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Carta de Lisboa (2020): Resiliência e esperança

08 de Dezembro de 2020, por José Venâncio de Resende

Aquecimento global, desafio pós-pandemia (foto: tempo.pt).

Estamos no apagar das luzes de 2020, para muitos um ano perdido, para ser esquecido. Mas algumas vozes sensatas se erguem para dizer que é no mínimo um ano para reflexão, para aprendizado, para repensar nossas vidas e nosso futuro neste planeta Terra.

Alinho-me com estas vozes sensatas, e aproveito este fim de ano para fazer a minha reflexão em “voz alta”. Comecei 2020 com muitos planos. O primeiro deles, bem-sucedido, foi o lançamento, em Resende Costa (MG), do meu livro Cidades e Resendes – Uma viagem por Portugal continental, Arquipélago dos Açores, Minas Gerais e Cabo Verde.

O evento foi no sábado, 14 de março, sob alerta das primeiras orientações do Ministério da Saúde, em Brasília, para evitar eventos com grande ajuntamento de pessoas, manter o ambiente ventilado etc., que já levantava a ponta da cortina para o trágico espetáculo da pandemia. Mesmo assim, tudo correu bem no evento, com a presença de dezenas de amigos (pouco abaixo do limite de 100 então recomendado pelas autoridades de saúde) de Resende Costa, São João del-Rei, Lagoa Dourada, Belo Horizonte e de outras cidades vizinhas.

No dia 15 de março, voltei para São Paulo e não mais saí de casa até o início de maio quando retornei a Portugal, numa viagem tensa marcada pela indisciplina (falta de cuidados mínimos de proteção contra o novo vírus) de grande parte dos passageiros e maior duração, pois o voo fez escala não-habitual em Recife. Desde então, tenho mantido uma vida quase reclusa – com idas ao supermercado, caminhadas nos locais próximos e alguma atividade indispensável -, mesmo durante o verão quando a população se libertou da rigidez do confinamento imposta na maior parte do primeiro semestre, cujas consequências sentimos com o recrudescimento do número de casos e mortes (a chamada segunda onda) neste outono.

Antes da pandemia, estava planejado o lançamento do meu livro, em 16 de maio, na cidade de Resende, região portuguesa do rio Douro. Evento este que teve de ser adiado indefinidamente devido à primeira onda da pandemia que ainda continuava grave na Europa. Aliás, meu plano era promover três ou quatro lançamentos – além de Resende, em Vila do Porto (ilha de Santa Maria), Cabanas de Viriato (freguesia de Carregal do Sal), e talvez cidade de Praia, em Cabo Verde. Ficarão para outra oportunidade, quem sabe já em 2021!

Aproveitei este tempo para, além dos trabalhos rotineiros que realizo para o Jornal das Lajes, ler um pouco mais. Entre os livros lidos nos últimos meses, destaco a instrutiva História do Império Habsburgo, de Pieter M. Judson; a edição atualizada da insuperável A Ordem Mundial, de Henry Kissinger; o intricado O Pêndulo de Foucault, de Umberto Eco; o “jornalístico” O Escândalo do Século, de Gabriel García Márquez; o fabuloso Samarcanda, de Amin Maalouf; e atualmente o delicioso texto do escritor Arturo Pérez-Reverte em Uma História de Espanha. A maioria deles, encaminhada (ou em via de) à Biblioteca Municipal de Resende Costa.

O ano termina com as esperanças renovadas. Algumas vacinas promissoras começam a chegar em ritmo alucinante, ainda que em “conta-gotas”, numa prova indiscutível do papel cada vez mais relevante nas nossas vidas do avanço da ciência e da tecnologia. A distribuição de milhões de doses de vacinas ao longo de 2021será uma experiência desafiadora, vai exigir uma logística de complexidade gigantesca pouco vista. A vacina não é nenhuma bala de prata, como advertem especialistas, mas se acredita que vá criar as condições necessárias para transformar a pandemia numa espécie de epidemia como é o caso da gripe.

Daqui do meu canto, creio que tenha havido certa precipação ao se dizer que o mundo seria outro depois da pandemia de covid-19. Tudo indica que os problemas anteriores e os desafios para resolvê-los continuarão presentes no nosso cotidiano.

Um dos principais é o aquecimento global, com suas consequências tais como fenômenos climáticos mais frequentes e violentos. Este ano, verificou-se alguma redução na emissão de gases poluentes decorrentes dos combustíveis fósseis (petróleo e carvão), mas nada de tão extraordinário que pudesse aumentar nossa esperança de se queimarem etapas no combate às mudanças climáticas. O que significa dizer que, se nada for feito, a situação anterior à pendemia tende a voltar, agravada. Um exemplo é o surgimento de um novo tipo de lixo (as máscaras e luvas descartáveis), frequentemente encontrado no chão de praças e ruas de cidades, mostrando que pouco mudou o comportamento das pessoas.

Acredito no enfrentamento concreto do problema climático por ação contundente dos governos no sentido de criar legislação e políticas públicas adequadas para induzir à substituição do modelo econômico baseado no carvão e no petróleo (transportes, plásticos, indústria etc.), adotar uma educação escolar voltada à sustentabilidade e introduzir tecnologias poupadoras de recursos naturais. Ao mesmo tempo, de empurrar as pessoas para atitudes mais adequadas como mudança nos hábitos de consumo, produção de menos lixo e a sua separação, diminuição da dependência de veículos individuais movidos a derivados do petróleo e outras práticas benéficas ao futuro da humanidade. Se as pessoas não mudarem o comportamento em relação ao consumo e às suas ações no cotidiano, de nada vai adiantar o esforço dos governos.

Esperança transatlântica

Em meio a todo esse caos, estou esperançoso, sobretudo com a chegada de Joe Biden ao poder nos Estados Unidos e das vacinas à população de todos os países! Nesta ordem, porque a presença do novo presidente na Casa Branca dará mais racionalidade – até mesmo mais humanidade - às relações internacionais. Afinal, o mundo precisa superar logo esta pandemia, numa ação coordenada e inclusiva, e desanuviar o ambiente comercial e político, envenenado pelo trumpismo, para que os países voltem a crescer e gerar riqueza e novas oportunidades de trabalho, de preferência em condições sustentáveis. Claro assim! 

Enquanto Biden assume com uma equipe qualificada e experiente para lidar com os grandes problemas que nos afligem, Portugal assume em janeiro a presidência rotativa da União Europeia, com a seguinte pauta: liderar a fase inicial da distribuição eficiente e “justa” das vacinas entre os países da comunidade; colocar para funcionar a “bazuca” de bilhões de euros dos fundos europeus destinada à recuperação econômica pós-pandemia e levar adiante o programa europeu de desenvolvimento, com prioridade nas transições digital e climática.

Uma última palavra de esperança. Minha expectativa (ou sonho?) é de que os dirigentes brasileiros e seus aliados políticos ultrapassem a miopia ideológica e o negacionismo inconsequente e passem a atuar no sentido de tirar o país do previsível isolamento, delineado com a derrota do aliado Donald Trump nos Estados Unidos e com o crescente cerco na Europa às democracias iliberais como Hungria e Polônia.     

 

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