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Carta de Lisboa (2)

28 de Novembro de 2019, por José Venâncio de Resende

Com Padre Joaquim, especialista nos Resendes e um dos apresentadores do meu livro, ao lado de Guilherme Rezende (Foto: Marcos Rodrigues).

Este foi um ano particularmente difícil para mim. Perdi meu pai já beirando os 91 anos de idade, mas que nos deixou como herança, a mim e meus irmãos, o exemplo de um cidadão lutador, humilde e honesto.

De outra parte, apresentei ao público o meu novo livro – Cidades e Resendes: uma viagem por Portugal continental, arquipélago dos Açores, Minas Gerais e Cabo Verde. Trata-se de uma coletânea de textos (reportagens, notícias e artigos) publicados no Jornal das Lajes e que está chegando ao mercado.

Este é um livro que procura construir pontes… Ponte entre continentes. Ponte entre cidades. Ponte entre comunidades… No caso, busca promover uma aproximação entre as comunidades de cidades ligadas aos Resendes (em Portugal, no Brasil e no Cabo Verde), tanto no seu aspecto cultural e histórico quanto no econômico e social.

O tear manual de madeira – presente no Museu Municipal de Resende (norte de Portugal) – é um dos fios condutores desta história, embora não explicitamente. Este tear, usado para produzir colchas (mantas), tapetes e outros produtos artesanais a partir de retalhos de tecidos usados e novos, é o mesmo utilizado por cooperativa e associação de mulheres na Ilha de Santa Maria (Açores) e centenas (ou milhares) de empreendedores que ajudaram a tornar pujante a economia de Resende Costa (Minas Gerais).

Não parece pura coincidência que este tear tenha acompanhado a trajetória dos Resendes, que emigraram de Portugal continental para a ilha de Santa Maria nos Açores e, de lá, para Lagoa Dourada e posteriormente Resende Costa.

A Parte V deste livro é uma homenagem singela ao meu amigo e mestre Rosalvo Pinto – maior especialista nos inconfidentes José de Resende Costa (pai e filho) – com uma seleção de alguns dos seus artigos publicados no Jornal das Lajes.

Mas três questões estão presentes neste livro. Uma delas é como tirar do papel o acordo de cidades-irmãs (ou geminadas) entre Resende Costa e Vila do Porto. Faço eco às palavras do jornalista Domingos Barbosa, editor do Jornal O Baluarte de Santa Maria, para quem as lideranças políticas precisam agir para dar sequência a este acordo. O impulso ao intercâmbio histórico-cultural entre os dois municípios certamente gerará frutos.

Outra questão é o pouco conhecimento da origem dos Resendes dos Açores. Sabemos que emigraram do continente. Com o auxílio do historiador e genealogista José de Almeida Mello, de Ponta Delgada, chegamos ao casal Francisco Curvello e Felipa Faleiro de Resendes, do final do século XVI. Francisco era neto de Antônio Curvello, mestre catalão que foi enviado a Santa Maria pelo Infante D. Henrique, para introduzir na ilha a cana-de-açúcar e seu processamento. Resta saber a origem de Felipa, daí a necessidade de novas pesquisas.

Por fim, anseio por ver colocada em movimento minha proposta de criação de uma rede de cidades resendenses. Algo simples, sem burocracia e grandes custos, a começar por um espaço, a ser inserido nos portais de prefeituras e câmaras municipais, com informações básicas (breve histórico de cada município, agenda anual dos principais eventos e informações de hoteis, restaurantes, transporte etc.).

Consciência ambiental

Ao mesmo tempo em que este foi um ano de dor e de conquista, também foi um período em que aumentou minha consciência ambiental. Fiquei mais globalista porque o planeta é um só, estamos todos no mesmo barco. O que não significa que fiquei menos patriota; aliás, é sempre bom não confundir patriotismo com nacionalismo.

Estou, de fato, sensibilizado com os níveis alarmantes do aquecimento global – nas suas mais diversas formas de manifestação, como o degelo no Ártico e na Antártica; secas e enchentes mais drásticas; ondas de calor mais intensas e extensas; tsunamis e tempestades tropicais (furacões, tufões, ciclones); desertificação etc. –, não apenas vistos a olho nu como também amplamente respaldados pela ciência. Trata-se de uma verdadeira “Marcha da Insensatez” (para utilizar o título do livro da historiadora Barbara Tuchman).

Os gases de efeito estufa, responsáveis pelas alterações climáticas, atingiram níveis de concentração recordes na atmosfera em 2018, com aumento superior à média dos 10 anos anteriores, alerta em relatório a Organização Meteorológica Mundial – agência das Nações Unidas. Entre as principais causas, 85% da produção global de energia provém de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás); apenas 15% é energia nuclear, hidráulica e renováveis. O que é pior: não há sinais de que vá haver uma desaceleração, e muito menos uma diminuição, da concentração dos gases com efeito estufa na atmosfera. Assim, as gerações futuras terão que enfrentar consequências cada vez mais graves das alterações climáticas. A China tornou-se o principal emissor, superando Estados Unidos e Europa. A concentração média de dióxido de carbono (407,8 partes por milhão) é 146% superior à verificada na época pré-industrial.

O jornal digital Observador (22/09) resume em dois os tipos de problemas que limitam nossa qualidade de vida e mesmo a longevidade. De um lado, o excesso de poluentes, especialmente evidentes nas grandes cidades, que passa pelo enxofre e por tudo o mais que os motores de combustão emitem. De outro, a queima de combustíveis fósseis, que emite dióxido de carbono (CO2), o principal responsável pelo efeito estufa e o aquecimento global.

Alguns países, especialmente europeus, estão assumindo a liderança de declarar guerra aos combustíveis fósseis, por meio de medidas como a adoção de maior percentagem de fontes renováveis na produção de energia elétrica, em substituição à queima de carvão e de derivados de petróleo, bem como metas muito apertadas de emissões de CO2 dos veículos. Mas há contradições como o fato de existirem empresas que sozinhas emitem mais CO2 do que muitos milhões de veículos. Basta ver que entre os maiores poluidores estão as próprias empresas petrolíferas.

Países como Alemanha e Portugal estabeleceram metas de neutralidade carbônica, cujo objetivo é zerar (ou quase) as emissões de gases com efeito estufa. Porém, esta solução por país acaba por apresentar problemas. Ocorre que para atingir esta meta dever-se-iam levar em conta fatores, como por exemplo o impacto das transações comerciais e das cadeias de suprimento, que extrapolam as fronteiras de um país.

A revista The Economist chega a falar em “exportadores de emissões de carbono”, entre os quais se destacam China, Índia e Rússia. Curioso é o caso da Arábia Saudita, que não é um grande emissor porque as estatísticas de produção e consumo colocam as emissões do petróleo no país onde ele é processado, e não onde ele é extraído. Uma das dificuldades é medir o impacto das complexas cadeias globais de produção, considerando aspectos como o tipo e a origem da matéria prima ou da componente importada, bem como o tipo de transporte.

Entre as importações que carregam as mais elevadas emissões de carbono estão matérias-primas industriais (ferro, aço e químicos) e produtos de consumo (carros, eletrônicos e têxteis). Esses produtos respondem por cerca de 30% das emissões relacionadas com o comércio, segundo o Global Trade Analysis Project, da Pardue University, citado pela The Economist. O mesmo estudo mostra que os carros e suas componentes exportados pela China são responsáveis por nove vezes mais CO2 do que os exportados pela Alemanha.

Outro exemplo são os milhares de voos aéreos e de circulações de navios de cruzeiro, cuja emissão de carbono também não entra na contabilidade da neutralidade carbônica de cada país. Tanto que, recentemente, a Easyjet anunciou que será a primeira grande companhia aérea a operar voos de carbono zero. A ideia é compensar a excessiva poluição pelo combustível utilizado nos voos com o investimento em projetos florestais e de produção de energias renováveis e comunitários.

Não há caminho fácil

Como se vê, o caminho não é facil para desafios de tal magnitude em relação à emergência climática. Não acredito em soluções drásticas e imediatistas, principalmente determinadas verticalmente por governos ou pela burocracia estatal. Creio, sim, que a tecnologia ajudará a superar grande parte do problema, mas o sentido de urgência leva à necessidade de ações que envolvam todos (governos, empresas, sociedade civil, famílias e indivíduos) e de políticas públicas bem delineadas e realistas.

Mas isto não é suficiente. Acredito que teremos de avançar na substituição dos combustíveis fósseis (petróleo e carvão). Mais urgente é “abolir” quaisquer tipos de plástico da face da terra. Uma coisa parece certa: “a era da energia barata chega ao fim”, constatou um grupo de economistas contratados em 2018 pela Organização das Nações Unidas (ONU) em relatório sobre desenvolvimento sustentável. Assim, manifestações contra aumento nos preços dos combustíveis fósseis parece que vão na contramão da urgência climática.

Faço eco ao alerta do secretário geral da ONU, o português Antônio Guterres. É preciso mudar o paradigma energético centrado nos combustíveis fósseis (petróleo e carvão). Evidente que, quando as empresas petrolíferas estão entre as que mais poluem no mundo, elas terão de deixar de ser parte do problema para ser parte da solução, daí a necessidade de seu envolvimento.

Incêndios. Imagens assustadoras de grandes incêndios nos diferentes continentes (que além de destruir florestas são altamente poluidores) circularam o mundo este ano na velocidade da própria propagação dos incêndios. No caso da Amazônia, não me iludo. Só vejo uma saída para que a floresta não desapareça em poucas décadas: consolidar a soberania sobre a Amazônia a partir de uma visão supranacional.

Acredito que a melhor forma de enfrentar a destruição da Floresta Amazônica é a criação de um conselho permanente de alto nível, envolvendo os Estados dos países que dividem fronteiras na região. Por meio de ações coordenadas, estes países priorizariam um plano de desenvolvimento sustentável, prevenção de catástrofes e combate a incêndios. Uma instância – para além de questões partidárias e ideológicas - que coordene projetos e receba recursos internacionais, com capacidade técnica de gerir esses recursos sem os ruídos demagógicos de políticos populistas. Alguns dirão que sou um sonhador. Paciência!

 

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