São Paulo. Ela me mostrou os estúdios da TV de Negócios do grupo e as redações conjuntas do jornal impresso, da versao online e da própria TV.

Naturalmente, conversamos sobre a crise europeia. Helena lembrou-me que a troica exigiu a privatizaçao das empresas estatais portuguesas, basicamente setores elétrico, financeiro, de transportes e de água/saneamento (os chineses estão aproveitando para investir bilhões de euros nas elétricas, com um olho na energia renovável e outro no  Brasil e nos Estados Unidos). A ideia é que, além da austeridade para reduzir o endividamento público (corte de gastos), é preciso gerar novas receitas, por exemplo, com a venda das estatais. Conversamos sobre a situação da Grécia, considerada bem pior do que a de Portugal.

Saí da visita ao jornal com a impressão de que em Portugal (e talvez na eurozona) ninguém espera que o acordo da Grécia com a troica venha a ser bem-sucedido. Na verdade, o que existe é muita torcida para que dê certo, pois a alternativa à Grécia é abandonar o barco do euro com todas as consequências oriundas de tal decisão. No caso de Portugal, a expectativa é de melhor resultado (75% de chance de o país continuar na zona do euro, como disse o prêmio nobel de economia Paul Krugman), embora se saiba que a política de apertar o cinto é um caminho sem volta. Mas muita gente acredita que não há espaço para mais austeridade, que o povo não aguenta mais arrocho.

Ainda assim, uma coisa é certa: este (e talvez o próximo) ano vai ser muito dificil, com forte recessão econômica (crescimento negativo ou destruição de riqueza como se diz em portugal) e elevado desemprego. É o chamado salve-se quem puder... E, para colocar mais lenha na fogueira, o economista Paul Krugman, que recebeu o título de doutor honoris em solenidade conjunta das três universidades de Lisboa, foi no mínimo contraditório em seu discurso (ou aula) e na entrevista a jornalistas. Ou seja, afirmou que a austeridade está em seu limite em Portugal, mas defendeu redução de salários para aumentar a competitividade das exportações portuguesas, como forma de reduzir o endividamento.

O fato é que Portugal chegou a um estágio tal de desenvolvimento (basta ver a recuperação da infraestrutura e a modernização do país) que, ruim ficar na zona do euro, pior fora dela. Neste sentido, acredito que a tendência é a Comissão Europeia em Bruxelas ganhar cada vez mais poder, inclusive em termos de gestão fiscal, em detrimento das soberanias nacionais.

Nesta viagem, tive a oportunidade de visitar o norte do país, conhecer a cidade onde surgiram os Resende e me encantar com as belezas naturais, além de saborear o bom vinho português oriundo daquelas paisagens montanhosas, a preços bem convidativos.

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